sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O tempo todo

Quando você de repente vai embora eu me esqueço como é que se fica sozinho.

Só não gosto

Eu não gosto de me ver no espelho
nunca, nunca mesmo.
Não por causa do meu rosto,
eu até gosto do meu rosto,
não é isso.
Eu não gosto de me ver no espelho,
com essa cara de sozinha, de quietinha,
de poucos sorrisos desses
que vem do peito.

Nem mais

Não gosto quando você espera de mim demais,
demais de mim.
Eu não posso te dar muito, e muito menos pouco.
Me deixe assim, que esse é o melhor de mim.
Nem mais,
Nem menos,
Nem pouco e muito menos
Nem muito.

Dancinha

Preciso sonhar coisas de gigante, de acordo com o que sou
mas meu bem eu lhe digo
Seu tamanho nada tem a ver com o seu passado
e também eu lhe falo
os sonhos não são assim tão fáceis e meu bem,
acorde.

Dias

Tem dias que tudo parece rascunho porque tudo parece tão fraco, que vai terminando, terminando e aca-bou.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Sonho

A sua mãe tocava pra você essa música no piano e eu ouço essa música como se eu estivesse ouvindo a vovó. Eu vejo a vovó sentadinha no piano, pequenininha como eu a imagino. Ela me vê descendo a escada, sorri e continua tocando. Não sei qual é o número desse noturno, mas é um dos mais lindos do Chopin. Tenho vontade de chorar olhando a vovó tocar. Eu me sento do lado dela e espero ela terminar a música pra abraçá-la, temos tanta coisa pra falar uma com a outra. Tem tanta coisa que eu quero saber do papai, coisas que eu quero que ela me conte como foi a versão dela. Tem tanta coisa! Será que ela continua sarcástica? Será que ela vai me fazer rir? Imagino que ela vai ficar falando do Pradão entre uma piada e outra. Quero tanto saber o que ela acha de mim! Somos parecidas, vovó? O papai vai dar gargalhadas quando eu contar pra ele que encontrei a vovó tocando piano! Mas aí a música acaba. A vovó levanta, beija a minha testa e vai embora, toda feliz.

Mesmo lugar

Você sabe que todas as coisas que a gente faz na vida, todas e absolutamente todas, serão esquecidas por todas as pessoas que a gente conhece na vida, porque todas elas, como nós, estão preocupadas com as coisas que elas fazem na vida. E no final da vida, vamos todos pro mesmo lugar.

gymnopedie 3

O problema de eu me sentir sozinha
não é a tristeza que gera
não é eu estar desprotegida
não é a falta de alguém
é talvez
a possibilidade
de eu, de repente,
estar mesmo sozinha.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Manchete

A notícia sobre futebol está ao lado da notícia sobre os duzentos mil desabrigados no Rio por causa da chuva. A única diferença é que a notícia de futebol tem uma foto e está em destaque.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Triste assim

A minha tristeza é suave, quase doce. Eu sorrio tão levemente, parece verdade. Eu entro e saio sem ninguém saber que sou triste. Ninguém. Eu passo entre as pernas, entre as mesas e entre os pensamentos de alguém tão rápido que é como se eu nunca tivesse passado. Eu não tenho passado muito. Também não tenho muito passado. O presente quando demais quase esconde o passado. Mas também, quem mandou estar aqui. Quem mandou passar por aqui a essa hora. Não adianta reclamar, chorar para os santos, não há nada que te faça outra. Essa aqui é você, triste assim.
]
Eu não sei fazer de outro jeito se não o errado. 
Eu não sei fazer de outro jeito se não qualquer jeito.
Eu não sei fazer de jeito nenhum.
[

Preciso escrever

Preciso escrever um pouco
se não o que será de mim quando me descobrirem
e todos ficarem sabendo que eu não sei fazer mais nada
e eu for desmascarada?
Eu preciso escrever
para que saia, quem sabe, uma poesia
e então eu a vendo por milhões de dólares
e fico rica
e nunca mais preciso fingir mais nada.

Roteiro


  1. um labirinto
  2. não, um labirinto não, um mar
  3. cheio de ondas silenciosas
  4. e vazio
  5. nenhum barco a vista
  6. ninguém
  7. de repente um peixe surge na superfície
  8. e volta pra dentro do mar.

Se eu chego

A minha tristeza é ver que eu corro, corro, corro, e a linha de chegada está em qualquer outro lugar.
A minha tristeza é ver que eu não saí daqui. E os anos passaram, eu consigo ver nas pequenas manchas,  nas feridas, nas mãos. Os anos passaram que eu sei. E eu sei que está todo mundo querendo esconder isso de mim. A mulher que me atende no posto de conveniência, o cara que abastece o meu carro, a bruxa que disse que eu não sabia escrever. Estão todos fingindo que eu não estou atrasada. Estão todos me escondendo uns anos. Só quero saber se eu chego, se eu consigo chegar ao lugar que está separado para mim.

Roteiro

Um roteiro, ele me pediu um roteiro.
Eu não sei, mas sinto que o que eu quero dizer é justamente o que vai
fora do roteiro
junto com o Leminsky ou não sei, com o Drummond
aquele Drummond que eu não entendia quando era pequena
mas hoje eu entendo,
infelizmente eu entendo.

que gosto tem

Qual será o gosto de realizar um sonho? Qual será o rosto de quem realizou um sonho? Gente que realiza um sonho fica diferente, não sei diferente como. É, pode ser bobagem minha.

domingo, 24 de novembro de 2013

sonho

Meu pai veio me dizer que o meu sonho era um pouco caro e um pouco difícil, não tira o foco do trabalho, filha. Como se eu não soubesse já. Como se eu não tivesse arrastado esse sonho na garganta por vinte e seis anos e cinco meses. Mas tudo bem, é só mais uma montanha que eu vou precisar escalar, depois do meu trabalho me obrigar a adiar e adiar mais o meu sonho. Porque é assim mesmo. Todo sonho que se preza tem que ser difícil, impossível e quase sempre a gente desiste. Eu penso todo dia em desistir, porque eu não sou forte pra aguentar um sonho ridículo desse nas costas, mas eu sempre quero tentar mais um pouquinho, mais umas semanas, mais uns meses. Pode ser até que eu acabe pensando em não desistir, pelo menos um dia. Esse dia vai ser bom. No dia seguinte a vida real volta a me atormentar, e o sonho volta a ser só sonho.

O barbudo do trabalho

Tenho histórias secretas pra contar pra ninguém.
As histórias que eu imagino olhando para as pessoas.
Olho pra esse cara do trabalho, imagino ele tocando algum instrumento genial na janela de casa. Aquela cobertura que quase dá no céu, um céu meio solitário, mas cheio de estrelas. E imagino ele cozinhando ao som de um jazz que eu não conheço. Imagino ele não fazendo a barba e deixando os óculos em cima da pia. Depois ele vê o jornal na televisão, o jornal da meia-noite. Ele analisa tudo com os olhos semi-fechados e dorme. Ele tem tanta coisa pra contar pra alguém.

onde

Já são sete horas da noite e eu acabei de perder o dia não sei onde.

Outros séculos

Estava estudando romantismo alemão, espanhol, português. Eles se matam, elas morrem de amor, elas esperam, eles morrem na guerra, elas ficam grávidas de outros, eles se entregam ao inimigo, elas também. Dor, dor, dor. Tudo tão trágico. Exatamente como na vida real.

your heart

Sometimes I feel like your heart must be upside down.
Or is it mine?

sábado, 23 de novembro de 2013

Coisas invisíveis

Acho que talvez esteja na hora de ficar um pouco longe disso tudo, tá na hora de ir para casa, para o acampamento, para a chácara da vovó. Preciso ver a terra, me ver de longe, preciso ver melhor. Quando se fica muito tempo longe de casa, do que se acredita, o caminho de volta fica quase invisível.

Teresa

Quem põe os pingos nos is,
a vírgula para dar uma pausa,
o ponto para finalizar a questão.
Quem traz o sol de manhã
- mas isso é um clichê, ela diria.
Quando um avião cai, 
- e todos os dias caem aviões -
ela respira e faz o mundo saber, tranquilamente.
Ela foge do que chama de mundo cão,
porque na hora do almoço ninguém merece sofrer.
Saias longas, botas, pulseiras
e um jeito doce, doce.
Teresa, a sua existência torna a vida na terra mais suave, 
todos os dias.
Porque você e os seus cachos
parecem um daqueles milagres disfarçados de gente.

sábado, 12 de outubro de 2013

Peso

Há entre nós um peso
- eu achava que era só o peso do ar,
mas o ar não é tão pesado, e esse peso parece um piano
(um piano em silêncio, como o que eu tenho em casa).
Depois achei que era o peso de uma dor
uma dor que eu não conheço, que dói como uma pancada.
Mas não é: nem pancada, nem dor, nem piano e nem ar. 
Algo me diz que esse peso 
É o peso da morte. 

domingo, 6 de outubro de 2013

Peito morto

Eu queria estar morto pra ver como seria. Queria andar morto pelos cantos, pela minha casa, lá no meu trabalho. Um morto fedorento, com cheiro de morte. Um morto assustador. Eu queria saber como é ser morto, como é esse outro lado, sem vida, sem essa dor no peito, maldita dor no peito, parece que meu peito morreu.

[entrelinhas]

[não] eu [não]
[não] te [não]
[não] amo [não]

Eu em silêncio

Eu não entendo como você consegue sobreviver em tanto silêncio.
Você diz que não tem nada a dizer, mas também não quer ouvir nada.
Vou parando de dizer aos poucos, parando, parando, par [silêncio]

domingo, 29 de setembro de 2013

Não foi naquela hora

Ela se apoiou na parede e abriu o zíper de uma das botas calmamente enquanto ouvia o piano. Ele tocava sem nenhum compromisso, nenhuma música em especial. Ela ia pensando nos últimos dias e tinha vontade de dizer alguma coisa, não estava muito segura nem muito convencida de nada. Assim que tirou a outra bota foi sentar no sofá, bem ao lado do piano. Pensava no que queria dizer, no que precisava saber, no que tinha medo. Pensava nele, nos dois, naquele frio todo que estava fazendo - aqui e lá. Ele terminou de tocar, virou-se para ela e falou qualquer coisa sobre a música. É agora, ela pensou mas não disse nada. Não foi naquela hora e nem depois. Ele se levantou e disse: preciso ir. Deu-lhe um beijo e foi embora.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Deve ser alguma coisa

Você começou como um sussurro distante, de nem sei onde. Foi virando um galope e de repente se perdeu no horizonte tão imenso que é. É assim que é, assim assim assim. Porque quando eu penso em ir embora de tristeza eu tenho que me lembrar que a tristeza é minha mesmo (não veio de você e não vai embora se você se for) e às vezes você não me entende porque a gente tem muitas coisas diferentes. O que será que você vê quando me vê? Além disso aqui tudo que vai acabar como todos os velhinhos acabam: em sobras de pele. A pele até sobra no final da vida, tão inútil que é. A gente só fica com o que um dia foi amor. Esse sentimento antigo pra burro. Esse sentimento que deve ser alguma coisa porque se não fosse, seria pele.

As crianças

E então as duas crianças entram na sala de música. Tinha um ou outro instrumento que ela não conhecia e um monte de quadro. Tem um desses na minha casa, ela pensa. Uns cavalinhos. E ele pega a guitarra (ou violão?) e toca. Ele mesmo criou a música em inglês, porque no português ia ficar claro demais e em inglês soa mais bonito. E ela guarda a música naquela portinha secreta do cérebro, aquela que nem ela mesma consegue abrir.

Essa música

Essa música é o meu grito, o meu choro, o meu desespero. E você ouve essa flauta agora porque eu preciso desabafar, mas eu só sei mesmo é fazer música e é ela que me faz bem enquanto eu me recupero dessa dor. Trim trim tchururu essa música não é pra você porque você já foi embora então de nada serviria porque voltar eu sei que você não vai. Então a música pode ser pra mim mesmo ou então pro meu pai (e pra mamãe também, por que não?). Só pra você que não é porque em lugar nenhum já se viu uma gaita tão linda pra uma pessoa que deixa a outra tão triste assim.

a sua metade

Queria te dividir no meio e ficar com uma das partes, porque a outra vai sentir o que eu sinto todo o tempo, o que eu sinto sem a minha metade porque ela está aí.

domingo, 22 de setembro de 2013

Como se

Nós não somos desse mundo
e guardamos um segredo
- sobre o outro lado.
Todos os dias a gente acorda
e precisa disfarçar esse segredo,
como se ele não houvesse,
como se, quê segredo?
E de repente ele transborda um pouco
- e vaza.
Mas ninguém percebe,
e a gente continua.
Dia após dia a gente acorda
com um dia a menos que passou ontem,
com um dia a mais para disfarçar.
E assim a gente sobrevive
(com um segredo).
(DB)

Carta aberta

Quando você me ignora às vezes (cada vez menos vezes) eu não sei como reagir. Hoje eu acho que você escolheu me ignorar porque você perdeu a discussão e ficou com raiva. Eu te esperei enquanto lia um livro tão bonito. Mas eu te esperei demais e o livro ficou menos bonito. Te esperar nunca me fez bem. Eu ando um pouco insegura, sabia? Ando achando que você cansou de ouvir o que eu tenho a dizer. As suas reações parecem dizer isso. Será que eu fiquei repetitiva? Será que eu não tenho mais graça pra você? Eu sinto que aprendi tanta coisa interessante esses dias, sinto que estou mudando tanto ultimamente, quero contar tanta coisa pra alguém. Acho que você não quer muito saber. Eu quis escrever pra você, mas não mandei uma carta direto pra você porque eu acho que você não iria se interessar, por isso escrevo aqui. Eu sei que você vai ler e vai ter uma pontinha de dúvida se é de você que eu falo. É sim, é de você. De quem mais poderia ser? Queria tanto te contar mais daquele livro que mudou a minha forma de ver o mundo desde quando eu estava no colegial, mas eu acho que você iria querer discordar só porque é o que você gosta de fazer. E tudo bem, eu deixo você ganhar, eu não sou competitiva. Aliás eu tenho uma síndrome que me faz achar que eu já cheguei ao mundo perdendo.
E é só isso.
Boa noite, você que anda um pouco distante.

domingo, 8 de setembro de 2013

Apart

Enquanto a gente esteve separado teve um dia que o seu gosto veio na minha boca como uma ressaca de dia seguinte. Eu quis beijar a minha própria boca de tanta saudade que eu tava de você.

Passarinho

Um dia você me deu um passarinho. Um passarinho diferente, desses que vem na mão. Topetinho amarelo, coisa mais linda. Eu quase tive um troço. Imagina uma pessoa ir até um criador de passarinhos na zona norte da cidade escolher o passarinho mais bonzinho. Depois trazer numa gaiola para dar de aniversário para a namorada. Não posso com uma coisa dessas. Mas não foi fácil, não. Ele era super bravo, queria me matar o tempo todo. Bicava forte, achava que eu queria comê-lo. Sofri tanto. Todos os dias eu tentava pegá-lo, tentava cantar pra ele. E sofria com a rejeição que vinha em troca. Dias, semanas, meses passavam e nada dele gostar de mim. Até que ele começou a vir no meu dedo, começou a cantar um pouquinho, a coisa foi ficando legal. Ele parou de me bicar, parou de me detestar. Finalmente percebeu que eu não iria comê-lo. Começou a me tratar com carinho, cantar tudo que eu ensinava. Certa vez eu fui dormir e ele pousou no meu cabelo, o tempo todo ele ficou ali. Eu acordei e chorei um pouquinho: o meu passarinho me mostrou que eu posso ensinar alguém a amar. Com paciência, carinho, amor. Eu aprendi isso com um passarinho, o melhor presente que eu já ganhei na vida.

Você e Ele

Mamãe, não se preocupe. Você se preocupa demais. Você é a pessoa nessa Terra que mais tem Deus no peito. É como se Deus tivesse te escolhido. E no entanto fica com medo de quase tudo. Como pode? Não pode, não deve. Mamãe, mais do que ninguém você deveria saber que se qualquer coisa acontecer, você fala com Deus rapidinho e juntos vocês dão um jeitinho de ficar tudo bem. Foi assim a vida toda, por que haveria de mudar?

Antes de tudo

Antes de tudo, era tudo tão leve
que as coisas flutuavam pelos dias
não como dias, mas como nuvens.

O t do enquanto

Eu escrevo porque eu gosto demais de dormir, mas eu perco o sono de tanto que eu preciso escrever. Meus dedos seguram a caneta com força e meu cérebro grita "acorda" enquanto eu risco o t do enquanto.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O nosso

O seu amor é delicado
parece nariz de criança
o seu amor parece um desenho feito de giz
no chão da sala
O seu amor me faz dar risada
quando eu acordo
O seu amor, tanto amor
tanto amor que me transborda
Você não sabe, mas eu sou tão feliz
por causa do nosso amor.]


Para o meu amor, Giu.

Já fui

Já fui escritora, poeta, ilusionista, gozadora.
Hoje eu aperto botões com louvor
- sou uma das melhores da turma.
E também sou o revés de um sonho,
um sonho amputado.
Um sonho pior que dor de nunca mais.
Eu já tive vontade de tentar
mas o medo venceu
e o botão me apertou.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Ale(r)g(r)ia

Sendo assim, a alegria uma espécie de alergia
- que vem, dá coceira e vai embora -
É melhor comer de tudo, passar todos os cremes,
cheirar todos os cheiros, pular em todas as piscinas
melhor é fazer de tudo
até que essa alergia volte a dar coceira.

Gosto

Toda pele receberá lábios úmidos 
e todos os lábios sentirão com a língua o gosto da pele
e cada pele terá um gosto
porque Deus não fez um gosto igual ao outro



terça-feira, 9 de julho de 2013

O Mito de Sísifo


Todos os dias ele lembra ela sobre o mito de Sísifo. Ela acorda desanimada, toma o café da manhã e vai triste levar a pedra ao topo, sem entender o paralelo do mito com a vida. Quantas subidas me restam? E quanto mais ela se questiona, mais subidas restarão.

O menino morto

Voltei a pensar no menino morto. Ele morava tão longe que eu não consigo imaginar uma versão mais atualizada dele, do jeito que ele estava quando morreu. Penso só naquele menino que foi embora aos 14 anos. E foi ele que morreu pra mim. Loirinho, rosto de menino doce, narigudo. Ele não era tão doce assim, era até bastante atrevido, mas por ser tímido ficava um pouquinho doce. Eu passava o dia atrás dele: quando não estava na frente da casa dele, ficava na janela atenta ao som do carro dele - quando passasse o carro, era hora de ir pra frente da casa dele. Quando finalmente depois de muitos meses (talvez até um ou dois anos) nos beijamos, fiquei tão nervosa que abri os olhos para ver se era ele mesmo. Fiquei atenta ao cheiro, a pele, ao gosto. Coração saltando pela boca. O perfume - depois fui descobrir - era um de frasco azul escuro com o símbolo do cavalinho, o gosto dele era daquele chiclete popular de menta, e a pele... própria de um garoto de 14 anos: pêssego com espinhas. Esses dias dei de cara com aquele frasco azul no banheiro do meu pai. Acho que foi uma das coisas mais tristes em muito tempo: o cheiro dele não me trouxe nada à memória. Eu o vi em um sonho um pouco depois que soube da morte. Quis chorar, quis abraçá-lo, quis lidar com as minhas próprias mortes no ombro dele, mas não pude: ele era só um menino, aquilo era só um sonho e o cheiro dele eu nunca mais soube.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

A caixa

O porta-retratos, o livro, os colares, a pulseira, o anel. As músicas. Uma saia de couve-flor. O endereço de um site. Cartas. Uma passagem de avião. Mais cartas, mais músicas, mais fotos. Coisas, coisas, tantas coisas. Foi tudo para a caixa. Aquele cheiro de tanta coisa dentro da caixa, não dava para ela ficar na casa sem tudo aquilo. Ela levou a caixa pra fora, era grande o suficiente para caber ela lá dentro. Entrou. Daqui de dentro eu não saio.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Qual é o objetivo afinal?

A gente brincava de Barbie todos os dias - duas horas para montar a casa e outras três brincando, todo dia. Até que um dia, quando tínhamos quinze anos as duas, ela me ligou: "onde vamos montar a casa hoje?" "Não sei, eu estive pensando, sabe? Acho que não quero mais brincar." "Como assim? Por que não?" "Porque hoje eu me dei conta de uma coisa... Qual é o objetivo dessa brincadeira afinal? Não tem um objetivo..." Ela ficou uns minutos muda do outro lado da linha e suspirou: "É... acho que você tem razão" e desligou o telefone. Alguns dias depois a vontade de brincar voltou e eu liguei pra ela, mas ela não quis mais. Ela nunca mais quis mais. Eu coloquei aquela dúvida na cabeça dela e foi por causa daquela dúvida que a gente nunca mais brincou. Bobagem nossa, mas a gente jamais poderia imaginar que nada nessa vida tem um objetivo muito claro.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

A sua mão

Nadei, corri, dancei, chorei, cai tanto pra chegar aqui e tudo que você tem pra me dar é a sua mão? Eu aceito.

Seja qual for

Adeus, obrigada, desculpe.
Estou indo, indo, indo...
Não vou parar de ir nunca.
Eu tenho alergia a ficar aqui
(seja lá qual for o aqui).
Adeus, me dá o último beijo
- porque o último beijo tem
o mesmo gosto do primeiro.

Como é possível que a espera seja tão longa, o caminho seja tão doloroso e as flores no caminho murchem tão rapidamente?

Casa

Enquanto acertava o relógio velho da sala,
e arrumava as cadeiras e organizava os livros na estante
e tirava o pó da escrivaninha e varria o chão,
ela se deu conta - com muita dor no peito -
de que aquela não era mais a sua casa.

terça-feira, 18 de junho de 2013

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Escova de dentes

A sua escova de dentes na minha cabeceira me dói mais do que o silêncio do meu celular. A escova grita, esperneia, implora para que você venha buscá-la. Por causa dela eu vejo os seus dentes a espera da escova, a sua boca, o seu abraço, o nosso amor. Não adianta guardá-la, os gritos atravessam a gaveta, atravessam os meus sonhos, o meu dia. De todas as coisas que eu tinha, ela é absolutamente tudo que me restou.

sábado, 15 de junho de 2013

Um beijo na boca


Essa tela tem sido muito divulgada na internet. Quem gosta de arte com certeza já viu. Acho que a divulgação toda é porque a beleza aqui é muito clara: os dois rostos estão tão ligados que se anulam. Muito amor, muita ligação, são um só. Simples como deve ser. Jarek Puczel é um artista polonês e as obras dele são todas assim mesmo: minimalistas, românticas e sutis. Pelo menos é a minha impressão. As narrativas são simples, o acesso é fácil. Doce, doce... Tenho saudade dessas obras, acho que desde que nasci. 

Eu não sei falar alemão

Ele nem me conhecia e já quis me analisar. Acho que as pessoas tem uma certa mania de fazer isso: já ir me analisando. Acho um pouco irritante. Ele disse, em alemão, que estava escrito na minha testa que eu era uma pessoa que não gostava de se arriscar. Que eu era defensiva. E ainda teve a audácia de traduzir tudo. Eu quis matá-lo a facadas, mas me contive. O que é que você tem a ver com meus medos? E se eu não quiser superá-los? Ich mag es nicht meine Ängste aussetzen. 

Aquela viagem

Uma vez a gente viajou de carro para uma cidade vizinha. Minha mãe achou a coisa mais romântica do mundo. A gente perdeu o voo e eu quase desisti da viagem, mas ele sugeriu o carrinho vermelho. Eu estava indecisa com relação a quase tudo. Quase tudo estava me reprimindo. Mas eu fui, a viagem era longa e podia ser bom pra nós dois. Eu adoro ficar no carro olhando a janela, a paisagem indo embora. Eu adoro que nessas viagens o silêncio é permitido. Eu fui ficando mais calma, a viagem foi mais demorada do que o previsto. A gente ria, nos sentíamos aventureiros naquele carrinho. A polícia nos parou, foi o máximo. Quando chegamos lá, eu já nem lembrava da minha indecisão. Ele foi engraçado, se esforçou pra caramba sem nem precisar se esforçar. Eu lembro da risada maliciosa dele na volta da festa. E choveu no dia seguinte, ficamos presos um ao outro. A volta foi de avião. Rápida, rápida demais. Senti falta do carrinho vermelho. Sem que ele visse eu chorei um pouquinho. Aquela viagem pareceu um sonho bom. 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Hamlet


Shakespeare disse, naquele livro Hamlet, que diante de tanta dor que os homens sentem eles só não se matam porque têm medo do que os espera do outro lado da vida. Ninguém foi até a morte e voltou vivo pra contar o que viu. E é justamente essa dúvida que nos mantém vivos. É uma covardia, mas é por causa dela que ainda estamos aqui. Tem dias que o medo quase some, a coragem parece gritar.  

domingo, 9 de junho de 2013

Balada

Uma mulher triste com uma cerveja na mão. Ela ri, conversa com quem conversa com ela, se bobear até dança um pouquinho, mas é infinitamente triste. Quem ali naquele mundo escuro cheio de mini saias vai perceber tanta tristeza?

terça-feira, 4 de junho de 2013

cativeiro

Um dia meus netinhos virão me perguntar,
não vou conseguir mentir, também não vou negar:
eu estava num cativeiro e você veio me buscar.

choro de pai

eu só me lembro de tê-lo visto chorar numa sexta-feira treze quando choveu muito e ele cortou o supercílio batendo em algum lugar e sangrou e ele chorou chorou chorou quase até o sangue virar casquinha essa foi a única vez que eu o vi chorar.

um igual

O que dizer dessa dor, tão pouco sentida pelo resto da humanidade? Que sou privilegiada? Se o privilégio da poesia é sentir essa dor, que acabe toda a poesia porque não quero mais doer. Meu peito me enche, meu peito que bate, talvez mais do que os outros. Esse peito eu lhe dou de presente, fique à vontade para jogá-lo no mar. Eu não quero mais. Só quero perder essa minha visão de ver tudo por de  dentro. Aqui fora é vazio demais, como faço para achar um igual? Preciso dividir a vida, porque a morte não me vem e eu ainda não achei.

Paulo Leminski

Transar bem todas as ondas
a Papai do céu pertence,
 fazer as luas redondas
ou me nascer paranaense
A nós, gente, foi só dada
essa maldita capacidade,
transformar amor em nada. 

Suicídio

vinte segundos faltam
para eu fazer falta
por aqui


Villa Oscarlina

Não foram só os quadros encantadores. Eu tive vontade de ficar ali alguns dias, olhando os detalhes como aquela faca que foi reposicionada e deixou um rastro na mesa, ou aquele pintor que me lembrou o Turner. Mas não foram só os quadros. Eu descobri uma versão de where is my mind que me fez suspirar. Eu provei o melhor bolo de chocolate do mundo e a birdy também foi uma graça. O Olavo Bilac conheço pouco, mas eu sei da sua importância. Ele estava na estante com todas as outras preciosidades. A música de dez anos atrás, eu queria ouvir mais uma vez - só mais uma - pra poder gravar escondido. E depois ouvir mais mil - ao longo do resto da vida. Eu tinha saído de um lugar hostil "não confunda experimentar a vida com se colocar em perigo" e cheguei no universo paralelo que eu tanto falo. Foi isso tudo junto. Guardei um pouco da Villa Oscarlina no peito para quando eu não quiser mais fazer parte desse mundo eu lembrar dela.

domingo, 2 de junho de 2013

O grito

Eu vou saindo sem dizer nada e o seu silêncio gentilmente abre a porta para mim. E quando eu já estou lá fora esperando um trem passar eu ouço qualquer coisa que parece ser um grito seu. Mas eu já estou longe, longe demais quando percebo que é mesmo seu o grito. Eu nem sabia que você podia gritar.

where is my mind

Your head will collapse if there's nothing in it

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Flerte

Um segundo após o outro
eu sofro com a vida.
Num segundo e não no outro
eu seguro o choro,
prendo a respiração.
A vida muda, a dor passa,
a respiração ainda presa.
Depois, com a pressa,
tudo volta num segundo,
e no outro eu sinto muito.
A vida, sendo tão pouca,
sobra em mim e nada me resta.
Eu transbordo a vida,
às vezes pelos olhos.
Eu espio a morte,
ela me espia de volta.
O flerte é grande,
mas eu não morro.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

G. Benção

Na verdade me dói mais um tanto, mesmo que com certa dose de alívio, a sua presença na minha vida quase adaptada. Quando o meu olhar já estava quase destreinado, você pediu gentilmente que eu acordasse. Ao som de um homem que conseguiu transcender a música, na verdade eu não sei bem se acordei ou se renasci.

terça-feira, 21 de maio de 2013

I think it's sad the way I see the world.

É?

Acabou a tinta, a bateria, a dor.
Acabou a música, a luz, a água.
O sabor, o tempero, o lugar.
Acabou o dia e o minuto que passou.
Ainda tem um pouco de mar.
Um pouco de vento, um pouco de algo.
Algo que eu não sei nem o que é,
eu não enxergo bem à noite.
Ainda tem a noite.
Ainda tem o dia seguinte.
Ainda tem muita coisa - mesmo que tudo tenha acabado.
Tudo não é tanto assim, é?

domingo, 19 de maio de 2013

Estrada

Eu descobri tanta música nova pra gente ouvir nas nossas viagens de carro. E se você ficar com sono, eu não vou me importar em escutá-las sozinha enquanto dirijo. Eu fico pensando na vida enquanto vejo a estrada se curvar e fico pensando na gente e fico pensando se eu deveria ser assim tão triste quando eu fico triste. Mas se de repente eu me enfiar em um acidente e nós dois morrermos eu nunca vou descobrir se a minha tristeza é mesmo comum. Por isso eu preciso tentar sem você. Eu preciso ver do que é feita a minha tristeza. Me perdoe, eu não quero morrer sem saber. Me perdoe por ser triste, por ser assim triste, por ser assim.

e-mail antigo

O Munch (se fala munk) era um artista norueguês (1863 - 1944) , que teve uma vida MUITO turbulenta. A mãe dele morreu aos 5 anos, uma das irmãs morreu aos 14, o pai mergulhou numa onda de religiosismo meio fanático-doidão e ele (o Munch) era um cara sozinho.

Foi ele que fez o famosíssimo O Grito. 

Esse quadro aqui me chamou a atenção... Chama Separação. 

Tudo que ele pintava mostrava desespero, solidão, tristeza... É triste de ver. 

Nesse quadro a mulher, meio fantasmagórica, meio sonâmbula, vai embora e o homem, desolado, segura o coração na mão. É tudo meio sombrio... É como ele enxergou uma das separações da vida dele. A mulher parte e logo vira um fantasma, e ele fica ali, sem saber o que fazer com o coração sangrando... 

Vê o que vc acha.

Vestido verde

Fazia muito frio quando eu ganhei aquele vestido dele. Foi um esforço vesti-lo escondido para fazer surpresa quando ele voltasse da cozinha. Fiquei até com um pouco de vergonha quando ele voltou e eu estava toda arrepiada dançando com o vestido. Mas ele riu, sei que gostou.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Aspen

Eu me lembro quando você foi viajar pela primeira vez. Meu coração doía tanto. Eu quis me vingar saindo de casa, indo à padaria, à locadora, à uma esquina sem nada. Eu riscava os dias no calendário: faltam quinze, dezesseis, dezoito dias (porque parecia que os dias só ficavam mais distantes da sua volta). Eu me arrastava pela vida - foram vinte e poucos dias de angústia. Eu sei que eu exagerei, devo ter errado feio nesse exagero, mas a verdade é que eu tinha asma, porque era do seu peito que eu queria respirar.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Se um dia eu me casar

Se um dia eu me casar vai ser por tanto amor, mas tanto amor, mas tanto amor, que não vai caber mais nada, acho que nem festa de casamento vai ter - vai ser tanta alegria, tanto prazer tanto só-eu-e-ele que nada mais vai precisar. Se um dia eu me casar, vai ser o dia mais lindo que o mundo já viu passar.

Lado errado

Foi o vento que levou tudo de mim. Eu tenho certeza que foi. Minha mãe não mudou nada de lugar dessa vez, eu não mexi, ninguém mais passou por aqui (e se passou, não levou nada). Foi o vento sim, eu vejo as folhas balançando pro lado errado. Se foi culpa da natureza, então eu já posso culpar alguém. E eu me despeço, despedaço, desconheço. Adeus.
Outro dia minha vida me perguntou o que eu queria.




(Eu sabia o que responder, mas fiquei em silêncio.)

Vinte e seis

Vinte e seis dias
vinte e seis planos
vinte e seis lágrimas
vinte e seis garotos
vinte e seis gargalhadas
vinte e seis desesperos
vinte e seis cadarços
vinte e seis insetos voando
vinte e seis iogurtes de morango
vinte e seis peças de teatro
vinte e seis conversas profundas
vinte e seis minutos desperdiçados
vinte e seis e eu não quero mais
não quero mais perder tempo
eu não quero mais perder os meus (únicos)
vinte e seis anos

terça-feira, 7 de maio de 2013

Fins

Eu percebi que eu já não sou mais a mesma quando escrevi um texto lindo sobre alguém, mas fiquei com preguiça de terminá-lo e escrevi qualquer coisa no fim. Quando li aquele fim eu me dei conta: estou me deixando pra trás. Eu não me importo mais com os fins.

terça-feira, 23 de abril de 2013

O que vai ser

O que vai ser de mim se eu abandonar tudo?
Ou pior: o que vai ser de mim se eu não abandonar nada?


Os seus silêncios ainda me incomodam




Pessoas

Eu vejo e ouço pessoas felizes por todos os lados.
Não sei se elas são felizes de fato,
mas eu as vejo,
e as ouço.
Não sei se são felizes de fato,
mas não importa porque eu as invejo até a última gota.
Invejo o amor que elas sentem e que outros sentem por elas,
invejo a leveza delas ao caminhar,
invejo a falta de culpa no peito,
o peito cheio.
Eu invejo os sonhos que elas conseguiram realizar.
Eu sonho em ser igual a elas.
Mas eu não sou,
eu não sou.


quinta-feira, 18 de abril de 2013

sinal sinal sinal sinal sina

Você acha que a vida é um sinal que eu sou um sinal que a música é um sinal que você é um sinal que nossas conversas são um sinal que a poesia é um sinal que a artista é um sinal que o sinal é um sinal e que esses sinais são a maior prova de que a vida é mágica. Também acho.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Eu deixei você partir

Eu sonhei que você vinha, destino, fantasiado de um dia comum. Eu nem te notava, eu te esnobava, eu seguia reto. Ao longo do dia fui percebendo que você não era um dia comum, não era só mais um. Fui descobrindo e me animando, querendo te entender, te conhecer, te viver em cada instante. Mas a noite chegou logo e você foi embora, destino, porque eu demorei demais para aproveitar a sua chegada. Você estava magoado comigo e foi embora, destino, com lágrimas nos olhos, prometendo nunca mais voltar. Engraçado que eu acordei e tive a sensação de que não era um sonho.

o seu

Eu posso até fingir que não me interessa
como já venho fazendo a um tempo
- tanto tempo
mas um dia você vai ter que me contar
tudo, tudo, tudo
que te preenche
que enche os seus olhos de chuva
um dia eu vou me cansar de não saber de nada
eu vou me cansar de não ouvir o seu coração
por mais bobo que ele seja
ele bate por algumas coisas
e por outras não
- quero saber de todas elas
mas é só você que pode me dizer
eu não vou adivinhar
eu não tenho bola de cristal
e nem quero ter.

terça-feira, 26 de março de 2013

Marina e Ulay

Ele sentou na cadeira. Ela olhou, olhou, e na verdade não demorou muito para que seus olhos lacrimejassem. Ela não deveria, mas esticou as mãos, precisava tocar nele, mesmo que fosse uma pequena transgressão. Foram muitos aplausos, mas ela não os escutou. Ele também não. Ela olhou para ele com mais atenção do que para qualquer uma das seis mil pessoas que sentaram naquela cadeira nos últimos tempos. Reparou em absolutamente todos os detalhes da sua face. Como envelheceu, ela pensou, mas como está bonito. Ela lembrou das discussões filosóficas que tiveram dentro daquele furgão velho, lembrou da quantidade de vezes que fizeram amor, do quanto ele a implorou para que parasse um pouco de fazer arte para que pudessem viver juntos no Nepal. Ela sempre recusava. Eu sou artista, está no meu sangue, dizia. Ela lembrou do quanto ele a fazia criar obras mais profundas do que normalmente, mas que um dia tudo ruiu. Essa questão do espaço, que eles já não tinham mais. Era difícil conviver tanto tempo em tão pouco espaço. As discussões viraram brigas e ele resolveu partir. Foi consensual, ela também topou. A coisa estava desgastante demais, não dava mesmo. Então eles se despediram como dois adolescentes e nunca mais se viram, até aquele dia. Fazia 12, 13, talvez 14 anos. Ele estava agora a alguns palmos de distância dela. E ela precisou mesmo transgredir a obra e pegar nas mãos dele. As mãos frias do homem que mais amou. Então ela soltou as mãos dele e enxugou as lágrimas. Ele ficou ali, paralisado alguns segundos, esperando alguma coisa. Nada. Foi só um encontro. E foi embora.

Aniversário de Barueri

Você um dia me agradeceu por ter feito sua vida ser um pouquinho melhor, ou algo assim. É com um pouquinho de dor (da saudade que já sinto) que eu digo que quem deve agradecer sou eu, porque é você que me faz lembrar de tempos em tempos do que eu sou feita e que a vida não precisa ser assim. Quando eu te encontro eu fico com vontade que tudo volte a ser mágico, porque os nossos encontros sempre são, mesmo que o melhor bolo de chocolate do mundo não seja o melhor que eu já comi. Eu é que devo agradecer, porque é você que me fez dormir tarde hoje para escrever. Porque eu amo escrever, e a vida não precisa ser assim. "Você pode dormir menos", você disse. Eis eu aqui.

sábado, 23 de março de 2013

lá fora

Tem todo um mundo lá fora, um mundo fascinante de pessoas como eu - que não pertencem aqui. Eu dei uma espiada nesse mundo algumas vezes e sempre que volto de lá me volta a dor de existir. Eu de repente me lembro o motivo pelo qual as vezes me dói tanto - porque eu não sou daqui, porque aqui as pessoas não sabem do que eu estou falando, porque esse mundo daqui é muito pequeno e restrito, aqui eu tenho que respirar conforme o ar - e então volta a doer. Como dói, Deus, como dói. A última vez que eu vi esse mundo, eu era uma estranha, eu não conhecia ninguém naquele universo que era para ser meu também. Eu preciso chegar lá e ficar. Eu me apresento aos poucos, as pessoas me cumprimentam de longe e pouco a pouco vão me abraçando. Eu preciso ir pra lá, esse mundo não tem graça pra mim, nunca vai ter - eu não sou daqui. Estou perdendo tempo da minha vida aqui, tempo precioso, um tempo que não tem volta. Não quero chegar lá quando eu for velha e os meus olhos estiverem acostumados a não chorar mais. Eu, que sou feita de lágrimas.




sexta-feira, 22 de março de 2013

quarta-feira, 20 de março de 2013

Eu não escrevo mais

De repente eu acho que perdi o que me sustentou durante anos.

banheira

Essa foi uma daquelas noites -
fiquei olhando para o teto do quarto
olhando, olhando, esperando.
Na cama, no sofá, no chão da cozinha:
esperei.
Nada da sua voz, do seu cheiro,
nem um sinal de você.
Aceitaria um suspiro do outro lado da linha,
uma tosse, o barulho de um carro de fundo,
um silêncio até - mas nem isso.
A espera foi tanta que os relógios todos da casa
sangraram mais do que eu.
Despejei água na banheira,
o barulho da água me fez chorar
lembrei daquela banheira de amsterdam
lembrei da sua saudade de mim.
Eu já fui a sua prioridade
a sua maior vontade
eu já fui.


terça-feira, 12 de março de 2013

Se tornarem coisas

Quando eu acordo é sempre o mesmo café que espera para ser feito, o mesmo jornal que espera para ser lido e a mesma torrada que recebe requeijão. Gosto de as vezes parar pra pensar nessas coisas todas a noite como devem ficar. A torrada lá, dentro do plástico com as outras torradas (que ainda não viraram torradas), o leite esfriando dentro da geladeira, a cápsula de café esperando para se tornar um café fresquinho - mas ainda é só uma cápsula. As coisas na madrugada, esperando para acontecerem. A noite toda elas esperam, silenciosas em seus espaços. Enquanto isso eu durmo. E acho bonito as coisas esperando para se tornarem coisas. Acho bonito nada ainda ser.

você me olhava diferente

O meu amor por você pode ter sido curto
mas foi barbudo e verdadeiro.
Você, o Pessoa e aquela janela
- e o meu medo
do seu filho, dos seus dez anos a mais,
do seu pé no chão.
Eu sei que te deixei sentindo falta,
mas as vezes o amor é mesmo curto
nem sempre barbudo
mas sempre verdadeiro.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

A hora

Que a velhinha chegue aos poucos, vestindo aquele velho capuz. Que ela diga palavras doces, que façam todo sentido pra mim. Quero uma viagem gostosa, e que a minha alma vá calma sem sentir nenhuma dor. Quero que seja de repente, e que eu só não me surpreenda porque eu já sabia (sempre soube) que ela chegaria. Quero que a morte me pegue no colo, como um bebê. Cante uma música, me faça carinho, me seja boazinha. Eu quero ir embora em paz, de repente partir, bem na hora que for a hora (e essa hora pode ser até agora).

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Distante um pouco

Dormir e pensar que amanhã alguma coisa vai ter mudado. Bobagem, mas daqui a um monte de amanhãs talvez. E são esses amanhãs que eu espero ansiosamente.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Ficção

Parece que a minha profissão me deixa alienada. Descobri esses dias que há coisas acontecendo na minha vida sem que eu faça parte. Essa profissão, essa rotina me aliena de mim. Passo o dia escrevendo  notícias velhas sobre outras pessoas que não são nem eu e nem ninguém que eu conheça. Fico buscando informações sobre pesquisas que não importam, talvez para ninguém. Já me perdi tantas vezes para depois de semanas trabalhando quase sem parar ver que eu já não sou mais a mesma. E não estou falando de mudanças óbvias que todo mundo passa diariamente, estou falando de crenças, de opiniões, de atitudes, de alma. Eu estou mais cega para tanta tristeza do mundo e mal consigo sofrer as minhas. Mal consigo definir quais são as minhas alegrias, as minhas prioridades, o que eu vou fazer com a minha vida. Eu não sei mais por que eu insisto em estar aqui se a minha impressão é que eu devia estar do outro lado de tudo. Eu preciso sair, eu preciso ir embora, eu preciso de um empurrão, de um chute, de um adeus. Eu preciso ir por aí a procurar, rir pra não chorar. Não sei mais o que do que eu gosto, do que os meus amigos gostam, não sei mais o que eu faria se eu tivesse um dia todo para mim. Eu não tenho mais nenhum dia para mim, eu não tenho mais nada. Eu não me tenho mais. Socorro, alguém me tira daqui, alguém me ressuscita, alguém me tira dessa ficção que eu não chamo mais de vida.

Por favor, escorram

Há uma porção de lágrimas engasgadas nos meus olhos. Não sei como chorá-las, não sei como fazê-las escorrer. De vez em quando eu sinto uma dor qualquer e noto que elas ficam de prontidão, mas se recusam a cair. Eu tenho certeza que só quando eu conseguir fazê-las escorrer durante algumas horas (talvez dias) é que eu vou conseguir viver esse resto de vida que tenho pela frente.

domingo, 20 de janeiro de 2013

sonhadores que s(f)omos

Essa é a primeira vez que eu falo sobre você. Depois que a gente se conheceu naquele dia estranho, naquela festa estranha, naquela noite completamente estranha, eu nunca mais mencionei o seu nome. Me forcei a faze-lo não existir, nem mesmo como lembrança. Uma memória que, esquecida mil vezes, poderia se tornar inexistente. Não foi bem isso, porque de vez em quando ela voltava a mim. Eu fazia-me de surda, surda por dentro. Mas ela estava lá, mesmo que eu não escutasse, havia uma imagem. Uma imagem que confesso: me deixava triste. Você é uma memória triste e eu não posso mudar isso, nunca poderei. Nem que um dia eu te reencontre maduro, engraçado, leve, a memória será aquela. Você não era leve, nunca soube direito quem era você e de repente foi embora para nunca mais. Nunca conheci ninguém nessa vida que gostasse de ver uma pessoa partir para nunca mais sem nem esboçar um adeus. Não conheço. Você talvez conheça.

domingo, 13 de janeiro de 2013

coragem demais

E que largar a estabilidade para uma incerteza qualquer

seja ela qual for

é preciso coragem demais

e eu não tenho

sábado, 12 de janeiro de 2013

Outside

Im not as happy as I used to be
but people never is
Im not going to change right now
Ive been too long without my bulletproof vest
And I know its dangerous outside
even when you invite me to leave
I get too scared 
I dont know you
How dare you invite me
when we know its a mess out there
Why dont you forget my name
and call another?

Quase perdi

De repente
eu olhei o relógio
muitas horas tinham passado
tantas horas
que eu quase perdi a hora
de partir.
Eu 
quase 
fiquei.

our lyrics

"why not try at all if you only remember it once"

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Depois daquela mensagem

Tirou a mão do bolso, como se precisasse dela para falar, e enquanto olhava para o outro lado ele disse: pelo menos a sua dor você precisa carregar, ninguém vai carregá-la por você. Deixá-la de lado é um desperdício, um dia você vai acordar com a mandíbula doendo e vai precisar dela para enxergar o resto do mundo. Saí do quarto, mas senti como se alguma parte de mim tivesse ficado lá. O silêncio do corredor me assustou um pouco, mas eu estava concentrada demais nos meus pensamentos e esqueci de me assustar. Enxergar o resto do mundo. 

Lição

Existe um prazo na vida de uma pessoa para que ela aprenda a viver? Eu não sei se perdi o prazo. 

Não esse ano

Uma dor imensa de um dia que tinha acabado de começar, como se ele tivesse saído do meu últero. Assim foi o primeiro dia do ano. Os três segundos que eu fiquei sozinha olhando o mar, meia noite e dois, três, quatro, ouvi o universo pedindo para eu dar licença que ele queria passar. Dois dias depois, o mar ainda não tinha saído de mim. E eu estava presa numa sala sem janelas para vomitar o mar. Tomei um remédio para ressaca e o que passou foi a vontade de tudo. O mar ficou em mim, me misturando por dentro, como se eu fosse massa de bolo. Um bolo que não vai ficar pronto, pelo menos não esse ano.

eu ajunto a coragem

eu só quero o que desejo porque  há o seu abraço o seu tempero o seu tempo, temperamento  há tempos eu percebo  minha vida, meu sossego  bem...