quarta-feira, 29 de outubro de 2014

我爱你

Ele me escreveu em chinês como se fosse para esconder de alguém. Mas esconder de quem? Traduzi. Entendi por que ele escreveu em chinês. Era preciso esconder do universo. Ele, comprometido até o fundo da alma, escreveu em chinês que me amava. Ele disse: "me diga sim - pode até ser em chinês - e eu me caso com você agora". Eu não disse nada e nunca mais nos vimos. 

Ressaca

Quando amanhecer,
e talvez ventar,
e talvez chover,
o que é dor vai doer,
o que é triste, entristecer.
Mas o que fazer
se o adeus só vai arder
quando o dia amanhecer?

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Fale com ela

Eu fui embora tão vazia, que não levei todo o meu ser comigo. Parte de mim ficou fincada na sua cama. Parte de mim continuou sentada do seu lado, pedindo que você parasse de olhar a TV e olhasse pra mim. Eu estou aqui: me veja, me ouça, fale comigo. A parte de mim que foi embora comigo mal soube o caminho de casa. Que casa, meu Deus, que casa?

Quando o amor partiu

O amor saiu de fininho, numa noite bem tranquila. Ele deixou tudo para trás para não fazer barulho e foi embora pela porta lateral da cozinha. Ninguém percebeu: nem a empregada, nem o cão, nem a própria noite. O amor pegou a estrada e ao chegar no meio do caminho passou a doer - e doeu, doeu, doeu. Mas o que fazer? Voltar, seguir? O amor, já no meio da estrada, indeciso, doendo, cansado, resolveu: vou voltar. Acontece que o destino, tantas vezes inimigo do amor, preparou uma surpresa: antes mesmo de dar meia-volta o amor foi atropelado pelo trem que passava.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Relacionamento

Enchi o tanque de gasolina, agradeci e segui para o trabalho. No terceiro semáforo eu olhei para o carinha que entrega panfletos e me dei conta que o meu lugar não é aqui. Que o mundo está acabando - pode ser que não tão já - mas eu preciso otimizar o meu tempo. Eu comecei a ver as coisas desmoronando como uma cena de filme de apocalipse. Eu desmoronei junto - tão insignificante que sou. Talvez, muito talvez, se eu fizesse alguma coisa que me desse algum sentido eu não desmoronasse com o mundo. Mas para isso eu precisaria terminar meu relacionamento com a vida e começar outro, com outra vida. O problema é que essa vida não quer terminar o relacionamento comigo e eu não tenho forças para dizer adeus. O semáforo abriu e eu preciso ir trabalhar.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Rasgue todas as cartas anteriores, é essa que vale:

Não sei mais, Oscar. Acho que você me deixou muito sozinha todo esse tempo e agora eu também não quero mais a sua companhia. Fiquei esperando uma notícia sua e conforme ela não chegava eu fui murchando, murchando e agora acho que eu não consigo mais ver a mágica. Ela sumiu. Eu sei que a culpa não é sua, mas eu nunca encontrei ninguém para me falar da mágica além de você. Eu suspeito que você encontrou alguém para levar para a outra camada da Terra, já que eu sempre insisti em ficar. É, acho que a culpa foi minha. Não precisa rasgar nada, só me deixe aqui que eu sei me adaptar como ninguém. Ana.  

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Caroço

O laudo médico não identificou, mas existe um caroço instalado no meu peito. Eu sei que ele está lá, porque o que sinto agora não é um sentimento, é um caroço.

O que você quer?

O que eu quero não deve estar em você, deve estar em mim. Não é uma resposta fácil, nem sei se consigo responder. O que eu quero é saber se estou no lugar certo. Achei que de repente você pudesse me ajudar a descobrir, já que você me fez pensar em tanta coisa. Você me disse coisas que eu gravei no bloco de notas e sempre que me dá branco da vida eu leio. O que eu quero é sentir alguma coisa. O que eu quero é aprender, é ouvir, é descobrir. Eu não sei o que eu quero. Eu quero sumir, mas não quero sumir sozinha e talvez nem queira sumir muito, só um pouquinho. O que eu quero? Não quero nada, desculpe incomodar.

domingo, 5 de outubro de 2014

Quinze minutos

Não troquei a roupa de cama, não estudei meu texto, não limpei a gaiola, não dormi 12 horas, não conversei com você, não terminei meu livro, não escrevi nada que preste, não assisti nada que preste, não fiz nada que queria e agora faltam quinze minutos para ser segunda-feira de novo.

Já saímos

Você pede vinho tinto
torradinhas
pede para baixar o ar condicionado
bis pro jazz
pede licença pra ir ao banheiro
volta, senta, dá um gole no vinho.
Qual o nome do garçom, vamos trocar de mesa?
Trocamos
Agora sim, dá pra ver melhor a banda
o cello, o piano, a mulher cantando
Você pede uma água gelada
mais gelo, mais pão
pula a entrada, pula assunto de trabalho
pula esse assunto também
"Passa logo eleição,
não aguento mais pesquisas"
Acho que vou pular a sobremesa
Café, palitos de dente
guardanapos com marcas de batom
Eu olho a mesa vazia:
nós já saímos.

eu ajunto a coragem

eu só quero o que desejo porque  há o seu abraço o seu tempero o seu tempo, temperamento  há tempos eu percebo  minha vida, meu sossego  bem...