terça-feira, 28 de junho de 2016

plim

Há um momento
um exato momento
um instante
um segundo
um milésimo
um click
um plim
pequeno
minúsculo
quase invisível
imperceptível
assim desse tamanho.
Nesse momento, instante, segundo,
um olhar pode virar
a mesa.


Eu nunca saberei

Quando eu decidi pela estrada de terra,
ninguém entendeu
que tanto faz:
se eu escolher um lado
- e não o outro,
não importa o que acontecer,
eu nunca saberei como seria
se eu tivesse escolhido
o outro lado.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Tarja preta

Era uma noite fria, mas não tinha nada para comer em casa então a Ana e o Lucas decidiram sair para comer. Até dava pra fritar um ovo e fazer um viradão com o arroz de ontem, mas eles iam precisar lavar as panelas e fazia muito frio para lidar com água. Lavar na máquina? Nem pensar, a Ana era muito cheia de frescura e dizia que a máquina não lavava direito. Pedir comida? Ia demorar muito. Os dois pegaram os casacos mais quentinhos, cachecóis, luvas e foram a pé. As ruas estavam quase vazias e todas as janelas das casas pareciam quentinhas por dentro. Os dois sentiam uma pontinha de arrependimento de terem saído de casa, mas precisavam comer. A fome só aumentava. Para a sorte deles, quando chegaram no restaurante não tinha mais ninguém e eles puderam sentar na mesa preferida deles: uma bem no cantinho de onde dava para ver a cozinha. Acharam estranho o silêncio e o vazio, mas faltava pouco para o restaurante fechar, então fizeram logo o pedido e esperaram. 
O cozinheiro, um homem depressivo de 42 anos, estava trabalhando desde às 9h da manhã sem parar porque toda a equipe do restaurante tinha pegado um vírus e faltado naquele dia. Era só ele e a garçonete, Maria. Antes de sair de casa ele deveria ter tomado o remédio tarja preta que lhe aliviaria a vontade de morrer, só que como ele foi pego no susto com a ligação da Maria, não tomou e saiu de casa correndo. Tudo deu certo até lá pelas três da tarde, quando a vontade que Marco, o cozinheiro, sentia de morrer começou a crescer e ficar maior que ele. O jeito era beber. Bebeu o suficiente para continuar fazendo o seu trabalho sem pensar. Ele conseguiu levar o dia, metade bêbado, metade concentrado no trabalho. Fez todos os pratos, errou uma coisa ou outra, eles não estavam tão caprichados como num dia normal, mas nenhum cliente reclamou por escrito, nada que prejudicasse o restaurante. O dono, quando voltasse de viagem, não ia notar nada diferente. Agora à noite, às vésperas de ir embora, a concentração era quase nenhuma, o cansaço era muito e faltava pouco para acabar. Então ele relaxou. Quando viu um rato atravessar a cozinha, ele já estava terminando o último prato e estava de saco cheio. Não teve dúvidas: com o facão de cortar carne foi em direção ao bicho e num golpe só dividiu o bichinho ao meio. Pegou um saco preto e tacou em cima do bicho pra não ter que ficar olhando para ele. Foi até a pia, deixou a faca na água corrente e pegou outra para continuar cozinhando. Quando ele virou para tirar o arroz do fogo, reparou no vidro que dá para o salão do restaurante e os seus olhos cruzaram com os olhos dos dois clientes boquiabertos. 

terça-feira, 7 de junho de 2016

Nada

Eu não sei por que eu respondo isso. Não sei mesmo. Já pensei que pudesse ser por insegurança, mas não pode ser. Já pensei em preguiça, em dúvida, em algum medo. Não, não, não. Nada disso. Sempre que o meu marido me diz: "amo você" (nunca "eu te amo" porque ele acha brega), eu digo: "ama nada". Por que diabos eu respondo isso? Eu acredito no amor dele, eu sei que ele está lá, eu não tenho medo ou qualquer coisa. Hoje, enquanto eu descia as escadas rolantes do shopping depois do almoço com meu pai, ele - o meu pai - me deu a resposta. Durante o almoço eu e ele havíamos conversado sobre o quanto somos parecidos e nossa conversa havia sido ótima, mas naquele momento, enquanto descíamos as escadas, eu disse a ele: "eu tava com saudades, pai." ele respondeu: "tava nada".

domingo, 5 de junho de 2016

Desconhecido

Eu quero deixar claro ao mundo que eu não sou corajosa. Estou saindo de um lugar que ia acabar me matando, estou indo porque as circunstâncias me obrigaram a tomar decisões imediatas, estou indo porque o destino arrancou as minhas mãos do modo automático e me levou.

Escapatória

Talvez eu tenha um pouco de medo dessa minha casa à noite, sem você. Eu às vezes tenho medo de estar exposta demais ao mundo aqui nessa pequena casa, com essa escuridão que faz lá fora, no Universo à noite. Milhares de coisas podem acontecer, como um sonho invadir a minha casa armado, me obrigando a seguí-lo, como já aconteceu comigo antes. Eu posso gritar, espernear, mas eu vou seguí-lo, não importa quão tarde seja ou quão perigoso possa parecer.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Não estarei aqui

E se eu falhar,
se nada der certo,
se eu quase morrer,
de tanto sofrer
por um erro qualquer,
um erro de matar,
o que poderia acontecer?
Eu não vou morrer,
e se por acaso acontecer,
Não estarei aqui para ver.

Ana B. - Parte 1

Uma mulher de quarenta e poucos anos. Magra, altura mediana, boas roupas. Alguém a encontrou caída no chão de um apartamento, morta. Não tinha ninguém no mundo e morreu de câncer, aparentemente nunca diagnosticado. De acordo com as leis do meu trabalho, eu tinha setenta e duas horas para anotar absolutamente tudo que eu via ali dentro. Tapete de boas-vindas bem-humorado, flores mortas, peças de madeira. Maçaneta de porcelana. Casa com cheiro de flores e mofo. O primeiro porta-retratos que encontro é ela na foto. Com as costas nuas, de perfil, cabelo do rosto. A mulher mais linda que eu já tinha visto na vida. Livros, discos, quadros. Rede de balanço, geladeira, tapetes. Uma solidão infinita. Nem um sinal de namorado, amigo, parente. Comecei a pensar se era solitária porque era linda demais. Se era linda demais porque só dormia, ao estilo Bela Adormecida. Entrei no quarto. Luminárias, criado-mudo, comprimidos. Espelho, espelho, penteadeira. Jóias, bijuterias, presilhas de cabelo. Solidão. Batom, rímel, esmaltes. Quem seria ela? Quem seria a mulher mais bonita que eu já havia visto? Teria se apaixonado, namorado, trabalhado? Encontrei uma gaveta cheia de cadernos, lotada. Passei setenta e uma horas lendo a história de Ana B.

Global goodbye

I am sorry to let you down,
but I am going to let you go.
- Goodbye.
I do not love you anymore.
It has been a while, actually.
Thank you for letting me stay for so long
and you are welcome that I have worked so hard.
You have taught me many lessons,
and you made me used them with you.
Now I have to be somewhere else,
doing very silly things such as:
following dreams.

Segunda noite

Coloquei dois travesseiros no seu lugar da cama. 
Eles estão ocupando totalmente o seu espaço,
e você já nem faz falta. 
Esta é a segunda noite e eu já superei você. 

eu ajunto a coragem

eu só quero o que desejo porque  há o seu abraço o seu tempero o seu tempo, temperamento  há tempos eu percebo  minha vida, meu sossego  bem...