terça-feira, 29 de janeiro de 2019

mãos

Você me convidou para dançar e eu aceitei, mas ainda não era hora. Você me esperou no canto da pista com cara de ansioso e na hora certa pegou as minhas mãos. Tanta coisa aconteceu depois disso. Tanta vida passou. Mas eu nunca vou me esquecer de sentir as suas mãos tremerem ao encostar as minhas pela primeira vez.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Tô aqui pra isso

Minha irmã me falou que era a melhor ideia. "Se você não se declarar, você nunca vai saber"- ela me disse. Eu gostava de seguir os conselhos dela porque ela era mais velha, tinha mais experiência, sabia do que tava falando. Talvez. O fato é que eu estava muito apaixonada e cheia de esperanças do Duda me querer também. Nós éramos bons amigos, vivíamos trocando bilhetinhos durante a aula e nos dávamos super bem. Não tinha como dar errado. Numa das aulas eu mandei um bilhete perguntando: "o que você faria se gostasse de uma amiga sua?" Ele me respondeu: "falaria para ela." Nós demos risadinha, ele logo mudou de assunto e ficou por isso mesmo. Minha irmã começou a pressionar lá em casa: "vai falar ou não vai?" "E aí, já falou?" "vai logo com isso!" Eu resolvi falar. Peguei toda a coragem que eu tinha estocada e fui até a casa dele. Nós éramos vizinhos também. Ele abriu a porta e eu falei: "Duda, lembra que você me falou que se gostasse de uma amiga sua, você falaria para ela?" Ele disse: "sim, e o que tem?" Eu respirei fundo: "pois então, tô aqui pra isso." O Duda não gostava de mim do mesmo jeito. Ele ficou completamente sem graça e falou: "poxa, fui pego de surpresa... você sabe que eu gosto da Marina, né?" Até hoje a minha irmã me pede desculpas por isso.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

chamados

Eu durmo de janela aberta
ouço grilos a noite toda
todos os tipos de grilos
sempre chamando alguém
será que as fêmeas ouvem
toda noite um grilo chamar?
desesperados e inofensivos
na minha janela nunca faltam grilos
precisando de alguém


domingo, 20 de janeiro de 2019

Tolerância zero

A professora era querida pelos alunos. Era uma mulher jovem, simpática e sempre dava um tempinho para os alunos brincarem no final da aula. Os alunos estavam, aos 11 anos, passando por uma fase de falar muito palavrão e de testar os limites dos professores. Inclusive os coordenadores haviam falado para os professores ficarem atentos e avisarem a direção se algum dos alunos passasse dos limites. A tolerância com palavrões era zero naquela escola. Era uma quinta-feira e na sexta os alunos iriam para um passeio, então o clima era de quase folga. Estavam todos animados. No final da aula a professora propôs o jogo dos palitos, aquele no qual o jogador tem que tentar pegar o máximo de palitos que conseguir sem mexer os outros. Se qualquer outro palito mexer, ele perde a vez. A professora jogava com o maior entusiasmo, como se os alunos fossem seus amigos. Ela estava perdendo, então estava mais atenta do que nunca nas jogadas. Quando era quase sua vez de novo e o aluno do seu lado estava conseguindo pegar um palito atrás do outro, ela viu um dos palitos mexer. Aparentemente os outros alunos não tinham visto nenhum movimento. Ela disse: "ei, o palito de baixo mexeu!" O aluno que jogava falou: "não mexeu não!" Ela, distraída, respondeu de forma automática: "mexeu pra caralho!" Os alunos ficaram completamente boquiabertos, sem conseguir reagir ao palavrão da professora.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Apesar

você me chamou de raio de sol
disse que somos
tão parecidos
que quer me cuidar
que me acha tão linda
você me chamou pra morar com você
disse que nós dois
encaixamos
que damos um jeito
que temos assunto
até o dia seguinte
que eu sou muito
Eu peço que ouça um minuto
eu concordo com tudo
não acho pessoas
assim na esquina
no aplicativo, ao vivo ou no bar
você é a flor
que o raio de sol quer tocar
acontece que eu
não consigo mandar
nos meus sentimentos
não vai dar pra ficar
de jeito nenhum
apesar de querer e de tanto tentar
o meu coração não consegue te amar

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Charme

O nome dele era Bruno. Ele me convidou para ir ao cinema e eu fiquei super entusiasmada. Ele não era bonitão nem nada, mas tinha um charme qualquer que na época eu saberia explicar. Cheguei no shopping com um pouco de antecedência e lembro do incômodo que ia crescendo a cada minuto que passava e ele não chegava. Dez, vinte, trinta minutos. Uma hora depois eu finalmente entendi que ele não viria. Fiquei arrasada. Queria entender o que eu tinha feito de errado, me achei a pior pessoa do mundo. Demorei para digerir aquele furo. Uns dias passaram e ele me procurou para explicar o que houve, qualquer coisa besta que eu aceitei e ficou tudo bem. Acontece que eu não sei. Alguma coisa mudou dentro de mim que me fez perder o interesse. Ele não me pareceu mais charmoso, não me pareceu mais tão legal. Alguma coisa mudou. Quando ele me convidou para fazer outra coisa, eu não quis mais. E não foi forçado nem vingativo, foi porque eu não queria mesmo. Aquela foi a primeira vez que eu entendi o poder das nossas ações. Às vezes a gente faz algo que magoa o outro, mesmo sem querer, mas é preciso muito cuidado: o nosso charme pode passar. E não tem volta. Para quem ficou esperando uma hora no shopping é um alívio, é libertador ver o charme passar, mas para quem magoou o outro é um perigo. O Bruno me perseguiu por muito tempo depois daquilo e esses dias eu descobri que até hoje me espia. Faz anos. É capaz que ele esteja lendo isso agora mesmo e, se estiver, obrigada pela pequena lição.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Vidro

Eu não sabia o que era vidro. Tinha poucos anos de vida, três ou quatro. Me deram água para tomar sozinha em um copo de vidro pela primeira vez. A minha curiosidade foi tão grande que eu mordi o copo com força até ele espatifar na minha boca. Os adultos entraram em pânico ao ver minha boca cheia de cacos de vidro, que eu logo tratei de cuspir. Sangrei um pouco, mas me lavaram e cuidaram para que tudo ficasse bem. A lembrança não é nítida, mas meu pai me carregou no colo, as luzes apagadas, e ele me contou alguma história fascinante enquanto eu olhava pela janela. Lembro das pedrinhas redondas no chão do prédio vizinho e da voz baixa do meu pai, tentando me tranquilizar. Eu estava bem tranquila, pra mim os adultos eram muito desesperados. E agora eu sabia muito bem o que era vidro.

Mochila

Sua mochila é tão pequena
pra carregar sua vida
pelo mundo
não entendo como faz
pra levar suas coisas
espremidas com cada pedaço
que você arranca das pessoas
como eu

domingo, 13 de janeiro de 2019

Acorde

Teve aquele dia que eu fui pingar meu remédio na boca e não sei como eu engasguei forte. Comecei a tossir sem conseguir respirar, achei que ia morrer, mas eu não quis te acordar. Fiquei na cozinha do seu apartamento tossindo que nem uma louca, sufocada, olhando para a janela e vendo aquele prédio sendo erguido no terreno vizinho. Mesmo achando que eu ia morrer eu tentei não fazer barulho. Aquele prédio sendo erguido por alguma razão me dava mais desespero e eu engasgava mais. Fiquei nessa angústia por alguns minutos, não sei quanto tempo, e você nem sinal de acordar. Quando eu me recuperei, minha garganta doía e eu não consegui voltar a dormir. No dia seguinte eu te contei o que tinha acontecido e você disse que eu deveria ter te acordado. Quero te acordar agora. Me sinto tão engasgada. Acorde, meu amor, acorde.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

vai logo, Paulinha

Tinha uma brincadeira que as professoras da escolinha adoravam brincar com a gente antes de começar a aula, para acalmar os ânimos. A gente fazia um círculo e um dos alunos saia fora da sala. A professora então escolhia alguém para ser o líder e inventar uma série de movimentos que todos tinham que copiar. O aluno que estava pra fora não sabia quem era esse líder e esse era o jogo: ele tinha que voltar pra sala quando a professora chamasse e tentar adivinhar o líder. Era muito legal porque todo mundo fingia que estava liderando, mas ninguém podia mudar os movimentos a não ser o líder. O aluno que tinha ficado pra fora ficava confuso e tinha que prestar muita atenção para descobrir quando um movimento novo surgia para flagrar o líder. Uma vez, o jogo estava super difícil porque o aluno de fora não estava conseguindo adivinhar de jeito nenhum e tinha bastante gente na sala e estavam todos muito animados repetindo o movimento de bater as mãos nos joelhos. No meio da brincadeira eu me distraí legal, fui para o país das maravilhas da minha imaginação. Quando eu me dei por mim e voltei pra sala de aula, só alguns segundos deviam ter passado e eu vi que o movimento ainda era o mesmo. Acontece que eu estava tão distraída e parecia que tanto tempo tinha passado que eu falei: "vai logo, Paulinha, muda de movimento!" e estraguei todo o jogo.

dia de mudança

Eu tinha 12 anos e ele 14. Ele era todo descolado, gringo, lindo. Eu brincava de Barbie ainda, escondendo sempre dos amigos da minha irmã mais velha. A minha vizinha era minha grande parceira de brincadeira e naquele dia a gente resolveu arrumar a casa da Barbie na minha casa. Foi preciso transferir todos os móveis da casa dela para a minha. Tinha cadeira, almofadas, copos, tapetes, sofás, tudo em miniatura. Aliás, tinha um jogo de sofás cor de rosa que eu adorava. Fomos levando tudo em várias viagens que consistiam em: sair da casa dela, andar uns cinco ou sete passos e chegar na minha. Quando só faltava o jogo de sofás cor de rosa para terminar a mudança e eu já estava no segundo passo em direção à minha porta, eu o avistei descendo a rua com um amigo. Meu coração disparou. Eu precisava esconder aqueles móveis da Barbie com urgência se não ele jamais iria me querer. Peguei o moletom que estava na minha cintura e graças a Deus pude cobrir tudo que eu carregava. Ele e o amigo se aproximaram: "Oi. Tá fazendo o que?", o amigo perguntou. Eu respondi com prontidão: "arrumando umas coisas só, nada de mais." Eu suava. "O que é isso embaixo do seu moletom?" "Nada não, coisas de mulher." Quando eu achei que tinha me livrado daquele momento de tortura e me virei para ir embora, tropecei em mim mesma e derrubei todo o jogo de sofás cor de rosa na calçada.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Nitidamente

A primeira coisa que eu fiz quando, aos 23 anos, meus primeiros óculos de grau ficaram prontos foi olhar para a lua. Sem óculos ela era só um ponto luminoso sem grandes lances. Nunca entendi essa história de coelho, nunca vi nuance nenhuma, nada além de um ponto luminoso. Com meus óculos novos a lua realmente virou a lua, esse espetáculo brilhante que ela é. A noite com todo esse silêncio que pertence aos grilos, esse ventinho refrescante, essa coisa misteriosa e meditativa, sempre foi a melhor parte de qualquer dia. Agora que eu podia ver a lua nitidamente, foi como se um deus mitológico tivesse tomado corpo. Podia ver meu objeto de adoração logo ali. Ter demorado tanto tempo para ver de fato a lua me fez adorá-la ainda mais.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Grandioso

A gente acha que está pronto, que algo grandioso já pode acontecer nas nossas vidas. Essa é a hora. Acontece que a gente não sabe de nada. Acontece que não estamos prontos quando achamos. Ainda tem mais algumas coisas que precisamos aprender. Queremos saber o que é que ainda falta e buscamos nos livros, nas pessoas, nas espiritualidades, buscamos em tudo quanto é lugar o que  precisamos aprender. Uma busca cega. Quando ficamos cansados e estamos distraídos vivendo a vida da melhor maneira que podemos, algo grandioso acontece.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Lemon love

Não era o céu da Patagônia
mas o do meu primeiro beijo
e agora do último que eu dei
não provamos o amor de limão
mas o seu beijo tinha um gosto
que podia ser a sobremesa
você tirou o sapato pra subir minhas escadas
mas fui eu que subi seu elevador
não sei se você notou
seu elástico de cabelo
vindo parar no meu
eu não tenho mais idade
para começar pelo fim
mas agora já é tarde:
deixei entrar outra saudade





sábado, 5 de janeiro de 2019

cigarra

essa vida de cigarra
largar a pele em tronco de árvore
quando ela não serve mais
cavar buracos, tomar seiva de árvore
cantar para acasalar
o macho berra alto
mas há quem diga que a fêmea é surda
e sente só a vibração
essa vida de cigarra
largar a pele por aí
acasalar e morrer
estamos presos às nossas peles
tomamos seiva alcóolica
o som que emitimos é ensurdecedor
criamos caos e cigarro.

eu ajunto a coragem

eu só quero o que desejo porque  há o seu abraço o seu tempero o seu tempo, temperamento  há tempos eu percebo  minha vida, meu sossego  bem...