Ouço, pelas ruas de Geneve, um carro acelerado e muita buzina.
Ninguém buzina em Geneve - reconheço minha irmã na esquina.
Pelas ruas de Geneve ouço gritos de alguém desesperado.
Antes que me desespere também, percebo: é minha irmã, bem ao meu lado.
As ruas de Geneve, em outubro, ficam molhadas, vazias, sem graça:
eis que surge minha irmã cruzando de trenzinho a praça.
O que aconteceu que Geneve em novembro ficou vazia?
É que todo mundo sente falta do barulho que a minha irmã fazia.
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Obra de arte
Hoje eu tenho substrato para escrever poesia: dor, solidão e silêncio. O que me falta apenas é um pouco de inspiração. Um dia um amigo me disse que quando a gente tem substrato, a inspiração fica parada na porta, esperando para entrar a qualquer momento. Mas é preciso convidá-la. Ele disse que a gente convida a inspiração com muito trabalho. Ficar parado, esperando que ela entre não funciona. Esse meu amigo pinta quadros. Ele nunca espera a inspiração entrar, ele pinta cinquenta quadros e aí a inspiração vem e ele faz uma obra de arte.
(para Yusk)
sábado, 14 de novembro de 2015
Malandragem do Mickey
Meu pai devia ter uns quarenta e poucos anos. Eu devia ter uns 10, 11. Ele me deu um relógio de pulso do Mickey, ajustou a hora, me ensinou direitinho a entender o relógio em toda a sua complexidade e disse: "quero que você volte para casa às sete horas em ponto." Eu entendi bem e fui brincar. Mas eu me achava mais esperta que ele, então puxei o pininho e fiz com que o relógio parasse nas sete horas. E fiquei até as sete e meia, oito, oito e meia, nove. Quando deu nove horas e eu me cansei, voltei pra casa. E pus o relógio pra funcionar novamente. "Mas papai! Olha aqui! O relógio marca sete horas!" Meu pai estava furioso e nem quis papo. Eu nunca mais pude tentar aquele truque, porque meu pai tomou o relógio do Mickey de mim.
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
Urubus no telhado
Sua percepção do
tempo anda te preocupando, você faz poesia com urubus.Diz que eles estão te
esperando no telhado de casa.Enquanto isso urubus
esperam ratos, bichos, pássaros- só gambás que não. Gambás não sobem no
telhado.Urubus não esperam quem
inventa personagem para as filhas:tio de bigode,
professor Tibúrcio, Cordélia Brasil.
Urubus não esperam quem lê tanto livro,faz rir de doer a barrigae o melhor bacalhau
que se prove.Urubus não esperam
quem temuma Thelma ao lado.Meu pai, se olhar bemvocê faz urubu achar que é gaivota.
-->
Carne
Nunca iremos admitir o nosso adeus.
Não era pra ser, foi tão disfarçado.
Ninguém sabia ao certo
que você ia embora.
Nunca iremos admitir o fracasso
de tentar te manter aqui.
Nesse fim de mundo,
nesse pedaço de mundo,
nesse mundo pequeno,
que era o nosso.
Não era pra ser, foi até engraçado.
Você nem disse tchau.
Tomamos café da manhã,
e num instante você partiu.
Ninguém sabia ao certo
que você não ia voltar logo.
Que ia ficar tão longe,
por tanto tempo, pra todo o sempre.
Que você ia embora um dia,
eu até podia imaginar:
como prender uma borboleta?
Mas eu achei que era um embora perto,
nunca, nunca, nunca tão embora assim.
Não era pra ser, foi tão disfarçado.
Ninguém sabia ao certo
que você ia embora.
Nunca iremos admitir o fracasso
de tentar te manter aqui.
Nesse fim de mundo,
nesse pedaço de mundo,
nesse mundo pequeno,
que era o nosso.
Não era pra ser, foi até engraçado.
Você nem disse tchau.
Tomamos café da manhã,
e num instante você partiu.
Ninguém sabia ao certo
que você não ia voltar logo.
Que ia ficar tão longe,
por tanto tempo, pra todo o sempre.
Que você ia embora um dia,
eu até podia imaginar:
como prender uma borboleta?
Mas eu achei que era um embora perto,
nunca, nunca, nunca tão embora assim.
sábado, 12 de setembro de 2015
Enterro
Que diferença vai fazer
quando eu morrer?
Deixarei filhos, netos,
livros?
Eu morta serei bela,
feia, velha?
Alguém vai anotar
que horas são,
se eu me jogar?
Vai ser tarde,
vai ser triste,
vai dar tempo?
O Ronco e a Culpa
Quando eu era pequena dormia num quarto com minhas duas irmãs. Teve um dia que uma delas roncava tão alto que eu achava que era mentira. Achava que ela estava fazendo barulho só pra sacanear, como eu mesma fazia de vez em quando. Desde pequena gostava de atuar. Às vezes minha atuação era roncar pra sacanear as minhas irmãs. Nessa noite uma das minhas irmãs dormia em sono profundo e roncava. Eu disse: "para já com esse ronco se não eu vou contar pra mamãe!" Ela continuou de biquinho aberto, roncando. Na segunda vez eu dei um berro tão alto de "para!" que acordou meu pai. Meu furioso pai que detesta ser acordado com barulho. Ele entrou no quarto espumando, quando eu disse: "Foi ela que começou! Ela tava fazendo barulho de propósito!" A pobrezinha da minha irmã acordou num susto por causa da luz acesa e gritou: "Desculpa! Desculpa!" E meu pai foi embora dormir. Assim que ele saiu do nosso quarto ouvi minha irmã virar na cama sonâmbula e começar a roncar tudo de novo.
quarta-feira, 2 de setembro de 2015
Como explicar?
Tenho um órgão dentro de mim que pulsa tão forte que estufa meu peito. Quando eu estou deitada, posso ver o meu peito subir e descer por causa dele. Esse órgão é, estranhamente, o que faz tudo funcionar em mim: da fala ao pulo. Não faz muito sentido, como explicar? Eu mesma posso fazê-lo parar a qualquer momento se eu quiser. Acontece que, estranhamente, o meu objetivo é lutar o tempo todo para que ele não pare nunca.
terça-feira, 1 de setembro de 2015
A essência de outro homem
Como explicar a um homem sobre a essência de outro homem?
Os homens são todos iguais
na estrutura, no esqueleto e na maioria dos medos
(de viver, de morrer, da solidão).
E há os homens que flutuam.
Como explicar a um homem que gosta de mandar
sobre os homens que flutuam?
Os homens são todos iguais
na estrutura, no esqueleto e na maioria dos medos
(de viver, de morrer, da solidão).
Há, entretanto, coisas que diferem os homens de forma absolutamente misteriosa.
Há homens que gostam de contar, de mandar, de poder, de inventar.E há os homens que flutuam.
Como explicar a um homem que gosta de mandar
sobre os homens que flutuam?
quarta-feira, 19 de agosto de 2015
O homem e o amor
Quando foi que
O homem percebeu o amor?
Foi sentado, indo embora, a dormir?
Foi distraído, bonito, foi algo?
Como foi?
Muito me pergunto
se foi olhando a janela, se foi a passear.
O amor explodiu no peito?
O peito doeu?
Foi de dia? No verão?
De madrugada, talvez, com um pincel e tela.
ao som de um instrumento,
Quando foi que o homem pensou:
"é isso."?
Esse homem - talvez mulher -
chegou a duvidar que era isso?
E se foi uma criança? Como ela percebeu?
Estava brincando, correndo, parada?
Ela estava com o pai, um amigo, um irmão?
Quando foi, meu deus, que isso aconteceu?
Mais ainda me pergunto:
quando foi que o amor percebeu o homem?
Ele já percebeu?
domingo, 16 de agosto de 2015
Briga
Hoje quando você não veio dormir
meu peito estufou cheio de suspiros.
Esperei ouvir, nos seus barulhos,
o som de você subindo as escadas.
Esperei, esperei, esperei.
Só ouvi um cuspe na pia,
como se cuspisse algo de dentro,
algo contra mim,
algo que talvez fosse eu inteira.
E depois você fechou a porta.
E depois, eu fechei a porta,
fechei os meus olhos, fechei o meu peito,
fechei-me inteira.
meu peito estufou cheio de suspiros.
Esperei ouvir, nos seus barulhos,
o som de você subindo as escadas.
Esperei, esperei, esperei.
Só ouvi um cuspe na pia,
como se cuspisse algo de dentro,
algo contra mim,
algo que talvez fosse eu inteira.
E depois você fechou a porta.
E depois, eu fechei a porta,
fechei os meus olhos, fechei o meu peito,
fechei-me inteira.
quarta-feira, 29 de julho de 2015
Tico
Durante um mês e alguns dias você viveu conosco. Teve gente que passou dias mais felizes enquanto você esteve por aqui. Conheço um cara que queria agradecer a sua doce existência por ter feito a dele própria mais doce. Sei que você teve dias difíceis, eu mesma presenciei um. Você estava ferido e mesmo assim não deixava de se aproximar daquele cara, dava a mão pra ele todo feliz. Eu vi. Sua despedida foi muito repentina e levou um pouquinho de nós todos. Se fossemos da sua espécie, poderíamos dizer que algumas penas caíram quando você fechou os seus olhinhos para nós.
Eu já fui
Quando digo que preciso ir embora,
não quero dizer que não,
quero dizer que preciso ir embora.
Já não posso mais ficar:
algo aconteceu dentro de mim
e eu já fui.
Nas minhas malas magras,
eu me trouxe pra cá.
Te falo do futuro:
aqui, da minha viagem ao mundo.
E que mundo é esse, meu Deus?
E que viagem é essa em busca do seu mundo?
Te falo aqui do presente:
- Vá procurar saber.
não quero dizer que não,
quero dizer que preciso ir embora.
Já não posso mais ficar:
algo aconteceu dentro de mim
e eu já fui.
Nas minhas malas magras,
eu me trouxe pra cá.
Te falo do futuro:
aqui, da minha viagem ao mundo.
E que mundo é esse, meu Deus?
E que viagem é essa em busca do seu mundo?
Te falo aqui do presente:
- Vá procurar saber.
quinta-feira, 16 de julho de 2015
A vida certa
Eu sei que eu já dei de cara com a proposta da minha vida. A proposta para me fazer completa, me elevar o espírito, me deixar em paz com o mundo já veio. Sim, ela me chamou mas eu não percebi e saí andando. Acho que foi isso que me aconteceu. Hoje eu vivo uma vida paralela à que eu deveria viver. Vivo uma vida que, se eu tivesse feito a escolha certa, eu nem pensaria que poderia haver outra opção. Por isso penso que nada que eu possa fazer pode ser errado. Minha vida já é a errada, já não era para ser essa. A vida certa teria poesia, música e teatro. Teria horas para criar, para gastar. A vida certa teria gente na hora certa - e na hora errada só teria eu, porque sou de aquário e preciso ficar só de vez em quando. Na vida certa eu poderia escrever o que eu quero no meu expediente, porque o meu expediente seria meu - e não de uma empresa. Se eu vivesse essa vida acho que seria mais paciente. Seria mais calma, não roeria unhas. Eu poderia ser quem eu sou lá de dentro, não perderia tempo (e nem energia) com o que eu não gosto, com o que eu não sou. Não perderia tempo com tanto cansaço. Porque cansaço não é coisa de gente jovem e cheia de vontade como eu. Eu tenho dor nas costas, eu tenho dor na alma. Na vida certa não existe dor na alma.
quarta-feira, 8 de julho de 2015
Não ia dar certo
Eu tive um namorado autista. Ele mal falava comigo, ou pior: mal me abraçava. Eu gostava dele porque algo naquele mundo particular que ele vivia me fascinava. Era um mundo onde só a arte o atingia. Eu tentava, eu juro que tentava, mas só a arte conseguia. Kubrick, Machado de Assis, Radiohead. Com esse pessoal ele se comunicava bem. Eu assistia tudo morrendo de inveja. Ele vivia me doutrinando, dizendo o que eu devia escutar, ler, onde poderia ver arte de verdade. Eu jamais questionava, ele sabia bem do que tava falando. Mas não ia dar certo. Ele era muito calado comigo, justo eu que preciso tanto do peito do outro. Além do mais, eu tenho um segredo que ele nunca desconfiou. Eu sou como ele: só a arte me atinge, só a arte consegue se comunicar comigo de fato. Mas eu sou bem diferente dele: consigo fingir bem. Ninguém percebe que eu também sou autista. E fico pensando que a gente pode sempre trocar o "u" por "r", e fica tudo bem, a sociedade até aceita quem se diz artista.
Escrava
Tenho um armário cheio de coisas.
A dona da casa onde eu moro disse que são coisas demais.
- Algum dia você vai se livrar de tudo isso, ela disse.
Que coisas são essas?
Camisetas e vestidos feitos provavelmente
por uma costureira que trabalhou como escrava.
Comprei para me sentir melhor.
Mas é claro, é lógico, não adiantou nada.
E a escrava trabalhou, trabalhou, trabalhou.
Esse meu armário cheio de coisas iguais de cores diferentes
nunca me fez sentir bem com nada.
Ele parece eu, escrava de qualquer sistema.
A dona da casa onde eu moro disse que são coisas demais.
- Algum dia você vai se livrar de tudo isso, ela disse.
Que coisas são essas?
Camisetas e vestidos feitos provavelmente
por uma costureira que trabalhou como escrava.
Comprei para me sentir melhor.
Mas é claro, é lógico, não adiantou nada.
E a escrava trabalhou, trabalhou, trabalhou.
Esse meu armário cheio de coisas iguais de cores diferentes
nunca me fez sentir bem com nada.
Ele parece eu, escrava de qualquer sistema.
terça-feira, 30 de junho de 2015
Ou minhocas de um vaso nosso
Vamos supor então que a alma é tipo um espírito que sobrevoa nosso corpo. É assim que eu a imagino. Então, se você me permitir, eu gostaria de propor um outro motivo para a alma. A alma é como a água. Há sei lá quantos bilhões de anos é a mesma água que banhou Napoleão e Aristóteles e Shakespeare e você e eu. A alma pode ser assim. Posso pertencer a mesma alma que um dia pertenceu a um escravo ou a um poeta. E nós esbarramos com almas que já foram nossas melhores amigas ou minhocas de um vaso nosso. E por isso às vezes pensamos em algumas pessoas e as almas as chamam para perto de nós e nós coincidentemente as encontramos. Sei lá. Quem foi que inventou essa história de almas? Isso nem deve existir de fato. Quem é que pode provar?
Pale Blue Dot
Tendo em vista que o tempo que passou até agora não foi absolutamente nada, e que a gente acabou de chegar num processo que dura tanto tempo que somos até mesmo incapazes de contar - e de entender e de perceber e de se espantar. Tendo isso em vista, por que conseguimos ser tão mesquinhos?
Infelizes,
Porcalhões,
Maldosos,
Assassinos,
Audaciosos,
Arrogantes,
Hipócritas,
Mentirosos,
Egocêntricos,
Egoístas,
Fundamentalistas,
Sozinhos, sozinhos,
Sozinhos, completamente sozinhos?
Infelizes,
Porcalhões,
Maldosos,
Assassinos,
Audaciosos,
Arrogantes,
Hipócritas,
Mentirosos,
Egocêntricos,
Egoístas,
Fundamentalistas,
Sozinhos, sozinhos,
Sozinhos, completamente sozinhos?
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Presa na garganta
Era uma vez uma história entalada em uma garganta. Uma história que não saia da garganta e fazia os olhos lagrimejarem e os dedos atrofiarem e o peito apertar. Uma história que doía como um filho de 12 meses preso no ventre pesado de uma velha mãe. Essa história nunca saiu da garganta. Dias e meses se passavam e ela mais se afixava nos ossos do meio da garganta. Parecia uma alga marinha, dessas verdes que se prendem no vidro do aquário. E aquário é o meu signo, mas mesmo se fosse câncer eu acho que essa história não sairia da garganta. Até porque não é pela garganta que ela há de sair. Talvez pelos dedos, talvez por um palco bem grande, talvez no ralo de um chuveiro, talvez numa linha telefônica enrolada num pescoço. Talvez em lugar nenhum. Talvez essa história seja uma poesia - que talvez já tenha sido escrita bem antes.
sexta-feira, 29 de maio de 2015
Janela
O cimento da parede da nossa casa separa o nosso corpo.
Seu corpo de cimento, o meu de parede - e a casa vazia.
A casa faz eco no meu peito de pedra.
A casa faz eco no seu peito sem nada.
Eu na sala, ele no quarto e a casa sem ninguém.
- Onde estão os moradores desta casa? - pergunta alguém.
- Não estão aqui. - respondem as paredes.
É que as paredes nem sabem mais dos moradores:
paredes, passos, camas, nada, ninguém.
Uma coisa na casa faz barulho,
uma coisa na casa parece ter vida:
a janela aberta cheia de vento.
Seu corpo de cimento, o meu de parede - e a casa vazia.
A casa faz eco no meu peito de pedra.
A casa faz eco no seu peito sem nada.
Eu na sala, ele no quarto e a casa sem ninguém.
- Onde estão os moradores desta casa? - pergunta alguém.
- Não estão aqui. - respondem as paredes.
É que as paredes nem sabem mais dos moradores:
paredes, passos, camas, nada, ninguém.
Uma coisa na casa faz barulho,
uma coisa na casa parece ter vida:
a janela aberta cheia de vento.
Tem sim
O pouco que me restou foi isso:
rimar sim com fim.
Tem coisa mais clichê,
mais vazia,
mais infantil que rimar sim, mim, fim?
Tem, tem sim.
Não rimar nada e deixar a vida passar.
rimar sim com fim.
Tem coisa mais clichê,
mais vazia,
mais infantil que rimar sim, mim, fim?
Tem, tem sim.
Não rimar nada e deixar a vida passar.
sexta-feira, 15 de maio de 2015
Auto-censura
Dentro de mim cabe tanta coisa, tanta gente, tanto desejo.
Dentro dessa casca aqui que alguém fez.
Ou será que não, ou será que ninguém fez?
Tenho dores nas costas,
rinites fortes,
fortes preguiças de dar bom dia.
Gosto de ser amada,
mais do que amar.
Mas isso não sou eu que digo,
é o meu psicanalista.
Tenho medo de viver,
mais do que de morrer
- e isso me derruba às vezes,
mas eu seguro firme.
Dentro dessa casca aqui que alguém fez.
Ou será que não, ou será que ninguém fez?
Tenho dores nas costas,
rinites fortes,
fortes preguiças de dar bom dia.
Gosto de ser amada,
mais do que amar.
Mas isso não sou eu que digo,
é o meu psicanalista.
Tenho medo de viver,
mais do que de morrer
- e isso me derruba às vezes,
mas eu seguro firme.
Escrivaninha
Estou sentada na sua cadeira.
Eu me sento como se fosse você,
digito no computador do seu jeito
e ignoro completamente o resto do quarto
- como você faz quando senta nessa cadeira.
Eu me sento como se fosse você,
digito no computador do seu jeito
e ignoro completamente o resto do quarto
- como você faz quando senta nessa cadeira.
sexta-feira, 8 de maio de 2015
Ida
Assisti um filme que acho que você vai gostar. Apesar de ser em preto e branco, e ser polonês, e ser bem devagar e silencioso, e também ser cheio de enquadramentos diferentes, apesar disso ele é cheio de referências lineares hollywoodianas. Por exemplo: a história começa de um jeito, até que de repente um problema é apresentado. Então, a protagonista parte numa aventura (como em "O Mágico de Oz") para encontrar respostas, conhecer a si mesma e aprender um monte de lições. A protagonista então vive um ápice, (ou de alegria ou de tristeza. Neste caso, acho que foi uma alegria aquele rapaz moreno de cabelos curtos, saxofonista em uma banda de jazz.) e tem que tomar uma decisão. A tomada de decisão não é fácil e acompanha um rompimento. Mas existe uma pessoa que vai acompanhar essa jornada e ajudá-la por algum motivo. Foi assim também em "A Vida Secreta de Walter Mitty", que tanto agradou todo mundo - inclusive nós dois. Neste filme - Ida - tudo isso é feito de um jeito lindo, poético, doce. A protagonista parece um lindo retrato antigo. Os silêncios deste filme são mais importantes que qualquer palavra. E os silêncios aqui acabam vencendo por fim. Além disso tudo, esse filme ainda me apresentou muito bem apresentado a John Coltrane - e jazz não é um estilo de música que agrada todo mundo. Fico tão feliz que agrade você também. Acho que terei que assistir esse filme de novo com você. Tudo bem, com você eu assisto.
quinta-feira, 7 de maio de 2015
Para minha irmã
Eu te apoio porque em parte eu queria estar no seu lugar.
Viver um amor tão bom longe de casa,
longe do ninho, perto de você mesma.
Longe é bom pra se conhecer.
Longe é bom para ver tudo de longe e dizer: "quero estar aqui."
E aqui pode ser lá - ou aqui.
Essa casa
Eu e você
quanto tempo
há quanto tempo que somos
eu e você?
Nossa casa
toda nossa
há quanto tempo que é nossa
essa casa?
Não faz tanto tempo,
parece que foi ontem
- e quase foi
pra quem ainda tem uma vida toda.
Mente mente
Eu tenho dúvidas se eu me conheço de verdade, se eu sou eu mesma. Quero coisas que eu, se pudesse escolher, não quereria. Seria mais em paz comigo mesma, teria outras neuroses. E como é que eu não posso ser como eu queria? Não sou eu mesma que mando em mim? Não sou eu mesma que digo pela mente: "mexam-se braços!" e eles se mexem? Por que não posso dizer pela mente: "seja assim! Goste disso!", por que não? Eu sendo assim, tão não eu - ou como eu gostaria de ser, eu me sinto distante, muito distante.
quinta-feira, 16 de abril de 2015
Derretendo a parafina
Não está fazendo sol hoje. O dia está meio seco e eu não estou ansiosa para ir trabalhar. Gostaria que o meu trabalho fosse esse: observar o céu pra ver se o sol vem. Hoje era esse emprego que eu gostaria de ter. Nem precisaria fazer as unhas porque seria só eu e o céu e ninguém para ver se eu tenho unhas. Eu ficaria criando poemas nos intervalos entre uma nuvem e outra e de repente poderia até ler um ou outro livro. De repente, eu até me daria conta de que o mês de agosto passou tão rápido... mas espera, já estamos na metade de setembro. Se eu continuar distraída assim, daqui a pouco já estamos no próximo ano. Será que prestando mais atenção na vida ela passa mais devagar? Ou talvez tomando remédios desses que trazem juventude? Afinal, nosso único sinal de que o tempo está passando é ver a gente e as pessoas à nossa volta envelhecendo. Não haveria outro modo de comprovar que os anos realmente passam se não fossem os sinais em nós. A gente veria aquela vela grande e gorda derretendo a parafina, a gente veria os nossos bichinhos de estimação morrendo, veria as pessoas mudando de casa, sentiria o cheiro de coisas apodrecendo, veria árvores mudando de cor, mas a gente se acostumaria tanto que nem perceberia que aqueles eram sinais dos anos passando. Aí poderíamos demorar mais anos - muitos anos - para ter filhos, para casar, para ficar rico, para viajar pelo mundo (e não deixar nenhum país de fora). Poderíamos não tomar decisões todos os dias, às vezes a gente deixava a decisão pro fim do mês. A gente poderia perder eventos imperdíveis porque eles se repetiriam em algum momento da eternidade que seria a vida. A primeira coisa que eu iria fazer era ser feliz. Feliz porque eu teria tempo - toda a eternidade - para correr atrás dos meus sonhos, para rever as minhas escolhas, para comprar um gatinho, para tocar piano, para aprender francês, para morar no Japão. Eu não me sentiria o tempo todo atrasada para o tempo da vida.
quarta-feira, 15 de abril de 2015
O big bang de hoje
Ela mexia as mãozinhas e sofria, parecia um ursinho bem pequenininho. Chorava. Foi a primeira vez que vi um bebezinho tão pequeno, tão perto de mim. É uma sensação bem diferente, não sei se posso definir a sensação de ver uma vida começando. A minha começou há tanto tempo, já vi tanta coisa acontecer e de repente eu vejo com meus olhos, pela primeira vez, uma vida começando naquele segundinho. Eu tratei logo de segurar as lágrimas, porque ninguém ali chorava e eu era a parente mais distante. É uma daquelas poucas sensações da vida que transformam a gente num instante. Tinha uma mulher ali, um barrigão e muitos meses de espera. De repente tem uma mulher magrinha e uma vidinha que acabou de começar bem na minha frente. Foi emocionante.
terça-feira, 14 de abril de 2015
Tento
Tento escrever uma poesia
Mas eu não sei o que é uma poesia,
Nem como é que se faz uma.
Eu tento mesmo assim
Porque eu acho que tudo,
Tudo, tudo, tudo nesse mundo
Fica um pouco melhor
Com um pouco de poesia.
Mas eu não sei o que é uma poesia,
Nem como é que se faz uma.
Eu tento mesmo assim
Porque eu acho que tudo,
Tudo, tudo, tudo nesse mundo
Fica um pouco melhor
Com um pouco de poesia.
quarta-feira, 8 de abril de 2015
Quem escolheu quem
Não sei
se eu escolhi essa vida
ou se essa vida me escolheu.
Não sei
mas em qualquer um dos casos
todo mundo sai perdendo.
se eu escolhi essa vida
ou se essa vida me escolheu.
Não sei
mas em qualquer um dos casos
todo mundo sai perdendo.
quarta-feira, 1 de abril de 2015
Home-less
Desde que vim pra cá passei a ver mais mendigos. No parque, nas ruas. Tem alguns cujo cheiro é quase obsceno. Alguns que tem rituais como preencher o banco de papelão, colocar todos os pertences na ponta do banco e sentar virado de costas para quem passa. Fico criando histórias na minha cabeça: por que aquele crackudo está levando a mãe - ou a avó - para passear numa cadeira de rodas? Será que ele a espancou até que ela não pudesse mais andar, ou será que ele só quer fazê-la bem? Acho que o pior é olhá-los nos olhos - que tipo de trauma passou com você? O que te faltou? Te faltou tudo? Você já foi rico, já foi homem, já foi alguém? E aquele casal de mendigos que eu vi outro dia? Eles se sentavam juntos, esparramados no banco, trocando piolhos e dividindo o cheiro ruim. Quem passava na rua talvez nem via, mas com certeza sentia o cheiro. Uma vez eu voltava para casa no fim de um dia quente demais e dei de cara com um mendigão negro, pegando água do esgoto com um copinho e se banhando. Aquele dia eu chorei.
terça-feira, 31 de março de 2015
segunda-feira, 30 de março de 2015
Uma pinta no olho
Encontrei um cara outro dia no parque
ele tinha uma pinta em cima do olho direito
e talvez aquela pinta tenha afetado o ouvido direito
porque ele não conseguia colocar o fone de ouvido
- só no ouvido esquerdo.
sexta-feira, 20 de março de 2015
rallenta
O psicólogo
o professor
o gastroenteorologista
A mulher
o pai
os irmãos
todos falam para desacelerar
até mesmo a religião: "desacelere"
Como é que se faz isso
ele não sabe - nunca aprendeu -
nem ninguém sabe dizer.
o professor
o gastroenteorologista
A mulher
o pai
os irmãos
todos falam para desacelerar
até mesmo a religião: "desacelere"
Como é que se faz isso
ele não sabe - nunca aprendeu -
nem ninguém sabe dizer.
domingo, 15 de março de 2015
de para
De triste foi para tranquilo
e de tranquilo para morto.
Depois de morto,
o que restou foi só para quem ficou
- mas pouca gente ficou,
porque as pessoas esquecem
e superam
e fica tudo bem.
De bem vai para normal
e de normal para morto.
Pelo menos
Perdão
perdão
perdão
perder
pedra
pertinho, perdão
perdido
pelado
pescoço
perdão
penso
pensar
pesado
pêlo
pêndulo
pedir perdão
perdão
perdão
perder
pedra
pertinho, perdão
perdido
pelado
pescoço
perdão
penso
pensar
pesado
pêlo
pêndulo
pedir perdão
Perdão
[Que coisa mais evoluída essa
de pedir perdão.]
Se de repente os céus me chamassem,
e eu morresse bem agora - antes de você pedir perdão -
você perceberia, então, a falta que faz
para mim, para você, para a paz mundial
só um perdão?
sexta-feira, 13 de março de 2015
sexta-feira, 6 de março de 2015
Turquoise Hexagon Sun
Naquele videoclipe na internet, eu vi claramente o quanto somos forminguinhas audaciosas e prepotentes que achamos que vamos chegar a algum lugar, mas todo mundo quer chegar no mesmo lugar e não há lugar pra todo mundo. Vi também o quanto está tudo o tempo todo em movimento, nada pára nem por um segundo, nem quando dormimos, nem se entrarmos todos em coma. A Terra mexe, e os átomos mexem, e o ar mexe e o nosso organismo mexe e, mesmo se nada disso mexesse, a Terra está flutuando num infinito invisível de uma mini galáxia de um espaço que acho que nem Deus sabe o fim. Entende onde eu quero chegar? Sim? Que bom, então vá tomar o seu banho e ir trabalhar porque sábado e domingo você pode achar que descansa e voltar a fazer tudo de novo na segunda-feira.
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
Por aqui
Desta vez escrevo para vocês dois que me lêem. Ninguém além de vocês dois me lê então portanto isso que escrevo só pode ser para vocês. Quero contar como é viver por aqui. E pode ser sim que desta vez eu tenha misturado realidade e ficção (normalmente é só ficção). Aqui é assim: tudo é caro, só tem gente bonita no boteco (que nem é assim tão boteco) e podemos andar à pé. Estamos pertinho de tanta coisa! É muito doce pensar que a qualquer hora que eu chegar em casa quem eu quero vai estar aqui. Acho que isso é a maior vantagem desse lado de cá. Gosto também do ar e do silêncio. Eu sempre sou o mais barulhento de todos os sons por aqui. Aqui combina com jazz e combina com chá à tarde. Combina com muita leitura e filmes interessantes. Gosto de receber gente, de barulho na casa. Gosto de ficar sozinha aqui também - gosto mais ainda de ficar acompanhada. Eu gosto de achar as minhas coisas nos lugares onde eu deixei ontem, mas também sinto falta delas guardadinhas com cheiro de mãe.
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
Cartão
Quando chegou o dia do meu aniversário e você não me escreveu nenhum cartão eu me questionei se você me conhecia de verdade. A falta das suas palavras me deixou muito triste.
Uma parte do cérebro pensa nisso também
A rotina, o dia a dia, o cotidiano, o costumeiro, o de sempre, o comum, o diário. O aqui e agora, o neste instante, o momento, o hoje. Quem sou eu - a descoberta do eu - o que eu quero ser, por que estou aqui, o que estou fazendo aqui? Ser onde, estar o quê, fazer como? Amar, cair, ficar, pertencer, não pertencer. Estar e não estar. Pode estar e não estar? É preciso ser alguma coisa? Estar se tornando, voltar a ser, nunca se tornar. O passado não existe, não existe futuro também - só existe o exatamente agora. O tempo está passando para todo mundo igualmente, mas para alguns não dói.
Not interesting
Escrever faz parte da minha salvação - do meu mundo secreto, da minha vida paralela. Sou tipo uma agente dupla que trabalha para servir de espiã do mundo para mim mesma. Eu vivo para observar e escrever sobre o que eu observo. Só preciso achar um pseudônimo, um alterego, porque escrever sobre mim mesma não interessa a ninguém.
O cão da raça Boxer
Eu me lembrei de repente de um ano novo bem antigo na nossa casa de campo. Eu era bem pequena, mas já passava dos dez anos de idade. Lembro de caminharmos pelas ruas dos quarteirões vizinhos, eu e a minha irmã do meio, e talvez a família toda. Lembro que no meio do caminho um cão da raça Boxer de cor marrom clara começou a andar com a gente. Aí alguém como o Miguel talvez disse que aquela raça de cão era super boazinha e adorava pessoas e carinho. Nós adotamos o Boxer marrom e deixamos que ele nos seguisse até nossa casa. O ano novo foi se aproximando e ele ficou lá: fizemos a ceia, papai acendeu um rojão com o Miguel, mamãe ficou cuidando da cozinha com a Glades. A impressão era de uma casa cheia, animada. Lembro da figura do meu pai dando gargalhadas com o Miguel e uma cervejinha na mão. Eu fui obrigada a ficar com o filho mais novo do Miguel porque ele era exatamente da mesma idade que eu (e eu sempre pensava: "e daí?"), ele era um pouco devagar e nós nunca ficamos amigos. Então nós todos assistimos o especial da Globo e festejamos tomando coca-cola e esperando a hora de ir dormir, que nessas ocasiões era super tarde. De tempos em tempos eu ia até o cão da raça Boxer ver se ele queria mais pão, mais água ou mais carinho. Eu tinha uma esperança enorme de que o papai ou a mamãe iriam aceitar ficar com ele pra sempre. Ele ficou lá o tempo todo, até mesmo depois dos fogos. Acontece que no dia seguinte eu acordei e fui correndo lá fora, perto do pratinho de comida dele, e ele não estava mais lá.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015
A (falta de) função da complexidade
Que deus é esse que criou um homem tão complexo? Que colocou no homem a saudade, a baixa auto-estima, a insegurança, o complexo de inferioridade, a indecisão, a vontade de ir quando tem que ficar, a vontade de sair voando, a coragem de coisas absolutamente insensatas, o tesão por maluquices, as taras, as imundícies, a vontade de morrer? Não faz o menor sentido sermos assim tão complexos. Tudo no nosso corpo foi absolutamente calculado e tudo funciona em função de nos manter funcionando. E isso significa que deve haver alguma função em nos fazer tão complexos.
domingo, 25 de janeiro de 2015
Adeus
Você sabe reconhecer um adeus? Quando ele acontece, você sabe que ele está acontecendo? Você se dá conta que é ele? Eu acho que eu sim. Eu sinto ele soprar no meu pescoço o seu bafo insuportável. Me dá um pouco de melancolia sentir minha mão escorrendo no ar depois do adeus disfarçado de tchau. Espero que você perceba os adeus que lhe chegam. Quando a gente percebe a saudade fica menos pesada.
sábado, 24 de janeiro de 2015
O deus agora
Você disse para eu confiar no agora.
O agora, saiba,
foi naquele instante, naquele agora,
a minha religião.
O agora, saiba,
foi naquele instante, naquele agora,
a minha religião.
sábado, 13 de dezembro de 2014
A sua casa
Essa é a sua casa e eu sou uma visitante. Vim visitá-lo para dizer que esse momento vai ficar registrado desse jeito: foi assim que nós não começamos uma vida juntos.
quinta-feira, 11 de dezembro de 2014
Espero que você leia depois do natal
1. Esse porquinho é a sua alforria. Quando comprei o porco, além de achá-lo cheio de significados, de sentimentalismo, de delicadeza e de graça, achei-o como um vale-o-seu-gosto. Por que vale o seu gosto? Porque ele custou caro, bem caro e, por ele ter custado caro, ele exige a sua felicidade. Isto é: se ele não te agradou, vá até a loja e seja feliz escolhendo qualquer item maravilhoso com aquele valor. Seja feliz porque me foi caro: goste dele, ache-o tão espontâneo e original quanto eu achei ou troque por alguma coisa linda que te agrade e te deixe muito feliz. Porque eu só quero que você seja feliz. A Monja Cohen inclusive diz que amar é querer que o outro seja feliz, com ou sem a gente. Eu quero que você seja feliz, meu amor, com ou sem o porquinho (mas de preferência comigo).
2. Por que diabos um porquinho teria tantos significados? Porque um porquinho foi o meu primeiro amor. Inclusive já dediquei um texto à ele, chama-se "Meu Primeiro Amor" é de 30/01/09:
2. Por que diabos um porquinho teria tantos significados? Porque um porquinho foi o meu primeiro amor. Inclusive já dediquei um texto à ele, chama-se "Meu Primeiro Amor" é de 30/01/09:
Eu tinha um ursinho de pelúcia que era um porco. Eu devia ter uns 9, 10 anos. Ele era bem rosinha, vestia um suspensório marrom-escuro e uma camisa social branca de bolinhas pretas. Era pequeno e magrinho, o porquinho. As pernas e os bracinhos eram fininhos e o corpo bem cheinho. Tinha uma carinha simpática. Eu dormia abraçada nele, acordava e o levava para aonde eu fosse. Ele me dava paz, me protegia. Uma vez fui com a minha família para uma dessas viagens, devia ser a Disney, e eu levei meu companheiro porquinho. Ele não tinha nome, porque eu nunca precisava chamá-lo: ele não me abandonava. Fomos juntos em todos os brinquedos do parque, e na hora de voltar para São Paulo, eu o esqueci no banheiro do aeroporto. Ele me abandonou. Senti falta de tê-lo dado um nome, porque eu não pude chamá-lo. Me desesperei tanto, que pensei que minha vida não tinha mais sentido. Eu não queria voltar para casa, porque eu esperava que ele fosse voltar para mim. Mas ele não voltou. Ele nunca foi encontrado (ou se foi, foi por outra garotinha) e eu tive que voltar. Demorei muito tempo para superar a perda do porquinho de suspensório. Meu pai me deu outros bichos para tentar amenizar, tipo um tatuzinho cinza que usava lenço vermelho, mas nada substituiu o meu porquinho. Domingo eu faço aniversário. Completo 22 anos. E eu queria que o meu porquinho estivesse aqui para comemorar o meu aniversário comigo.3. Eu acho que encontrei em você o meu porquinho de suspensórios.
terça-feira, 9 de dezembro de 2014
Abra os olhos
Boa noite.
Fecha os seus olhos, amor.
Por que deixá-los abertos,
por que me olhar assim?
Meu amor, não se preocupe,
enquanto os seus olhos não abrem
os meus estão abertos por nós dois.
Eu observo o trem que passa,
o tempo que passa, o minuto que passa,
a vida passando.
Continua sem abrir os olhos,
eu observo por nós dois:
vejo o casal que passa,
vejo como eu poderia estar passando,
eu vejo muitas coisas - coisas demais
(e todas elas estão passando).
Fecha os seus olhos, amor.
Por que deixá-los abertos,
por que me olhar assim?
Meu amor, não se preocupe,
enquanto os seus olhos não abrem
os meus estão abertos por nós dois.
Eu observo o trem que passa,
o tempo que passa, o minuto que passa,
a vida passando.
Continua sem abrir os olhos,
eu observo por nós dois:
vejo o casal que passa,
vejo como eu poderia estar passando,
eu vejo muitas coisas - coisas demais
(e todas elas estão passando).
Caminho alterntivo
Algumas vezes o papai decidia que queria ir pelo caminho alternativo. A gente então entrava numa estradinha secundária de terra - um mundo mágico de pinheiros gigantes com um espaçamento perfeito entre cada pinheiro. Eu ficava observando pela janela e imaginando a quantidade de filmes que dava pra fazer naquela estradinha secundária. Eu sempre torcia para pegarmos aquele caminho.
Fotos
Não tenho apego a fotos antigas, quero abrir espaço na gaveta para as novas. Na verdade quero abrir um rombo na minha vida para uma vida nova.
domingo, 7 de dezembro de 2014
Virada (a la Arnaldo Antunes)
O bebê vira homem. A larva vira borboleta. A semente vira árvore. A cápsula vira café. O pó vira suco. A página vira livro. O livro vira biblioteca. O filho vira pai. A mãe vira avó. A tela vira quadro. A nota vira música. O milho vira pipoca. O pixel vira filme. O beijo vira sexo. O choro vira riso. A noite vira dia. O minuto vira hora. O hoje vira ontem. A gota vira mar. A dor vira cócegas. Tudo nessa vida vira outra coisa e eu ando pensando se não é minha hora de já ter virado alguma coisa.
continentes
Mesmo que estejamos no mesmo barco, que sejamos do mesmo time, que desejamos as mesmas coisas, mesmo assim eu ainda acho que estamos em barcos diferentes, em outros continentes.
Solidão
O que tem na solidão de tão bom? Você disse que quer ir sozinho, pode ser melhor para mim também descobrir o que há na solidão que é tão bom. Só tenho receio de ir descobrindo aos poucos e ir amando e não querer mais juntar-me a ninguém.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2014
um mais um e eles dois
E lá estavam eles, no meio da festa, trocando poemas.
Ela não lembrava de cor os seus próprios, então teve que ler uma cola.
Ele ficou bravo, até ofendido: "você tem que saber seus próprios poemas de cor!"
Então ele receitou no ouvido dela um poema da matemática da vida.
Muito bem feito.
E ela se calou.
Ela não lembrava de cor os seus próprios, então teve que ler uma cola.
Ele ficou bravo, até ofendido: "você tem que saber seus próprios poemas de cor!"
Então ele receitou no ouvido dela um poema da matemática da vida.
Muito bem feito.
E ela se calou.
segunda-feira, 24 de novembro de 2014
Cedo
Ainda é cedo, eu sei. Meu Deus como é cedo, é cedo demais. Tão cedo o sol nem raiou, ainda é noite, veja, é cedo demais. Eu sei, meu bem, eu sei que é cedo, mas eu também tenho um problema com o tempo - eu acho que estamos perdendo tempo. Acho que o cedo vai embora antes que você consiga abrir os olhos da piscada anterior. É cedo demais para fazer as coisas que estamos adiando, só para elas é cedo demais.
Não sei
O meu desejo é por novidade - quero encher o cérebro de coisas novas. Quando eu morrer terei mais coisas para ver antes que me levem para a outra camada. E não só por isso, é pela magia que as coisas novas tem. Imagine você que outro dia conheci Cartola. Um amigo meu de longuíssima data me mostrou. Ele sabia que eu ia me emocionar. Ele entende o quanto o mundo guarda essas pessoas cheias de arte - e é a arte que salva nossas vidas todos os dias. Mais uma vez esse meu amigo me faz ficar acordada pra escrever. Dormir pouco é a minha solução - talvez até eu um dia escreva um livro aqui na madrugada, nessa mesma madrugada que se prolonga para a eternidade a partir do momento que está escrita aqui. Eu não sei se conseguirei ser feliz um dia sem um pouquinho de arte. Será que na minha vida futura, na minha vida que se aproxima eu vou ter arte todos os dias? É a mágica, não sei viver sem ela.
quarta-feira, 12 de novembro de 2014
Oito para as onze
Dez para as onze. Na minha mesa: uma crítica ao filme que eu não quero ver, mas que eu me arrependi de ter desprezado na sua cara. Eu devia ter desprezado só internamente. Tem também um tubo de hidratante que já estava no fim, mas ainda tinha um pouco então eu cortei o tubo e descobri que ainda tinha muito. Ouço uma música de violão - achei que eu tinha enjoado de músicas de violão, mas não: elas é que tinham enjoado de mim. Oito para as onze, melhor eu começar a fazer alguma coisa útil. Vou desenhar um gatinho com as minhas canetas coloridas. Queria ter nascido com uma voz boa para cantar, músicas são bem mais vendáveis do que textos ou desenhos de gatinhos.
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
我爱你
Ele me escreveu em chinês como se fosse para esconder de alguém. Mas esconder de quem? Traduzi. Entendi por que ele escreveu em chinês. Era preciso esconder do universo. Ele, comprometido até o fundo da alma, escreveu em chinês que me amava. Ele disse: "me diga sim - pode até ser em chinês - e eu me caso com você agora". Eu não disse nada e nunca mais nos vimos.
Ressaca
Quando amanhecer,
e talvez ventar,
e talvez chover,
o que é dor vai doer,
o que é triste, entristecer.
Mas o que fazer
se o adeus só vai arder
quando o dia amanhecer?
e talvez ventar,
e talvez chover,
o que é dor vai doer,
o que é triste, entristecer.
Mas o que fazer
se o adeus só vai arder
quando o dia amanhecer?
terça-feira, 28 de outubro de 2014
Fale com ela
Eu fui embora tão vazia, que não levei todo o meu ser comigo. Parte de mim ficou fincada na sua cama. Parte de mim continuou sentada do seu lado, pedindo que você parasse de olhar a TV e olhasse pra mim. Eu estou aqui: me veja, me ouça, fale comigo. A parte de mim que foi embora comigo mal soube o caminho de casa. Que casa, meu Deus, que casa?
Quando o amor partiu
O amor saiu de fininho, numa noite bem tranquila. Ele deixou tudo para trás para não fazer barulho e foi embora pela porta lateral da cozinha. Ninguém percebeu: nem a empregada, nem o cão, nem a própria noite. O amor pegou a estrada e ao chegar no meio do caminho passou a doer - e doeu, doeu, doeu. Mas o que fazer? Voltar, seguir? O amor, já no meio da estrada, indeciso, doendo, cansado, resolveu: vou voltar. Acontece que o destino, tantas vezes inimigo do amor, preparou uma surpresa: antes mesmo de dar meia-volta o amor foi atropelado pelo trem que passava.
quinta-feira, 23 de outubro de 2014
Relacionamento
Enchi o tanque de gasolina, agradeci e segui para o trabalho. No terceiro semáforo eu olhei para o carinha que entrega panfletos e me dei conta que o meu lugar não é aqui. Que o mundo está acabando - pode ser que não tão já - mas eu preciso otimizar o meu tempo. Eu comecei a ver as coisas desmoronando como uma cena de filme de apocalipse. Eu desmoronei junto - tão insignificante que sou. Talvez, muito talvez, se eu fizesse alguma coisa que me desse algum sentido eu não desmoronasse com o mundo. Mas para isso eu precisaria terminar meu relacionamento com a vida e começar outro, com outra vida. O problema é que essa vida não quer terminar o relacionamento comigo e eu não tenho forças para dizer adeus. O semáforo abriu e eu preciso ir trabalhar.
sexta-feira, 10 de outubro de 2014
Rasgue todas as cartas anteriores, é essa que vale:
Não sei mais, Oscar. Acho que você me deixou muito sozinha
todo esse tempo e agora eu também não quero mais a sua companhia. Fiquei
esperando uma notícia sua e conforme ela não chegava eu fui murchando,
murchando e agora acho que eu não consigo mais ver a mágica. Ela sumiu. Eu sei
que a culpa não é sua, mas eu nunca encontrei ninguém para me falar da mágica
além de você. Eu suspeito que você encontrou alguém para levar para a outra
camada da Terra, já que eu sempre insisti em ficar. É, acho que a culpa foi
minha. Não precisa rasgar nada, só me deixe aqui que eu sei me adaptar como ninguém. Ana.
quinta-feira, 9 de outubro de 2014
Caroço
O laudo médico não identificou, mas existe um caroço instalado no meu peito. Eu sei que ele está lá, porque o que sinto agora não é um sentimento, é um caroço.
O que você quer?
O que eu quero não deve estar em você, deve estar em mim. Não é uma resposta fácil, nem sei se consigo responder. O que eu quero é saber se estou no lugar certo. Achei que de repente você pudesse me ajudar a descobrir, já que você me fez pensar em tanta coisa. Você me disse coisas que eu gravei no bloco de notas e sempre que me dá branco da vida eu leio. O que eu quero é sentir alguma coisa. O que eu quero é aprender, é ouvir, é descobrir. Eu não sei o que eu quero. Eu quero sumir, mas não quero sumir sozinha e talvez nem queira sumir muito, só um pouquinho. O que eu quero? Não quero nada, desculpe incomodar.
domingo, 5 de outubro de 2014
Quinze minutos
Não troquei a roupa de cama, não estudei meu texto, não limpei a gaiola, não dormi 12 horas, não conversei com você, não terminei meu livro, não escrevi nada que preste, não assisti nada que preste, não fiz nada que queria e agora faltam quinze minutos para ser segunda-feira de novo.
Já saímos
Você pede vinho tinto
torradinhas
pede para baixar o ar condicionado
bis pro jazz
pede licença pra ir ao banheiro
volta, senta, dá um gole no vinho.
Qual o nome do garçom, vamos trocar de mesa?
Trocamos
Agora sim, dá pra ver melhor a banda
o cello, o piano, a mulher cantando
Você pede uma água gelada
mais gelo, mais pão
pula a entrada, pula assunto de trabalho
pula esse assunto também
"Passa logo eleição,
não aguento mais pesquisas"
Acho que vou pular a sobremesa
Café, palitos de dente
guardanapos com marcas de batom
Eu olho a mesa vazia:
nós já saímos.
torradinhas
pede para baixar o ar condicionado
bis pro jazz
pede licença pra ir ao banheiro
volta, senta, dá um gole no vinho.
Qual o nome do garçom, vamos trocar de mesa?
Trocamos
Agora sim, dá pra ver melhor a banda
o cello, o piano, a mulher cantando
Você pede uma água gelada
mais gelo, mais pão
pula a entrada, pula assunto de trabalho
pula esse assunto também
"Passa logo eleição,
não aguento mais pesquisas"
Acho que vou pular a sobremesa
Café, palitos de dente
guardanapos com marcas de batom
Eu olho a mesa vazia:
nós já saímos.
segunda-feira, 29 de setembro de 2014
Livro de flores
Toda sexta-feira (ou quase toda) era dia de brinquedo. Na verdade, acho que só uma sexta-feira por mês. É, devia ser uma por mês porque eu lembro de ser um dia especial, devia ser raro. Naquela vez eu tinha ganhado um livro do meu pai sobre flores, um livro duro com ilustrações em papel transparente mostrando as pétalas, as sementes, os bichinhos que ficam em flores. Eu tinha adorado o livro, mas eu gostava mesmo era de brincar de boneca. Fui pegar as bonecas na prateleira para levar para o dia do brinquedo quando o meu pai perguntou: "vai levar o seu livrinho novo?". Eu não ia levar, ia pegar minhas bonecas cor de rosa, mas algo me fez ficar com não sei que tipo de sentimento: pena, gratidão, carinho. Levei o livro. Ele sorriu, mas eu tenho certeza que nem se deu conta a importância daquele meu gesto. Cheguei na escola um pouco nervosa, as aulas foram todas meio difíceis, mas eu sobrevivi até a hora do recreio. E então, na hora do recreio, eu mergulhei em profunda tristeza: as meninas se juntaram todas numa rodinha com as suas bonecas e brincaram. Eu fiquei do outro lado, sentada na escada com meu livro de flores, só olhando.
Coraçõezinhos
Sempre penso naquele dia que a D foi a rainha soberana entre os colegas. Ela mandava e todos tinham que fazer o que quer que fosse, embora a ordem fosse basicamente para ficar bem ou mal com alguma pessoa. Era um código secreto que nós crianças fazíamos sem que nossos professores percebessem. Nesse dia a ordem era para ficar mal comigo, todo mundo obedeceu. Todo mundo menos o Arthur que, distraído como sempre, nem percebeu o que estava acontecendo. Ele sentou do meu lado e aceitou brincar de desenhar comigo. Eu lembro direitinho do desenho no papel: coraçõezinhos de ponta cabeça. Ele ficou tão vermelho quando reparou no papel que eu acho que ele - tão pequenininho - interpretou qualquer coisa no meu desenho.
D.
Muitas das minhas lembranças da infância levam D comigo. Acho tão doce esse pensamento de que quando eu era pequena brincava tanto de boneca, de faz de conta, de pequenas pessoinhas do tamanho de um grão de arroz. Mas o mais doce é pensar que o meu jeito de brincar era igual o jeito que D brincava. E a gente mais ria que brincava. A gente ria de absolutamente tudo. Lembro de nós duas descobrindo a adolescência juntas. Ficávamos espantadas com meninos olhando nossas saias. "Mas que diabos tem de tão legal nessa sainha de praia?". A gente era maior que tudo isso. Maiores que qualquer coisa. Porque a gente tinha aquela cumplicidade de quem brincava de Barbie juntas. Um dia eu tive uma despedida importante na minha vida e ela estava do meu lado. Ela chorou comigo. Mas acho que aquele dia foi nossa despedida também, nunca mais eu vi D.
Tento não
Tento não pensar muito nas coisas, nos tempos.
Tento não raciocinar, igual àquelas pessoas que frequentam igrejas, cegas.
Tento não me aproximar demais de certas pessoas, dessas que arrepiam
os nossos pelos da pele
Tento, tento, tento
E de tanto tentar
continuo tentando.
Tento não raciocinar, igual àquelas pessoas que frequentam igrejas, cegas.
Tento não me aproximar demais de certas pessoas, dessas que arrepiam
os nossos pelos da pele
Tento, tento, tento
E de tanto tentar
continuo tentando.
terça-feira, 23 de setembro de 2014
Beliscão
Eu tinha cinco anos. Era pequena, barriguda e modéstia parte, tinha cabelos lindos. Adorava brincar com massinha de modelar - me sentia uma artista plástica quando me davam massinha. Adorava também a caixinha de sapato com itens de higiene ou a "caixinha de higiene", como chamavam lá na escola. Dentro dela a gente guardava 1 escova de dente, 1 pasta, 1 toalhinha, 1 sabonete e 1 pente ou escova de cabelo. Eu gostava de colocar o casaco verde do uniforme pendurado em um dos ganchinhos na parede lateral da sala.
Nesse dia específico eu estava voltando do banheiro a caminho da sala de aula, quando uma aluna bem menor do que eu se aproximou. Era loirinha, tinha cara de atrevida e devia ter uns 3 ou 4 anos. Bem, esse projeto de gente se aproximou de mim e ficou me olhando curiosa. De repente, me deu um beliscão no braço. Peste danada! Eu lembro de ficar confusa, nervosa (porque doeu!) e de pensar um pouco antes de tomar uma atitude. Então eu fiz exatamente o que me pareceu mais apropriado: dei um beliscão de volta na safada. "Pronto, agora estamos quites" eu pensei. Mas não! A miseravelzinha soltou um berro e começou a chorar escandalosamente. Ai meu Deus, e agora? Veio a professora, a diretora e mais um monte de curiosos.
- O que houve? - Perguntaram.
A menorzinha não esperou um minuto sequer e respondeu toda chorosa:
- Ela me deu um beliscão!
Ah, que atrevida!
- Ora, mas ela fez isso em mim primeiro. - Eu logo disse.
Sabe o que a diretora da escola me respondeu?
- Mas ela é bem menor que você, você não pode fazer isso! Vai ficar de castigo.
E esse foi o dia que eu, aos cinco anos de idade, descobri a miserável injustiça que assola os seres humanos desde o começo da vida.
Nesse dia específico eu estava voltando do banheiro a caminho da sala de aula, quando uma aluna bem menor do que eu se aproximou. Era loirinha, tinha cara de atrevida e devia ter uns 3 ou 4 anos. Bem, esse projeto de gente se aproximou de mim e ficou me olhando curiosa. De repente, me deu um beliscão no braço. Peste danada! Eu lembro de ficar confusa, nervosa (porque doeu!) e de pensar um pouco antes de tomar uma atitude. Então eu fiz exatamente o que me pareceu mais apropriado: dei um beliscão de volta na safada. "Pronto, agora estamos quites" eu pensei. Mas não! A miseravelzinha soltou um berro e começou a chorar escandalosamente. Ai meu Deus, e agora? Veio a professora, a diretora e mais um monte de curiosos.
- O que houve? - Perguntaram.
A menorzinha não esperou um minuto sequer e respondeu toda chorosa:
- Ela me deu um beliscão!
Ah, que atrevida!
- Ora, mas ela fez isso em mim primeiro. - Eu logo disse.
Sabe o que a diretora da escola me respondeu?
- Mas ela é bem menor que você, você não pode fazer isso! Vai ficar de castigo.
E esse foi o dia que eu, aos cinco anos de idade, descobri a miserável injustiça que assola os seres humanos desde o começo da vida.
quarta-feira, 17 de setembro de 2014
Bobagens guardadas no iphone
Desde as tragédias gregas, Roma, Cristo, os homens das cavernas, a época que quiser, desde lá atrás o drama humano sempre foi o mesmo. Concordo com Helio Schwartsman que diz que a moral é historicamente determinada. Então, o pensamento é o seguinte: o homem sempre foi deprimido, homossexual, transsexual, drogado, pervertido, inconstante, mal caráter, frágil, enfim, todas essas coisas que ele é hoje. A diferença é a moral, que depende de cada época. Somos prisioneiros de nosso tempo (essa frase também é do Helio). Se antes era normal escravizar, hoje não é mais. Se antes era um escândalo divorciar, hoje não é mais. Acho que os tempos atuais estão mais caretas em muita coisa - não se pode nem mais ser triste em paz. Existe agora esse insuportável do politicamente correto, fumar virou quase um crime. Claro, lógico que é muito mais fácil listar as coisas que ficaram mais liberais e por isso nem vou perder tempo. Eu só fiquei pensando que oras bolas, já se passou tanto tempo desde o tempo das cavernas, por que é que o homem não evoluiu? Por que não adaptamos as questões morais, as filosofias, as discussões, as leis, as normas que regem o mundo para que a gente se tornasse seres melhores? Por que é que a gente não deixou de ser inseguro, frágil, depressivo, mal caráter, assassino, todas as características ruins, por que diabos elas ainda não foram eliminadas? O homem é tão gênio a ponto de criar uma coisa tão, mas tão revolucionária quanto um Smartphone, mas para as questões tão primárias de comportamento e sentimento não existe genialidade no mundo que possa transformar todos os homens em Dalai Lamas.
domingo, 14 de setembro de 2014
O Ganso
Eu tinha nove anos, talvez menos. O trabalho era de ciências e a gente precisava formar dupla e escrever sobre algum animal. Eu me juntei a uma menina tímida, boazinha, quietinha chamada Fernanda. Por onde anda a Fernanda? Será que já se casou? Será que continua tímida e boazinha? Decidimos escrever sobre o ganso. Fomos espertas, porque a avó da Fernanda tinha um ganso em casa e por isso seria mais fácil desenhá-lo, falar sobre sua alimentação, etc. [Lembrando que naquela época as pesquisas eram feitas nas enormes enciclopédias que pesavam nas estantes das casas.] Fomos até a casa da avó da Fernanda e passamos o dia atrás do ganso. A parte triste é que descobrimos que o ganso é um animal bravo, que está sempre a postos para se defender, por isso não podíamos nem sonhar em chegar perto para sentir suas penas. Eu me lembro do meu desenho com setas indicando onde ficavam as penas, o bico, as patas. Mas me lembro mais ainda de ficar durante muito tempo da minha vida ressentida com os gansos por serem tão bravos.
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Conto (quase) infantil
Esse é o caso de uma raposa fêmea e um besouro macho. Dois bichos muito próximos que sempre que podiam ficavam juntos.
- Mas juntos como? - Você poderia perguntar.Juntos, bem juntos, parecido com a mamãe e o papai quando voltam do supermercado. Eles ficavam rindo ou conversando ou só dizendo coisas sem sentido, juntos. Um dia a raposa, que lembre-se: era fêmea, e o besouro (macho) combinaram de fazer um passeio juntos no dia seguinte. A raposa então passou a se preparar. Nem esperou o dia seguinte e já foi logo escolher a roupa que usaria, o casaquinho que combinaria com a camisa e os sapatinhos de raposa. Preparou tudo e foi dormir. No dia seguinte a raposa ficou ansiosa, como sempre ficava quando o besouro anunciava uma visita. Ela tomou café cheia de bom-humor, fez a ginástica matinal e foi ajeitar os seus bigodes de raposa. Depois, ainda passou uma pitada extra de perfume e deu uma lustrada extra nos seus sapatinhos, só para deixá-los mais bonitos para o besouro. Ela então sentou-se na cadeira e passou a observar o relógio, preocupada.
- Ora, a essas horas o besouro já estaria aqui, esticando as asinhas e mexendo as patas lentamente como fazem os besouros. - Pensou a raposa.A raposa não entendia por que o besouro não vinha, mas decidiu tirar os sapatinhos que apertavam tanto as suas patas. Em seguida deicidiu tirar também o casaquinho já que ele era só um detalhe para combinar com a camisa cheia de florzinhas azuis. O tempo passou e a raposa achou que não teria mais importância se de repente seus bigodes não estivessem ajeitados e coçou o focinho com a pata direita. O bigode ficou mais bagunçado do que a hora do recreio na escola. Olha, para falar bem a verdade a raposa acabou se bagunçando toda. Ela enfim esticou as patinhas e deu um cochilo na cadeira. O besouro nunca apareceu. Mas também se tivesse aparecido talvez eu não estaria contando essa história, eu estaria mexendo nas asas do besouro com as minhas patas de raposa.
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Quem
Eu me pergunto se algum psicólogo vai me dizer quem sou eu.
Depois que eu descobrir, o que é que eu faço com isso?
"Seja dono do seu barco", ele me diria.
Mas quem disse que eu quero ser dona de alguma coisa?
Eu quero é sair andando.
Se é
Eu vivo em tempos estranhos. De comunicação ao extremo, mas muita muita muita falta de olho no olho. Muita pele e pouco papo. São tempos tristes. Isso, tristes, muito tristes e solitários. Como uma música do Chet Baker, exatamente assim, com aquela voz de tristeza pura. Tempos de querer aparecer, se mostrar, tempos de mostrar felicidade. Tempos de Rivotril, porque a tristeza não é bem-vinda. A tristeza é perigosa na verdade. Ela tem matado pessoas com cintos no pescoço. Pessoas engraçadas, pessoas que eram felizes. Mas hoje quem é feliz? Não sabemos nem direito o que é isso, confundimos com dinheiro. Confundimos com amor, com drogas, com espelho, com televisão. Eu não sei também, não olhem pra mim. Eu tanto não sei que às vezes chego a pensar que é Pink Floyd. Aquela música que ela grita, grita: The great gig in the sky. Eu tenho vontade de gritar como ela. Tenho vontade de me jogar dum penhasco pra ver como é - e depois sair andando. Ser feliz, que coisa imbecil. Ser vivo, ser o que se é, ser. Ser, coisa difícil. Como é que se é?
Interessante
Que diabos você queria dizer quando dizia que as músicas que eu ouvia eram óbvias? Algum deslocamento você me provocou e eu estou com mania dessa palavra: deslocamento. Acho que é o que eu busco na minha vida. Mas sabe, eu aprendi que quando a gente universaliza o que a gente escreve as pessoas acham mais interessante o que temos para escrever, mas eu nunca fui interessante. Eu sei disso. Quando alguém me diz o contrário eu não acredito, acho tão improvável.
terça-feira, 5 de agosto de 2014
Ao meu filho
Filho,
Olá. Escrevo de um tempo muito antigo. Escrevo de 2014, quando eu ainda não tinha você. Escrevo para dizer que estou vivendo o estopim de uma Guerra Mundial. Ou uma Catástrofe Mundial, não sei bem. Quero te contar o que vejo, como é que eu vejo e o que eu sinto. Hoje o Jornal Nacional começou com uma matéria sobre a trégua na Faixa de Gaza. O Rodrigo Alvarez e o Jeremy Portnoy mostraram as pessoas andando no meio das ruínas, as crianças nos parques, as mães nas feiras. Porque em dias de guerra, só se vê tiros e bombas e homens do exército e homens mortos e crianças mortas e hospitais bombardeados. Mas não. Hoje foi um dia atípico, as crianças foram surgindo da fumaça como anjos. Os homens e mulheres sorriam um sorriso medroso. Todos podiam ver o sol e respirar o ar. Essa guerra foi horrorosa, foi triste, foi suja, mas acho que parou desta vez. Sabemos que haverá uma próxima, só espero que não seja muito em breve. A segunda matéria do JN de hoje foi sobre o vírus da Ebola que infectou duas pessoas da Europa e 1600 africanas. É gente à beça morrendo, sofrendo e se contaminando. É claro que só as duas pessoas da europa receberam um tratamento digno. Eu vi uma moça gritando ao repórter que o irmão ou marido dela não era europeu e não tinha dinheiro pra ir se tratar lá fora. "Não é justo!" - ela gritava. E não é mesmo, filho. Nunca vai ser. O Templo de Salomão, que eu espero que hoje seja só uma lembrança do passado, é um exemplo da injustiça tanta que é esse mundo, meu amor. Milhões e milhões de dinheiros que pessoas pobres deram para que se construísse esse exemplo de riqueza e ostentação. Esse templo imenso, frio de pedra. Esse templo triste, esse templo vazio, esse templo de ninguém. O templo que envergonharia Jesus, tão pobrezinho. Envergonharia o nosso São Francisco, envergonha a mim. Pelo menos essa Copa do Mundo, meu filho, foi memorável (acho que sou a última pessoa da minha geração a usar essa palavra: memorável). Foi lindo, foi maravilhoso, foi especial. Eu estava tão cética, com medo de que acabasse a luz, que acabasse a energia, que acabasse o Brasil. Estava pessimista com tudo, desde a infra-estrutura até os jogos. De repente veio a Copa (e que viesse de novo!). A Copa das Copas no Brasil. Buzinas, bandeiras, cervejas, cornetas, festas, gringos e mais gringos, manchetes sobre o Brasil no mundo todo. E as nossas meninas, e as nossas praias e as nossas festas e o Leonardo Dicaprio numa lancha e Jennifer Lopes deslumbrante e tanta coisa legal! Sabe, eu hoje agradeço. Ainda bem que veio a Copa pra alegrar nosso povo! Obrigada David Luis, você alegrou muito o seu povo! Ah, filho, vamos parar essa carta por aqui, porque aí acaba bem. Você acaba sorrindo e lembrando que eu vi de perto o 7X1.
Olá. Escrevo de um tempo muito antigo. Escrevo de 2014, quando eu ainda não tinha você. Escrevo para dizer que estou vivendo o estopim de uma Guerra Mundial. Ou uma Catástrofe Mundial, não sei bem. Quero te contar o que vejo, como é que eu vejo e o que eu sinto. Hoje o Jornal Nacional começou com uma matéria sobre a trégua na Faixa de Gaza. O Rodrigo Alvarez e o Jeremy Portnoy mostraram as pessoas andando no meio das ruínas, as crianças nos parques, as mães nas feiras. Porque em dias de guerra, só se vê tiros e bombas e homens do exército e homens mortos e crianças mortas e hospitais bombardeados. Mas não. Hoje foi um dia atípico, as crianças foram surgindo da fumaça como anjos. Os homens e mulheres sorriam um sorriso medroso. Todos podiam ver o sol e respirar o ar. Essa guerra foi horrorosa, foi triste, foi suja, mas acho que parou desta vez. Sabemos que haverá uma próxima, só espero que não seja muito em breve. A segunda matéria do JN de hoje foi sobre o vírus da Ebola que infectou duas pessoas da Europa e 1600 africanas. É gente à beça morrendo, sofrendo e se contaminando. É claro que só as duas pessoas da europa receberam um tratamento digno. Eu vi uma moça gritando ao repórter que o irmão ou marido dela não era europeu e não tinha dinheiro pra ir se tratar lá fora. "Não é justo!" - ela gritava. E não é mesmo, filho. Nunca vai ser. O Templo de Salomão, que eu espero que hoje seja só uma lembrança do passado, é um exemplo da injustiça tanta que é esse mundo, meu amor. Milhões e milhões de dinheiros que pessoas pobres deram para que se construísse esse exemplo de riqueza e ostentação. Esse templo imenso, frio de pedra. Esse templo triste, esse templo vazio, esse templo de ninguém. O templo que envergonharia Jesus, tão pobrezinho. Envergonharia o nosso São Francisco, envergonha a mim. Pelo menos essa Copa do Mundo, meu filho, foi memorável (acho que sou a última pessoa da minha geração a usar essa palavra: memorável). Foi lindo, foi maravilhoso, foi especial. Eu estava tão cética, com medo de que acabasse a luz, que acabasse a energia, que acabasse o Brasil. Estava pessimista com tudo, desde a infra-estrutura até os jogos. De repente veio a Copa (e que viesse de novo!). A Copa das Copas no Brasil. Buzinas, bandeiras, cervejas, cornetas, festas, gringos e mais gringos, manchetes sobre o Brasil no mundo todo. E as nossas meninas, e as nossas praias e as nossas festas e o Leonardo Dicaprio numa lancha e Jennifer Lopes deslumbrante e tanta coisa legal! Sabe, eu hoje agradeço. Ainda bem que veio a Copa pra alegrar nosso povo! Obrigada David Luis, você alegrou muito o seu povo! Ah, filho, vamos parar essa carta por aqui, porque aí acaba bem. Você acaba sorrindo e lembrando que eu vi de perto o 7X1.
terça-feira, 15 de julho de 2014
Segunda ou terça-feira
Sempre penso em câncer. Penso em gravidez, em solidão, em catástrofe e em milagre. Penso na loteria, na fama, na decadência e na morte. Eu sempre penso nessas coisas. Passo debaixo de um viaduto e imagino ele caindo sobre mim, passo perto de um hospital e imagino minha mãe carregando o netinho que saiu de mim. Esses pensamentos me mantém em outra camada: a camada do mistério, da possibilidade, da hipótese. Eu fico rindo e chorando de dor. Fico criando histórias que podem ou não acontecer - mas dentro da minha cabeça eu vivo um milhão de vidas ao longo de um dia normal de trabalho.
quinta-feira, 3 de julho de 2014
1053 bloco A
Naquela sexta-feira eu tinha um casamento. Ou talvez uma festa chique, não sei exatamente. Quis fazer meu cabelo, minhas unhas, maquiagem. Pensei na roupa que eu iria usar, pensei se meus brincos novos combinariam. Fiquei pensando nisso e quando saí do cabeleireiro fui direto pra casa, direto, sem antes passar em lugar nenhum. Sem passar, por exemplo, no hospital. Sem passar em nenhum quarto onde meu pai estaria deitadinho esperando a minha visita. Sem passar pra ouvir como foi a cirurgia, pra ouvir que ele estava bem, que nem sentia dor. No dia seguinte me dei conta de coisas que ninguém precisa falar pra gente: coisas que a gente sente. Eu senti e doeu, doeu lá no fundo. Quis tatuar no meu braço 1053 bloco A. Escrevi de caneta no meu antebraço 1053 bloco A e sai atrás de um dia que já tinha passado, porque aquele já era o dia seguinte.
Tom crítico
Não gosto de ouvir há tantos anos que nós não conversamos direito. Conversamos sim, mas eu acho que você deve talvez não se dar conta. Porque mesmo pessoas experientes e vividas e tão (tão!) inteligentes como você às vezes não se dão conta de coisas assim. Sento ali no cantinho da cama e fico ali, horas. Conto minhas dúvidas, meus medos no trabalho, quando não estou feliz e quando estou. Você já me disse uma vez que conversar sobre livros não é abrir a alma. Engana-se e engana-se tanto. "Mas você achou que ele escreve num tom crítico? Porque, sabe, minha chefe fala muitas coisas num tom crítico e eu me sinto tão mal." Já faz tanto tempo que isso acontece. E alguns dias eu não quero falar sobre nada porque eu ainda estou aprendendo como é que se vive e às vezes eu erro tudo. Nesses dias eu quero ir direto pro quarto, pra cozinha, pro armário. E você vai se esquecendo que eu às vezes fico assim, porque eu sou assim mesmo. E você vai ficando triste, e vai se afastando mais e quando vejo, vários livros novos se acumularam no criado-mudo e eu não sei nada sobre eles, mas eu sempre sempre sempre quero saber tudo sobre eles.
sexta-feira, 20 de junho de 2014
Vigiada
Não soará falso a você se eu passar a escrever pensando em quem irá ler? Haverá uma faixa de preocupação tomando o espaço da minha alma. Não tente me fazer voltar a escrever, eu não vou mais. Perdeu a graça pensar que a minha alma está sendo vigiada.
terça-feira, 17 de junho de 2014
de tudo isso
Estou arrependida
de ter saído do útero da minha mãe
de ter dito o que eu disse
de ter ido aonde eu fui
de ser assim como eu sou
de não ser como eu poderia ser
e eu não vou mais parar de me arrepender
não hoje, não por enquanto
não aqui
não tem como.
de ter saído do útero da minha mãe
de ter dito o que eu disse
de ter ido aonde eu fui
de ser assim como eu sou
de não ser como eu poderia ser
e eu não vou mais parar de me arrepender
não hoje, não por enquanto
não aqui
não tem como.
Ficção
Desde quando vc me falou que tudo que eu escrevia estava me expondo demais eu não parei de pensar nisso. Mas ninguém lê isso aqui e se lê, nunca vai saber quando é realidade e quando é ficção. Eu misturo tudo
"And I am not frightened of dying
Any time will do, I don't mind
Why should I be frightened of dying?
There's no reason for it
You've gotta go sometime.
I never say I was frightened of dying"
domingo, 15 de junho de 2014
Eu penso em você
Penso em você nas horas mais estranhas: quando tenho raiva do trânsito, quando penso que serei demitida, quando não sou demitida e quando sou também. Penso em você quando cometo erros de português, quando penso por que existe o português e quando penso que eu poderia ter nascido no Japão. Eu penso demais em você. Questiono a sua existência no mundo, se você é mesmo desse mundo, se você existe em algum lugar ou lugar nenhum. Penso se você pensa em mim também, se você sabe que eu existo, se você já me viu passar. Eu penso muito se eu ando fazendo as coisas certas, do jeito certo, do jeito que talvez você se orgulhasse de mim. Eu penso se todo mundo tenta falar com você, se alguém consegue, se alguém já conseguiu. Eu penso se você tem mesmo vários nomes, se você tem nome, se alguém acertou o seu nome. Eu queria saber se ter um nome é mesmo importante, se existir é mesmo lindo como dizem. Se você se cansa de ser você, se você pensa em desistir como eu. Eu penso em desistir o tempo todo. Tudo que eu tenho eu penso em deixar pra lá e o que eu não tenho também. Eu não gosto quando alguém tenta comprovar que você está por aqui porque eu não consigo ver e nem sentir e fico me sentindo tão burra, tão insensível e tão sozinha. Foi você mesmo que fez tudo? E por que não desfez até agora? Você está esperando a gente desfazer tudo sozinhos? É por preguiça, raiva, decepção, desilusão? Eu tenho tantas perguntas, eu e todo mundo. Mas eu sei que você não responde nada. Não sei se por covardia ou por não existir mesmo: como pode responder se não existe? O fato é que eu pensei em você hoje e eu quis pegar a sua mão enquanto ouvia a minha mãe tocar piano. Ela nunca toca piano, mas hoje ela tocou.
sexta-feira, 13 de junho de 2014
As unhas
Quando machuco os meus dedos de tanto arrancar as unhas ou as peles em volta delas eu penso no que pode estar errado. Pode ser muita coisa, mas eu aumento o som do rádio e falo mais alto do que deveria falar - para não pensar no que pode ser. Me dá ânsia de vômito pensar na quantidade de coisas que me incomodam aqui e agora. Mas o que eu posso fazer?
quinta-feira, 5 de junho de 2014
Sequestro
Ontem eu sonhei que tinha sido sequestrada. A polícia chegou e no lugar de prender os meus algozes, me prendeu - num presídio de segurança máxima. Eu ficava isolada, com medo, desesperada, me sentindo sozinha, longe. Eu recebia notícias de que a polícia estava atrás dos criminosos, mas que enquanto não os encontrasse eu ficaria presa. Acordei num impulso com vontade de chorar. Freud, pelo amor de deus me explica. Eu estou sofrendo, não estou?
terça-feira, 27 de maio de 2014
Seremos nós
Tenho medo da falta de água, da falta de energia e da falta de um partido para votar. Tenho medo também de ficar sem emprego, de me explorarem no próximo emprego, de nunca mais me empregarem. Tenho medo dos assaltos no meu bairro, da greve que virá amanhã, do silêncio e omissão dos políticos. Porque está todo mundo normal, ninguém tem medo e eu me sinto sozinha. Ninguém percebe que a sociedade está se revoltando, que somos todos atores da peça Marat-Sade, que desse jeito não dá mais pra ficar? O povo viu, o povo sabe, não adianta mais enganar. Brecht se revira no túmulo tentando entender se no fundo haverá mesmo uma revolução, porque o mundo está silencioso diante dos gritos das massas. Como se quem não visse fosse o foco. E como eles não viram nada mesmo, eles caem na mentira. E o mundo começa a morrer ao poucos (ou só o Brasil), mas a verdade é que não está dando mais vontade de morar aqui, e quando isso acontecer com todos nós, seremos nós mesmos os haitianos.
domingo, 25 de maio de 2014
9.855 dias
Depois de tudo que eu passei
continuo igual
Desde que nasci, um feto perdido
não mudei nada
Sou assim, estou assim
e assim sempre fui
Será que todo mundo sabe
que acabei de chegar?
Antes
Antes eu preciso descansar. Minha cabeça dói e eu acho um pouco que estou pagando por alguns pecados. Espera um pouco, você já perdeu a sua chance de me chamar.
segunda-feira, 19 de maio de 2014
Porque não é
Não gosto de escrever pra você,
porque é o que eu sei fazer
e eu sei que vou ficar sem resposta
porque não é o que você gosta de fazer.
porque é o que eu sei fazer
e eu sei que vou ficar sem resposta
porque não é o que você gosta de fazer.
quinta-feira, 15 de maio de 2014
Eu fujo
Tenho medo de ficar sozinha, tanto medo.
E é desse medo mesmo que eu fujo.
Fujo tão depressa que acabo ficando sozinha.
E é desse medo mesmo que eu fujo.
Fujo tão depressa que acabo ficando sozinha.
Confusion
Eu já não quero mais morrer cinco minutos depois de ter morrido, já não sei mais o que fazer com você cinco minutos depois de termos nos amado. E eu quero partir hoje, agora, cadê minhas malas, onde estão minhas coisas? Não adianta tentar me segurar, eu não amo mais você. Mas por que você está indo embora? Não se vá, fique. Por favor fique. Não sei ficar sem você não sei, te juro. Estou mansinha e é assim que eu sou. Me perdoe se às vezes me exalto. Adeus, sou eu que estou indo embora. Estou moída demais, não posso mais ficar aqui. Adeus.
terça-feira, 13 de maio de 2014
Antes da hora
Eis que ir embora é uma desgraça.
Não se pode nem ir embora sem magoar todo mundo que fica.
Fica todo mundo querendo entender.
Mas entender o quê, minha gente? Deu vontade de ir.
Não se pode nem sair de fininho pela porta dos fundos.
Não adianta não fazer barulho e nem se fazer de bobo.
Mas sabe, acho que tem uma lógica.
Se desse pra sumir assim sem deixar rastros,
um dia ou outro, todo mundo ia embora antes da hora de ir.
Só ia ficar no mundo tristeza e espaço vazio.
Não se pode nem ir embora sem magoar todo mundo que fica.
Fica todo mundo querendo entender.
Mas entender o quê, minha gente? Deu vontade de ir.
Não se pode nem sair de fininho pela porta dos fundos.
Não adianta não fazer barulho e nem se fazer de bobo.
Mas sabe, acho que tem uma lógica.
Se desse pra sumir assim sem deixar rastros,
um dia ou outro, todo mundo ia embora antes da hora de ir.
Só ia ficar no mundo tristeza e espaço vazio.
Recolho as minhas coisas
Há uma ingratidão.
Não sei se é minha ou da vida, mas alguém está sendo ingrato.
Já que a vida é muito maior do que eu,
recolho as minhas coisas no chão e vou saindo de fininho
(mas eu não peço perdão).
Não sei se é minha ou da vida, mas alguém está sendo ingrato.
Já que a vida é muito maior do que eu,
recolho as minhas coisas no chão e vou saindo de fininho
(mas eu não peço perdão).
sexta-feira, 9 de maio de 2014
Me desculpe, noite
Me desculpe, noite, se eu a insultei sujando o seu silêncio com o barulho das teclas.
quinta-feira, 8 de maio de 2014
Ainda não
E pra que esperar, você me pergunta.
Eu não sei. E não sei mesmo.
Mas eu espero, porque um dia eu ainda hei de saber.
The great gig
Ninguém falou nada, porque todo mundo ficou com medo de falar.
E então ela entrou na sala puxou o ar pra dentro, inalando profundamente, e soltou-o gritando até o fim.
E então ela entrou na sala puxou o ar pra dentro, inalando profundamente, e soltou-o gritando até o fim.
sexta-feira, 2 de maio de 2014
No amor, estranhamento
Os olhos
amarelados
o
cabelo macio
a
pinta do lado esquerdo da boca
e
a boca.
O abraço que cabe de forma exata
no
meu braço
o
beijo que tem o gosto
que
eu gosto
a
mão que sempre encontra
a
minha.
O
horóscopo dizia:
“no
amor, estranhamento.”
No
meu poema eu digo:
“no amor, exatidão.”
quarta-feira, 23 de abril de 2014
O adeus da mamãe
Minha mãe não conseguiu falar. Como a rosa do Pequeno Príncipe que só conseguia tossir, mamãe colocou os óculos escuros e observou. De quando em quando ela chorava, mas o papel dela ali não era chorar. Também não era conversar com ninguém. Embora ela tenha uma fala calma, doce, que pode levantar qualquer um, mamãe não estava ali para isso. O papel dela era outro, poucas pessoas sabiam. Ela estava ali para garantir que a travessia do Zé fosse tranquila, que ele tivesse algum anjinho para lhe dar a mão, para que ele chegasse sem medo. Mamãe passou boa parte do tempo fingindo que estava ali, mas ela não estava, ela estava pedindo um anjinho assim e assado para ele. Um anjinho que lhe empreste um avião para ele consertar um pouquinho antes de subir, porque ele gosta muito de fazer isso, ela me contou hoje. Pouca gente sabe disso, mas o Zé saiu de fininho, de mãos dadas com o anjinho que mamãe encomendou.
terça-feira, 22 de abril de 2014
Uma visita
Um aviso interrompeu a noite
e a noite não parou para rezar
nem esperou ninguém recuperar o fôlego.
Veio a escuridão da noite
e ninguém mais falou nada.
O telefone tocou umas três ou quatro vezes
mas não tinha ninguém do outro lado da linha
- ou quase ninguém,
ou alguém sem chão,
ou alguém com muita dor.
Essa noite todo mundo falou mais baixo,
todo mundo ficou tentando entender:
por quê? Por quê, meu Deus?
Mas Deus nunca responde,
e hoje Deus está muito ocupado,
Ele tem uma visita especial.
segunda-feira, 21 de abril de 2014
de 1 a 10
1. sim
2. é bonito começar qualquer coisa que seja com um sim
3. mas eu não quero ver nada bonito, me basta fingir
4. aqui dentro sou eu que mando
5. e eu vou fugir
6. é bonito achar que se pode fugir
7. mas a gente sempre fica
8. porque é obrigado a ficar
9. isso é tão triste
10. fim
2. é bonito começar qualquer coisa que seja com um sim
3. mas eu não quero ver nada bonito, me basta fingir
4. aqui dentro sou eu que mando
5. e eu vou fugir
6. é bonito achar que se pode fugir
7. mas a gente sempre fica
8. porque é obrigado a ficar
9. isso é tão triste
10. fim
suspiro
Meu último suspiro é esse.
Mas o que é um suspiro, você se perguntaria.
Não sei, só posso supor:
uma manifestação qualquer de insatisfação,
ou de satisfação plena.
Um barulho qualquer, que eu não faço mais.
Nem importa mais o que é um suspiro,
é uma das coisas que você vai aprender com alguém,
como eu aprendi com você.
Mas o que é um suspiro, você se perguntaria.
Não sei, só posso supor:
uma manifestação qualquer de insatisfação,
ou de satisfação plena.
Um barulho qualquer, que eu não faço mais.
Nem importa mais o que é um suspiro,
é uma das coisas que você vai aprender com alguém,
como eu aprendi com você.
Suor
Caiu uma gota de suor nessa carta, mas você vai achar que é uma lágrima. Eu deixo que você pense isso, porque talvez seja bonito pra você pensar que eu sofro também. Eu morro de calor, isso sim.
Quiet
Hoje eu não vou ser eu,
porque é muito mais fácil não ser
em tempos de dor,
de arder o peito,
de sangrar as unhas de tanto roer.
É mais fácil sair
e disfarçar caminhando.
Lá fora, com tanta gente,
os barulhos se misturam
com o meu silêncio.
domingo, 13 de abril de 2014
O livro
Eu queria mesmo era escrever. Poder escrever um livro, contar uma história, arrancar todas essas frases desconexas do meu peito e conectá-las em vários capítulos. Eu queria isso, mas eu não consigo. As frases não se conectam, as palavras querem ficar sozinhas e o tempo. Ah, o tempo. Sempre o tempo. O livro todo podia ser sobre ele - a falta dele. Falta tempo para me espreguiçar melhor quando acordo, tempo para lavar melhor o meu rosto, tomar mais uma xícara de café, passar mais uma camada de esmalte nas unhas, escrever um livro. Ele nunca sobra, e eu sei que é assim com todo mundo. O meu livro podia chamar "A falta dele" e iam faltar várias páginas por falta de tempo.
terça-feira, 8 de abril de 2014
Você não está mais aqui
Eu penso em você às vezes.
Às vezes me dá até um pouco de medo, parece meio sombrio.
Você não está mais aqui para me manipular assim.
Você era tímido demais para me manipular.
Às vezes você se entregava - e eu nem percebia.
Essa foi a mágica.
Às vezes me dá até um pouco de medo, parece meio sombrio.
Você não está mais aqui para me manipular assim.
Você era tímido demais para me manipular.
Às vezes você se entregava - e eu nem percebia.
Essa foi a mágica.
Sede ao pote aquariana
Vivi, eu detesto chocolate meio amargo. Se você soubesse disso você daria risada porque eu acabei de terminar um saco de chocolate meio amargo.
1,2,3.
Ouvi a sua música e criei uma letra. A gente chegou até a pensar num contrato: eu faço a letra e você o som. Mas falhou. Falhou pra burro: eu tava lá e você aqui. Eu não podia cantar pra você de longe. Então foi criando-se a distância e a sede e então tudo acabou.
Eu e eu mesma
Eu já deixei de ter medo de ser mim, mas às vezes ainda me pego nervosa quando me vejo sozinha comigo. Ser eu às vezes me magoa, às vezes me amedronta, às vezes me acalma: sou só eu. Mas acontece que eu costumo mais ficar nervosa comigo. Chego a esquecer quem eu sou. Sabe, às vezes eu penso: ainda bem que eu tenho a mim.
quinta-feira, 3 de abril de 2014
Longe
Às vezes eu penso que se eu não tivesse medo
poderia governar alguns países
poderia ser rainha ou uma atriz de hollywood
se eu não tivesse medo
acho que eu seria Napoleão
e por que não?
Achar que tudo é possível, que dá
mas não dá - e eu tenho medo
mal saio do lugar
só vou daqui para lá
E se eu não tivesse medo, imagine?
Não estaria aqui, não.
Tem tanto lugar bom:
agora eu estaria longe, longe.
poderia governar alguns países
poderia ser rainha ou uma atriz de hollywood
se eu não tivesse medo
acho que eu seria Napoleão
e por que não?
Achar que tudo é possível, que dá
mas não dá - e eu tenho medo
mal saio do lugar
só vou daqui para lá
E se eu não tivesse medo, imagine?
Não estaria aqui, não.
Tem tanto lugar bom:
agora eu estaria longe, longe.
sábado, 22 de março de 2014
Sem nada
Queria fazer uma poesia,
mas estou ilhada.
Não consigo juntar as palavras
e aqui não há sinal
nem para uma poesia urgente
como essa.
Queria fazer uma poesia,
mas estou perdida.
Não encontro nada
- nem palavras e nem espaço.
Não há tempo para poesia
nesse meio
nesse fim de mundo
nesse espaço
sem nada.
mas estou ilhada.
Não consigo juntar as palavras
e aqui não há sinal
nem para uma poesia urgente
como essa.
Queria fazer uma poesia,
mas estou perdida.
Não encontro nada
- nem palavras e nem espaço.
Não há tempo para poesia
nesse meio
nesse fim de mundo
nesse espaço
sem nada.
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
Pra onde?
Para onde foi o meu peito
com todos os meus sentimentos dentro?
Talvez eu saiba, mas não posso falar,
acho que faria a minha mãe chorar.
O meu peito é tão brincalhão,
poderia ter pregado uma peça.
Mas acho que não,
ele tinha um pouco de pressa.
Só sei que aqui ele não ficou,
só sei que as coisas que ele me levou,
são tudo que eu sou.
Tem o tamanho
Acho tão injusto
cada minuto desses
com dor no peito.
Como se a vida fosse terminar amanhã.
Mas ela não acaba nunca - e a gente sabe,
mas fica chorando como se fosse rápida, curta, única.
É nada.
A vida tem o tamanho
de uma vida inteira.
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
Sobre a seca (hai kai)
Cai a chuva
em outro lugar
que não aqui.
Aqui fica a seca
que não cai
só fica.
em outro lugar
que não aqui.
Aqui fica a seca
que não cai
só fica.
Nesse planeta tão grande
Eu tenho o meu espaço em algum lugar de algum canto
Nem sei onde fica o lugar que eu fico
Nesse planeta tão grande
Mas quem falou que eu me preocupo?
Algum lugar eu ocupo.
Cazuza
Eu vou dar o meu desprezo
Pra você que me ensinou
Que a tristeza é uma maneira
Da gente se salvar depois
Pra você que me ensinou
Que a tristeza é uma maneira
Da gente se salvar depois
Cruz + Espada
É tanta tristeza que eu vejo
que eu já quase nem vejo mais.
É tanta saudade que eu sinto,
que eu só quero paz.
Mais nada, nada, nada.
O que mais eu poderia querer,
se estou entre a cruz e a espada?
Assinar:
Postagens (Atom)
até o barulho da porta
No café da manhã te conto um sonho você finge não entender te beijo e abraço suas costas você beija de volta e vai embora fico com as suas ...
-
No café da manhã te conto um sonho você finge não entender te beijo e abraço suas costas você beija de volta e vai embora fico com as suas ...
-
Uma cestinha. As pessoas, que eram 16, entram naquela cestinha e o cara começa a soltar fogo pra esquentar o balão. Apavorante. A cestinha ...
-
Talvez você encontre a menina que nunca disse eu te amo, a menina que não gosta de sair, que não escreve sobre você e nem ninguém. Tua menin...