quarta-feira, 30 de outubro de 2019

não adianta

tenho vontade de gritar com ela
apertá-la pelo pescoço, chacoalhá-la bem
mas não adianta, não tem jeito
nada disso tem efeito
a poesia é teimosa, mal-criada
só aparece quando quer
e nem sempre eu a entendo

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Sonhei

Eu olhava nos olhos do Steve Martin e perguntava:
como se faz para criar algo original no campo da atuação?
Ele ia responder, mas era interrompido.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Seminário

Quem é esse homem? Sobre o que ele fala?
quando me beijou na cama mais cedo sua língua era outra
"tratar o real pelo simbólico" do que se trata?
Ele fala, fala, fala grego, árabe, francês
quem é esse homem que dorme em mim?
ele diz datas, anos, um bebê chora lá fora
"no seminário de Roma" parece tão solene
quando me beijou na cama era leve, suave
ele chama o bebê de melodia agradável
e o despreza solenemente
tenta se concentrar de novo, sério
eu penso no bebê, no quanto os bebês choram
esse homem é a minha casa?
"a ruptura das coordenadas simbólicas"
não faz nenhum sentido para mim
mas eu acho bonito, queria colocar num poema
toda ruptura rende um poema
todas as suas
será que algum dia a gente se separa também?
espero que não e espero mais um pouco por ele
Sinto que ainda temos aquela venda nos olhos
aquela que se desfaz com o tempo
quando o amor se acostuma
sobre o que esse homem fala?
Alguém pergunta algo em russo
a mulher ao seu lado diz que é algo muito sério
eu penso se é sério como o aquecimento global ou o câncer
ou sério como ele, que franze a sobrancelha penteada por mim
eu sei quem é um fragmento desse homem
o meu fragmento
quero sentar no seu colo e fazê-lo rir como sempre
Esse fragmento de homem me amaria mais
se eu o entendesse inteiro?



segunda-feira, 30 de setembro de 2019

fim de semana

você prega dois quadros na minha parede
seu cachorro me fareja chegando
passa um trem na minha janela
prefiro os seus passarinhos
coloco roupas pra lavar na sua cesta
será que um dia a gente se casa no almoço
a calça do seu filho me cabe
você não gosta do churros
a moça que vasculha o lixo nos chama
o velho artista recita poesia no ipad
triste com o frio e as coisas da velhice
um estúdio com vista
pra gente imprimir amor nas paredes
o próximo inquilino vai ter que pintar
naquele monte de livros eu te conto:
uma mulher fez poesia com o movimento dos olhos
o movimento que fazemos me encanta
não gostava desse bairro
mas estou aprendendo a amar cada canto
porque é seu

Contagem das notas

Adio todos os dias a contagem das notas
já sei que não são muitas 
todos os dias me fazem pensar 
os legumes enrugados na forma 
a minha pele
contar notas é o que se faz
essas palavras que eu transbordo
me desenrugam um pouco a pele
mas não colocam legumes na forma
é preciso levantar 
e contar notas

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

de manhã

Eu sei que não dá tempo pra mais coisa
de manhã:
tem o café, o cão, o rosto para lavar
pernas que te prendem

mas sabe o que é?
precisa regar também pela manhã
faz tanto calor
manjericão gosta de água
o tomilho-limão e aquela azulzinha

sendo assim, deixe comigo
eu irei te enroscar
toda manhã te atrasarei
café, cão, rosto pra lavar
depois
prometo
eu regarei nosso jardim

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Tô falando agora

Fico querendo dizer que eu te amo em momentos que não tem nada a ver como quando estamos deitados vendo filme ou no meio da madrugada quando você está dormindo ou quando estamos no sofá da sala depois de ter passado vários dias sem se ver. Acontece que falar eu te amo me soa sempre tão redundante, óbvio, clichê. Um carrapato dizer que adora sangue. Você já sabe e eu falar parece que vai tirar a graça de todos os gestos que falam por mim. Já falei tantas vezes. Tô falando agora enquanto te olho com essa cara de boba e fico fazendo carinho no seu rosto. Falei também quando criei o hábito de sentar no seu colo no café da manhã. Te amo. Te amo.

domingo, 1 de setembro de 2019

terça-feira, 27 de agosto de 2019

ex-jogador

o tempo não sabe a hora certa
ele diz, e corta a carne no prato
me sento no seu colo para ouvir
não posso reclamar, ele fala, não vivi uma vida morna
observo suas manchas de perto
imagino as suas casas anteriores, o filho que ele não teve
as paixões que arrancaram raízes
o pintor que era sogro e agora é paciente
eu gosto de ouvi-lo contar
as batatas no seu prato parecem aguadas, sem gosto
mas o pedaço de carne brilha
ele dá mais um gole no vinho bem na hora de dizer
que não sabe o que esperar
que não pode mais jogar rugby
ele tem o corpo que eu gosto, de ex-jogador
ele mostra sua taça maior do que a minha
e eu bebo bem na hora que digo
que agora eu faço parte
também não sei o que esperar, mas sei que é muito
não fui a primeira mulher a chegar
mas eu cheguei bem agora, nesse momento preciso
eu trouxe comigo o meu tempo, o meu corpo
o meu órgão que bate
eu não digo nada mas penso
o tempo sabe a hora exata

sábado, 24 de agosto de 2019

Noite em claro

A primeira vez que eu passei a noite em claro
eu estava no acampamento de férias
eu e o menino ruivo que tinha a voz rouca
ficamos mexendo na fogueira semi apagada,
olhando o céu ficar claro
espantando espíritos com gravetos
no dia seguinte eu lembro de olhar no espelho
e ver aqueles sulcos roxos debaixo dos olhos
depois eu dormi e elas foram embora, as olheiras
agora não é mais assim
as olheiras estão sempre aqui,
mesmo que eu durma o dia todo
me lembram que os anos estão passando
não adianta espantar espíritos com gravetos
eles vem de qualquer jeito
levam um pouco da nossa vida
e deixam os nossos olhos marcados

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Sonhos

Uma vez eu sonhei que você me dizia
amar é trocar o vazio
pelo transbordar
você tocou uma música pra mim
no violão
e no final me disse
que os seus olhos saíram de órbita
eu não sei o que isso quer dizer
estou sempre cheia de sonhos
com mensagens secretas
você decifra e não me conta
mas é tão fácil de ver
que estou transbordando


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Procuro uma casa

eu olho as ruas no mapa e elas não são muito perto da sua
nem do metrô
nem do meu salário
penso em desistir mas minha mãe me chama da cozinha
eu preciso de espaço
de silêncio
as ruas tem nomes de mulheres tristes
Linda Ferreira da Rosa, aposto que não era linda
nem de nenhuma rosa
eu nunca paguei aluguel
só o supermercado
e as plantas
a sua voz se dá bem com qualquer poesia
sua risada com a minha
as ruas com árvores não são mais caras
elas já vem com passarinhos
mas o aluguel não muda por isso
de repente eu percebo que procuro uma casa
bem dentro da sua gaveta

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Chanel número 5

Eu abri a gaveta e encontrei no canto, ao lado de alguns livros, um Chanel igual ao meu. Mas não era o meu. Era de alguém que esteve ali antes de mim. Uma mulher que não conheço, nunca vi. Fechei a gaveta com vontade de ir embora. Tinha um pouco da mulher na gaveta. No cômodo, no lado direito da cama, em todos os seus lençóis. Em tudo seu tinha um pouco da mulher que não era eu. Quanto dela teria em você, nos seus pensamentos, no seu jeito de sorrir? Sentei na cama e você falou comigo, mas eu não ouvi. Só queria ir para casa. A minha casa. Abrir a minha gaveta e encontrar as minhas coisas, os meus livros, o meu cheiro. Acordei. Aquilo foi só um sonho: a mulher, a gaveta, o perfume. Um sonho que podia ser real, mas não tinha nenhum perfume na gaveta. Te contei do meu sonho no café da manhã. Desci as escadas rumo ao portão e você sussurrou: psiu, a gaveta é toda sua. Sorri. E a mulher dissolveu-se de tudo quanto é canto.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

A chegada

Meu pai, romântico, sempre me falou dos sinos que tocariam
anunciando a chegada do amor.
Ele é um dos poucos homens que viu o amor a olho nu.
Andou por aí, teve muitas mulheres,
mas sempre foi só da minha mãe.
Quando eu digo que estou apaixonada, ele rebate: "ouviu os sinos?"
Exagerado.
Sinos que tocam sem que ninguém ouça é esquizofrenia.
Tem remédio pra isso.
Quando eu te vi, encurvado no braço da cadeira
o rosto cansado, o cheiro de cerveja,
é claro que não houve sinos, eu nem esperava
mesmo que o beijo encaixasse, o abraço, a conversa.
Ontem você leu poesia para mim
sua voz cuidadosa respeitava os versos,
o tom que pede cada palavra, a calma
um ruído interrompeu a leitura, mas você não parou
me olhou sorrindo como se nem percebesse
o ensurdecedor badalar.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Poesia

meus amigos não entendem

a solidão que é gostar de poesia

esmiuçar palavras, solitária

organizá-las por cor

vê-las dançando, gritando coisas

quando rabisco algumas frases

exponho as minhas tripas e eu gosto

acho lindo

mas é pura solidão.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Embaixo da cama

Eu sei que é preciso olhar
mas é tanto o meu receio
já encontrei de tudo
embaixo da cama alheia
sacos de ossos, escuridão
perda de tempo, não
o olhar nem sempre atento
deixa passar tanta coisa
quando eu precisar olhar
embaixo da sua
o medo é do que vou achar



vez

Não vês que outra vez
essa vez
parece a última vez?
Eis que dessa vez
seja talvez,
não vês?

quinta-feira, 4 de julho de 2019

uma hora

espera que eu estou me preparando
pouco a pouco
por dentro
aprendendo a ser
me espera que uma hora eu chego
se deus quiser
e eu sei que ele quer
me ver sendo

Fora

de pensar que eu já coube
dentro da minha mãe
me sinto tão fora
de tudo quanto é lugar

terça-feira, 2 de julho de 2019

destino cravado

Ele nem sabe
mas era para ela ter ido embora há 20 minutos
no dia que eles se conheceram
[ela chegou a descer as escadas]
acontece que ele
não acredita em destino cravado
[e talvez seja mesmo bobagem]
então ela nem fala nada




quarta-feira, 19 de junho de 2019

boca do outro

você repetiu o que eu disse
fiquei assustada
quando ouvi da sua boca
quis ficar em silêncio
esquecer sua presença
pensar no que eu disse
tudo parece tão distorcido
quando sai da boca do outro

vontade

me acostumar com os seus lençóis
fazer parte de alguma rotina
sentir o seu cheiro de manhã
ouvir o som que você ouve
antes do café
saber as suas histórias
até as que você não conta
lembrar a cor dos passarinhos
que cantam na sua janela
não ver pôr do sol da varanda
por causa das árvores
conhecer os sapatos dos seus filhos
embaixo das pequenas camas
trocar os meus pés
pelos seus

segunda-feira, 10 de junho de 2019

processo criativo

eu aprendi num curso que eu fiz que a maneira mais eficaz de se aprender alguma coisa é ensinando.

você me disse que eu te ensinei muita coisa. queria saber o quê

estou com dor de dente e todos os dias eu torço para que passe sozinha

muitas dores passam sozinhas e sempre levam alguma coisa junto

às vezes um dente

a gente falou de processo criativo

vou precisar pensar qual é o meu

fico olhando as pessoas, cavucando amores antigos

[eu poderia estar casada agora, sem nem saber quem eu sou]

fisguei a minha alma lá no fundo do oceano
quase afogada, sozinha

abandono de incapaz

o cabeleireiro me perguntou qual é o meu defeito preferido

físico ou de personalidade?

respondi "olheiras" e pensei na minha enorme dispersão
eu não consigo me concentrar

o que foi mesmo que você falou sobre a sua mãe?

ainda bem que você cancelou nosso jantar
faz tanto frio e você quase não me entende

você me acha um bicho esquisito que te faz rir

um bicho bonito

eu queria mesmo era achar um bicho da minha espécie

um bicho pra me ensinar a ser gente
um bicho que eu pudesse aprender.


Não sei dizer o que foi

Não sei dizer o que foi
o café da manhã era bom
a massagem também
a conversa
o encaixe
não quis ficar em silêncio
só um pouco
ele também
o som da rua não atrapalhou
o tempo curto
o monólogo
me dá mais um abraço:
não foi

templo

me sinto tão bem agora
que me falta poesia
eu gosto de homens que me tratam como um templo
eu sou mesmo um templo, nós mulheres
gosto de ver as minhas cascas caindo no chão
dia após dia
gostei de te ver no bar, o mesmo de sempre
sem um pingo de empatia
desesperado por amor verdadeiro
você foi o último que eu deixei entrar
você me ensinou a esperar pra ver
eu só agradeço, tanta calma agora
minha poesia sempre veio da tristeza
agora eu sei mais
mas me falta poesia

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Mancha

veja como é pequena
e engraçada
a minha alma
veja como brilha
e ri da tentativa
de prendê-la neste pote
já não está mais aqui ela
deixou uma grande mancha
de algo que não sei
amor, será?


segunda-feira, 27 de maio de 2019

Ele não sabe

Será que ele não sabe
que ela tem fios de cabelo 
caindo no rosto 
no pescoço, na nuca?
dedos que mexem nas coisas 
com elegância e unhas
que parecem sempre feitas?
será que ele não sabe
que ela faz poesia com as palavras
dá risada do engraçado
opina sobre tudo 
- tantas vezes com razão?
ela tem olhos azuis
corpo de bailarina
velas, incensos e anéis,
será que ele não vê?
as coisas que ela escreve 
podiam estar emolduradas
mas estão no livro
que ele insiste em devolver
o coração dela 
devia estar num altar cheio de flores
mas acho que ele não sabe
ela tem fios de cabelo 
que caem no rosto enquanto fala
mas acho que ele não vê.



segunda-feira, 20 de maio de 2019

única

quando lembro de você indo para o quarto
vestindo aquela camiseta branca
enorme
não lembro por que fui embora
imagino o silêncio que ficou na sala
sem plantas
você me fazia rir
mas eu chorei uma vez
- e bastou.



sábado, 27 de abril de 2019

sorrio

Gosto de imaginar
você me procurando na festa
sorrio quando penso que você
nunca vai me encontrar

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Quando acendo a luz que carrego no peito

Quando acendo a luz que carrego no peito
eu entendo:
tem sempre alguém por perto
Luz brilha, ilumina
é ímã de companhia
Quando acendo a luz que carrego no peito
eu vejo melhor os meus defeitos
não dá pra esconder
a luz revela a quem não quer ver
Quando apago a luz que carrego no peito
que percebo
dor entalada e solidão
ninguém fica com a luz apagada
não vale nada a escuridão




terça-feira, 23 de abril de 2019

Foto sua

A sua fotografia no meu computador
não me dá mais saudade
aceitaria apenas saber de você
ver o que mudou
tão difícil ter mudado
mas eu queria ver
Eu lembro daquele dia
que eu passei um perfume da Índia
um cheiro que me encantava
você disse que eu cheirava yoga
não gostou que ficou no seu travesseiro
aquela foi a última vez que eu te vi
você parecia o mesmo de sempre
guardado dentro de si
Agora eu olho a sua foto
aquele sorriso cheio de segredos
algumas mentiras
Eu não tenho mais saudade
do seu abraço e cama
você deitava sempre tão longe
Agora eu vejo na foto sua
alguém que eu nunca conheci

eu teria ido

Nosso amor nunca fez sentido
a gente não era pra ser
nosso amor estava impedido
muito antes de acontecer
Mesmo que sorrateiro
ir embora às vezes faz bem
você foi o primeiro
mas eu teria ido também

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Minha água

Quando eu vejo a minha água
num rio pequeno transbordar
sei que é preciso
de qualquer forma me desviar
se a borda é pouca
não vale a pena
seguir o fluxo, continuar
minha água é tanta
- e tão sagrada
que o meu leito deve ser grande
e também forte pra comportar.





terça-feira, 9 de abril de 2019

vergonha

você não tem vergonha de escrever poesia?
você me perguntou.
vergonha
do que sai de mim naturalmente?
palavras brincando no meu cérebro,
vergonha?
Os quadros no chão da sua casa
que parecem abandonados
a mesa sem graça e a falta de plantas
na sala sem luz, nem uma luz
os cremes no banheiro
de alguém que fugiu
quando você passou o dedo no prato
e constatou sujeira
você não tem vergonha?
Eu?
não de poesia.








segunda-feira, 8 de abril de 2019

pão de queijo

deixei cair um pão de queijo no chão
olhei para sua amiga e rimos
colocamos de volta na vasilha,
disfarcei
te conheço muito bem
não deixei nem chegar perto:
eu mesma comi.

você me salvou do carnaval

você me salvou do carnaval,
e eu pisando em ovos
orgânicos
esqueci de reparar
em todas as coisas erradas
você me ganhou no carnaval mas
eram tantas coisas erradas
que eu não quis mais voltar

segunda-feira, 25 de março de 2019

semana que vem

eu ia voltar na semana que vem
deixar sândalo no seu travesseiro 
te levar uma costela de Adão
morder o meio da sua barriga
tentar te fazer ouvir
mas você é tão disléxico
confuso
te falta paciência, silêncio
você é tão inteligente
e distraído
meu hidratante na pia
eu deixei pra você ver que
eu ia voltar na semana que vem




terça-feira, 19 de março de 2019

seu

Esse aqui é para você
que chegou meio depressa
depressa demais
me levou
esse aqui é para você
que foge de sujeira
de multidões
que gosta de dormir
gostou de mim
eu também gostei de você
e esse aqui é todo seu.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Caminho

Eu sei que estou no caminho certo quando sinto que estou ficando cada vez mais parecida com a minha mãe.

quarta-feira, 13 de março de 2019

breve

ontem, enquanto eu voltava de qualquer lugar, me lembrei do nosso amor breve. de quando eu ia para sua casa pela avenida paulista. era curioso que sempre tinha vaga bem na frente do seu prédio. você tinha que descer para abrir a porta e às vezes a gente comprava cerveja no seu bar de esquina. eu gostava quando você começava a ficar mais falante por causa da cerveja. uma vez você ficou bêbado no sofá, me pediu mil desculpas e disse que me amava. em seguida você disse que eu não queria te amar de volta. talvez você tivesse razão, mas não era consciente. a gente encheu a sua casa de plantas e você fez delas suas filhas. algumas morreram, mas é assim mesmo, plantas são mesmo difíceis. você me deu de presente um livro fascinante sobre a complexidade misteriosa das plantas. a gente conversava na varanda e a casa ia enchendo de pó que vinha da rua. o pó era mais forte do que as faxinas. o barulho da rua só parava bem tarde. a vista para a lua era linda. eu queria ter ouvido mais a sua vitrola, acho que só ouvimos uma vez. eu gostei tanto de quando a gente assistiu o meu filme preferido e você chorou. você se encantou como eu. aquela vez que a sua sopa estragou na geladeira eu queria morrer. ter tirado os tapetes da sala foi a melhor ideia. eu ainda não entendo muito do que você tanto se esconde. se eu quis te amar eu não sei, mas eu acho que amei.

segunda-feira, 11 de março de 2019

que horas

queria poder transbordar
por todos os poros
ao mesmo tempo
escorrer nas suas mãos
mas nem sei que horas
eu volto pra casa
tantos rios correm
entre nós dois
espere um pouco
me dá mais um tempo
que logo eu revelo
às quatro da tarde.

mãos

Quando vejo mãos dadas na rua
me dá saudade
de enganchar meus dedos em outros
sem medo 
de parecer demais

o meu

se há tempo pra tudo  
ele vai demorar
o meu?

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Território

Esse território desconhecido chamado você
que eu não sei quem é 
de onde veio 
e por quê
Acontece que eu 
talvez por acaso 
queira saber





quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

no chão

Menino viajado
me convenceu a deixar
a cautela
a prudência 
o cuidado 
para dormir no chão
ao seu lado 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Ibiuna

A chuva começou de novo por aqui
onde será que estão aqueles gambás que vi hoje cedo
em cima de árvores
a vela de soja insiste em ficar acesa
ela que estava para acabar
queria ter uma fábrica de velas
gosto tanto da companhia de uma chama
uma luz que me observa, me assiste
a chuva não tem um barulho próprio
depende de onde a gota toca
aqui a chuva tem som de grama
um som suave
os sapos berram lá perto da represa
os grilos esfregam suas pernas normalmente
me recuso a apagar a luz da piscina
essa luz que só aparece à noite
são tantos bichos
como será que eles escutam o meu barulho?
será que a chuva também ouve o meu som?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Wisdom

There is an invisible wisdom
of the cosmos
in the fact that
you are absent here today. 
I know nothing about this wisdom
or about the cosmos
but you are absent
and there is always a knowledge
a secret, impenetrable
wisdom of the universe
in the fact that
someone is absent
and not twined with someone else.



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

A orquídea e a vespa

Você me contou que a vespa 
encantada sobrevoa um jardim
suas asas fazem barulho
no meio de cheiros e cores
de repente as suas antenas param
percebem aquela substância
o feromônio que tanto a excita
a vespa faz meia-volta e,
reconhecendo por ali uma fêmea,
copula. Então você me diz que 
a orquídea, disfarçada de vespa fêmea,
ri gostosamente no jardim
se sente polinizada por completa
respira tranquila e
assegura-nos mais uma flor. 
Meu bem, eis que eu não sou flor
não posso nem enganar a mim mesma
serei então eu a vespa cega 
que deixa um pouco de si 
e voa iludida para longe?

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Espera um pouco

eu posso gostar de você
mas espera um pouco
deixa eu ver melhor
do que você é feito
deixa eu ver se te interessam
as coisas que vem comigo
minhas noites de poesia
as conversas profundas
que ainda não pudemos ter
você fala sem notar
se o outro está mesmo ouvindo
esquece até de perguntar
quando fala da sua vida
eu quero gostar de você
do seu jeito carinhoso
sua vontade de cuidar
mas espera um pouco
deixo ver se é sempre assim
duas bocas e um ouvido
e a falta de um olhar
que veja mais pra dentro
que repare nos detalhes
eu já gosto de você
mas espera um pouco
ainda é cedo
quero ver se é assim mesmo
ou se é só eu te mostrar





sábado, 2 de fevereiro de 2019

As energias das coisas

as coisas possuem energias próprias
os vasos, os porta-retratos
o silêncio e a meditação
acender uma vela à noite
a reza e a ajuda ao próximo
as coisas trocam energias
a todo momento
nossos corpos quando se tocam
as conversas e as paredes
as festas e a solidão
o tempo mexe nas energias das coisas
dos templos, de casa
do corpo da gente
energia não se cria e pode acabar
as coisas que sugam
as coisas que elevam
é preciso saber todo tempo
diferenciar umas coisas das outras

Alma

Escrevo para conversar com a minha alma
toda feita de melancolia e esperança
ela me avisa do que já sei
às vezes me conta segredos
desses de alma
eu quero mostrar para ela
o que eu vi e aprendi
há dias, porém, que tudo me escapa
e eu tenho medo
ela segura a caneta com meus dedos
pede que eu não me preocupe e me diz
que sempre haverá papel e caneta.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

mãos

Você me convidou para dançar e eu aceitei, mas ainda não era hora. Você me esperou no canto da pista com cara de ansioso e na hora certa pegou as minhas mãos. Tanta coisa aconteceu depois disso. Tanta vida passou. Mas eu nunca vou me esquecer de sentir as suas mãos tremerem ao encostar as minhas pela primeira vez.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Tô aqui pra isso

Minha irmã me falou que era a melhor ideia. "Se você não se declarar, você nunca vai saber"- ela me disse. Eu gostava de seguir os conselhos dela porque ela era mais velha, tinha mais experiência, sabia do que tava falando. Talvez. O fato é que eu estava muito apaixonada e cheia de esperanças do Duda me querer também. Nós éramos bons amigos, vivíamos trocando bilhetinhos durante a aula e nos dávamos super bem. Não tinha como dar errado. Numa das aulas eu mandei um bilhete perguntando: "o que você faria se gostasse de uma amiga sua?" Ele me respondeu: "falaria para ela." Nós demos risadinha, ele logo mudou de assunto e ficou por isso mesmo. Minha irmã começou a pressionar lá em casa: "vai falar ou não vai?" "E aí, já falou?" "vai logo com isso!" Eu resolvi falar. Peguei toda a coragem que eu tinha estocada e fui até a casa dele. Nós éramos vizinhos também. Ele abriu a porta e eu falei: "Duda, lembra que você me falou que se gostasse de uma amiga sua, você falaria para ela?" Ele disse: "sim, e o que tem?" Eu respirei fundo: "pois então, tô aqui pra isso." O Duda não gostava de mim do mesmo jeito. Ele ficou completamente sem graça e falou: "poxa, fui pego de surpresa... você sabe que eu gosto da Marina, né?" Até hoje a minha irmã me pede desculpas por isso.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

chamados

Eu durmo de janela aberta
ouço grilos a noite toda
todos os tipos de grilos
sempre chamando alguém
será que as fêmeas ouvem
toda noite um grilo chamar?
desesperados e inofensivos
na minha janela nunca faltam grilos
precisando de alguém


domingo, 20 de janeiro de 2019

Tolerância zero

A professora era querida pelos alunos. Era uma mulher jovem, simpática e sempre dava um tempinho para os alunos brincarem no final da aula. Os alunos estavam, aos 11 anos, passando por uma fase de falar muito palavrão e de testar os limites dos professores. Inclusive os coordenadores haviam falado para os professores ficarem atentos e avisarem a direção se algum dos alunos passasse dos limites. A tolerância com palavrões era zero naquela escola. Era uma quinta-feira e na sexta os alunos iriam para um passeio, então o clima era de quase folga. Estavam todos animados. No final da aula a professora propôs o jogo dos palitos, aquele no qual o jogador tem que tentar pegar o máximo de palitos que conseguir sem mexer os outros. Se qualquer outro palito mexer, ele perde a vez. A professora jogava com o maior entusiasmo, como se os alunos fossem seus amigos. Ela estava perdendo, então estava mais atenta do que nunca nas jogadas. Quando era quase sua vez de novo e o aluno do seu lado estava conseguindo pegar um palito atrás do outro, ela viu um dos palitos mexer. Aparentemente os outros alunos não tinham visto nenhum movimento. Ela disse: "ei, o palito de baixo mexeu!" O aluno que jogava falou: "não mexeu não!" Ela, distraída, respondeu de forma automática: "mexeu pra caralho!" Os alunos ficaram completamente boquiabertos, sem conseguir reagir ao palavrão da professora.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Apesar

você me chamou de raio de sol
disse que somos
tão parecidos
que quer me cuidar
que me acha tão linda
você me chamou pra morar com você
disse que nós dois
encaixamos
que damos um jeito
que temos assunto
até o dia seguinte
que eu sou muito
Eu peço que ouça um minuto
eu concordo com tudo
não acho pessoas
assim na esquina
no aplicativo, ao vivo ou no bar
você é a flor
que o raio de sol quer tocar
acontece que eu
não consigo mandar
nos meus sentimentos
não vai dar pra ficar
de jeito nenhum
apesar de querer e de tanto tentar
o meu coração não consegue te amar

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Charme

O nome dele era Bruno. Ele me convidou para ir ao cinema e eu fiquei super entusiasmada. Ele não era bonitão nem nada, mas tinha um charme qualquer que na época eu saberia explicar. Cheguei no shopping com um pouco de antecedência e lembro do incômodo que ia crescendo a cada minuto que passava e ele não chegava. Dez, vinte, trinta minutos. Uma hora depois eu finalmente entendi que ele não viria. Fiquei arrasada. Queria entender o que eu tinha feito de errado, me achei a pior pessoa do mundo. Demorei para digerir aquele furo. Uns dias passaram e ele me procurou para explicar o que houve, qualquer coisa besta que eu aceitei e ficou tudo bem. Acontece que eu não sei. Alguma coisa mudou dentro de mim que me fez perder o interesse. Ele não me pareceu mais charmoso, não me pareceu mais tão legal. Alguma coisa mudou. Quando ele me convidou para fazer outra coisa, eu não quis mais. E não foi forçado nem vingativo, foi porque eu não queria mesmo. Aquela foi a primeira vez que eu entendi o poder das nossas ações. Às vezes a gente faz algo que magoa o outro, mesmo sem querer, mas é preciso muito cuidado: o nosso charme pode passar. E não tem volta. Para quem ficou esperando uma hora no shopping é um alívio, é libertador ver o charme passar, mas para quem magoou o outro é um perigo. O Bruno me perseguiu por muito tempo depois daquilo e esses dias eu descobri que até hoje me espia. Faz anos. É capaz que ele esteja lendo isso agora mesmo e, se estiver, obrigada pela pequena lição.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Vidro

Eu não sabia o que era vidro. Tinha poucos anos de vida, três ou quatro. Me deram água para tomar sozinha em um copo de vidro pela primeira vez. A minha curiosidade foi tão grande que eu mordi o copo com força até ele espatifar na minha boca. Os adultos entraram em pânico ao ver minha boca cheia de cacos de vidro, que eu logo tratei de cuspir. Sangrei um pouco, mas me lavaram e cuidaram para que tudo ficasse bem. A lembrança não é nítida, mas meu pai me carregou no colo, as luzes apagadas, e ele me contou alguma história fascinante enquanto eu olhava pela janela. Lembro das pedrinhas redondas no chão do prédio vizinho e da voz baixa do meu pai, tentando me tranquilizar. Eu estava bem tranquila, pra mim os adultos eram muito desesperados. E agora eu sabia muito bem o que era vidro.

Mochila

Sua mochila é tão pequena
pra carregar sua vida
pelo mundo
não entendo como faz
pra levar suas coisas
espremidas com cada pedaço
que você arranca das pessoas
como eu

domingo, 13 de janeiro de 2019

Acorde

Teve aquele dia que eu fui pingar meu remédio na boca e não sei como eu engasguei forte. Comecei a tossir sem conseguir respirar, achei que ia morrer, mas eu não quis te acordar. Fiquei na cozinha do seu apartamento tossindo que nem uma louca, sufocada, olhando para a janela e vendo aquele prédio sendo erguido no terreno vizinho. Mesmo achando que eu ia morrer eu tentei não fazer barulho. Aquele prédio sendo erguido por alguma razão me dava mais desespero e eu engasgava mais. Fiquei nessa angústia por alguns minutos, não sei quanto tempo, e você nem sinal de acordar. Quando eu me recuperei, minha garganta doía e eu não consegui voltar a dormir. No dia seguinte eu te contei o que tinha acontecido e você disse que eu deveria ter te acordado. Quero te acordar agora. Me sinto tão engasgada. Acorde, meu amor, acorde.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

vai logo, Paulinha

Tinha uma brincadeira que as professoras da escolinha adoravam brincar com a gente antes de começar a aula, para acalmar os ânimos. A gente fazia um círculo e um dos alunos saia fora da sala. A professora então escolhia alguém para ser o líder e inventar uma série de movimentos que todos tinham que copiar. O aluno que estava pra fora não sabia quem era esse líder e esse era o jogo: ele tinha que voltar pra sala quando a professora chamasse e tentar adivinhar o líder. Era muito legal porque todo mundo fingia que estava liderando, mas ninguém podia mudar os movimentos a não ser o líder. O aluno que tinha ficado pra fora ficava confuso e tinha que prestar muita atenção para descobrir quando um movimento novo surgia para flagrar o líder. Uma vez, o jogo estava super difícil porque o aluno de fora não estava conseguindo adivinhar de jeito nenhum e tinha bastante gente na sala e estavam todos muito animados repetindo o movimento de bater as mãos nos joelhos. No meio da brincadeira eu me distraí legal, fui para o país das maravilhas da minha imaginação. Quando eu me dei por mim e voltei pra sala de aula, só alguns segundos deviam ter passado e eu vi que o movimento ainda era o mesmo. Acontece que eu estava tão distraída e parecia que tanto tempo tinha passado que eu falei: "vai logo, Paulinha, muda de movimento!" e estraguei todo o jogo.

dia de mudança

Eu tinha 12 anos e ele 14. Ele era todo descolado, gringo, lindo. Eu brincava de Barbie ainda, escondendo sempre dos amigos da minha irmã mais velha. A minha vizinha era minha grande parceira de brincadeira e naquele dia a gente resolveu arrumar a casa da Barbie na minha casa. Foi preciso transferir todos os móveis da casa dela para a minha. Tinha cadeira, almofadas, copos, tapetes, sofás, tudo em miniatura. Aliás, tinha um jogo de sofás cor de rosa que eu adorava. Fomos levando tudo em várias viagens que consistiam em: sair da casa dela, andar uns cinco ou sete passos e chegar na minha. Quando só faltava o jogo de sofás cor de rosa para terminar a mudança e eu já estava no segundo passo em direção à minha porta, eu o avistei descendo a rua com um amigo. Meu coração disparou. Eu precisava esconder aqueles móveis da Barbie com urgência se não ele jamais iria me querer. Peguei o moletom que estava na minha cintura e graças a Deus pude cobrir tudo que eu carregava. Ele e o amigo se aproximaram: "Oi. Tá fazendo o que?", o amigo perguntou. Eu respondi com prontidão: "arrumando umas coisas só, nada de mais." Eu suava. "O que é isso embaixo do seu moletom?" "Nada não, coisas de mulher." Quando eu achei que tinha me livrado daquele momento de tortura e me virei para ir embora, tropecei em mim mesma e derrubei todo o jogo de sofás cor de rosa na calçada.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Nitidamente

A primeira coisa que eu fiz quando, aos 23 anos, meus primeiros óculos de grau ficaram prontos foi olhar para a lua. Sem óculos ela era só um ponto luminoso sem grandes lances. Nunca entendi essa história de coelho, nunca vi nuance nenhuma, nada além de um ponto luminoso. Com meus óculos novos a lua realmente virou a lua, esse espetáculo brilhante que ela é. A noite com todo esse silêncio que pertence aos grilos, esse ventinho refrescante, essa coisa misteriosa e meditativa, sempre foi a melhor parte de qualquer dia. Agora que eu podia ver a lua nitidamente, foi como se um deus mitológico tivesse tomado corpo. Podia ver meu objeto de adoração logo ali. Ter demorado tanto tempo para ver de fato a lua me fez adorá-la ainda mais.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Grandioso

A gente acha que está pronto, que algo grandioso já pode acontecer nas nossas vidas. Essa é a hora. Acontece que a gente não sabe de nada. Acontece que não estamos prontos quando achamos. Ainda tem mais algumas coisas que precisamos aprender. Queremos saber o que é que ainda falta e buscamos nos livros, nas pessoas, nas espiritualidades, buscamos em tudo quanto é lugar o que  precisamos aprender. Uma busca cega. Quando ficamos cansados e estamos distraídos vivendo a vida da melhor maneira que podemos, algo grandioso acontece.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Lemon love

Não era o céu da Patagônia
mas o do meu primeiro beijo
e agora do último que eu dei
não provamos o amor de limão
mas o seu beijo tinha um gosto
que podia ser a sobremesa
você tirou o sapato pra subir minhas escadas
mas fui eu que subi seu elevador
não sei se você notou
seu elástico de cabelo
vindo parar no meu
eu não tenho mais idade
para começar pelo fim
mas agora já é tarde:
deixei entrar outra saudade





sábado, 5 de janeiro de 2019

cigarra

essa vida de cigarra
largar a pele em tronco de árvore
quando ela não serve mais
cavar buracos, tomar seiva de árvore
cantar para acasalar
o macho berra alto
mas há quem diga que a fêmea é surda
e sente só a vibração
essa vida de cigarra
largar a pele por aí
acasalar e morrer
estamos presos às nossas peles
tomamos seiva alcóolica
o som que emitimos é ensurdecedor
criamos caos e cigarro.

sábado, 22 de dezembro de 2018

não espero que você volte
e lembre de me ligar
não espero nada de você
mas confesso eu gostaria
de poder esperar



quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

você sabe

Não há esforço
e a tosse
quando vem
vira risada
gargalhada
ou lambida
temos personagens
bobagens, segredos
vi todo meu medo
partir sem olhar
para trás
tudo é natural
autoral, criado na hora
é fácil de ver
que temos a ver
até óculos
estamos trocando
estou segurando
sua mão
mas não posso dizer
deve ainda ser
cedo
não tenho certeza
pode ser miragem
como já vi antes
viagem
da minha cabeça
acontece
que não sei direito
como proceder
mas acho que eu
você sabe o quê.



segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

apt. 104


as conversas no sofá
às vezes surpreendiam
você pensava em coisas
que nunca tinha pensado antes
coisas que eu pensava o tempo todo
uma vez você me disse
que nunca tinha falado sobre aquilo
com ninguém
não me lembro o que era aquilo
algo profundo
eu me sentia bem e pensava
que talvez você poderia
se apaixonar por mim um dia


quinta-feira, 29 de novembro de 2018

troca

te dei
um pedaço de mim
uma gota
um pequeno fragmento
por um tempo
peguei
um átomo seu
um grão
uma partícula
veio um vento
uma brisa qualquer
um sopro
levou pouco
muito pouco
quase nada
apenas toda
nossa troca

domingo, 25 de novembro de 2018

viagem

naquela viagem
eu vi a minha própria alma
cheia de crianças e Deus
dei um abraço na minha mãe
entendi porque me despedi dele
que nunca ia me amar
vi uma alma cheia de flores
coisas belas e brilhantes
me achei tão linda e pensei
ainda bem que eu moro aqui



sometimes we leave before we hurt 
but it still hurts to leave

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Neste instante

Enquanto eu passava argila no seu rosto
te falei que ele tinha voltado
a sua barba ficou cheia de argila,
você fugiu atrás de um cigarro e eu vi 
que nunca é hora de falar de outro amor
fumando na varanda 
você falou sobre o perigo de amar
de estar vivo, de ficar preso na cama
eu quis ir embora, mudar de assunto
ele voltou, mas ele não vem 
ele quem? 
fiquei olhando o seu rosto todo marrom
os seus gestos cuidadosos e inseguros
a argila pingando 
eu não gosto de tomar vinho em copo de requeijão 
preciso estar perto de árvores e plantas,
eu não sei se vou ficar 
mas olha, a argila está pingando bem na sua frente
quer que eu te ajude a tirar? vai sujar o chão

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Frio

Disseram que ia fazer frio, ainda não senti
se senti, não me incomodei
difícil incomodar ultimamente
nem a falta de um amor
meu amor tem sido borrifado
em pequenos amores cotidianos
(alguns grandes)
e na falta de você
que podia estar em todos os lugares
mas está sempre longe
Sinto um pouco de frio agora
mas não vou borrifar meu amor
quero ver se você sente
e resolve voltar

domingo, 11 de novembro de 2018

observo as fases com cuidado

a espera passou a fazer parte da paisagem
tento me lembrar da última vez que você me abraçou
faz tempo
agora eu sei contar os dias com a lua também
observo as fases com cuidado 
o modo como ela se revela devagar 
enquanto espero 
em que cidade você está ou em que país
talvez aqui mesmo
numa festa que eu não fui
eu vi a lua agora há pouco
ela já está pequena de novo
não sei por que eu insisto 
você já disse que não sabe ler poesia


domingo, 4 de novembro de 2018

Flor no lixo

Eu nem sabia o que tinha
ao meu redor
quando você me arrancou do chão
disse que eu era uma flor
no lixo
mas eu te reconheci
quando você me mostrou sua alma
um pouco amassada
uma flor reconhece a outra
estica a alma por favor
sejamos flor
na mão de uma menina
Vinícius precisa fazer poesia
não deixemos de ser flor jamais
lixo já tem demais




domingo, 28 de outubro de 2018

28 de outubro de 2018

Não há muito o que escolher
um tapete mofado, um chão sujo
não há saída
uma fuga talvez, um abandono
lágrimas agora ou depois, tanto faz
as coisas mudam
para voltar a ser o que eram
nada é fixo, estático
e andar em círculos também é andar
o que fazer
senão sentar e assistir tudo ruir
pregar as próprias mãos numa cruz
deixar-se levar ou morrer lentamente
Não há o que escolher
a escolha nunca foi uma escolha real
já estava tudo decido muito antes
o copo que está no chão
não está meio cheio nem vazio
está quebrado.


quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Pouco importa


Ontem pela primeira vez você me olhou 
como se quisesse alguma coisa comigo 
não corpo ou bom humor
alguma coisa com a minha alma
ela secretamente me pede para voltar 
para sua casa no final do dia 
mas eu não posso: 
nunca mais achei minha escova de dentes
você a descartou?
Sabe, eu queria te ajudar 
a pôr as plantinhas de volta na estante 
como escrevi naquela poesia
mas pouco importa você 
está indo viajar de novo


segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Domingo

você me dá medo e eu
dou espaço pra outro
mas há
um espaço enorme
entre eu e o outro
um vazio que eu preencho
com você me esperando
domingo
eu não quero outro
mas eu tenho medo






A verdade é que 
eu não sei o que você tem
mas você tem a mim

domingo, 14 de outubro de 2018

fluxo contínuo de ideias

não me lembrava de sentar por horas no chão sem distração num fluxo contínuo de ideias sem nem se tocar que sorte a minha encontrar você perdido na porta um copo de cerveja na mão não gosto de plástico nem de cerveja mas eu quis aceitar o seu copo tomar o que for ao seu lado e escutar tudo sobre aquele olhar que só fazia desviar tímido de mim eu não me lembrava a sensação de olhar no rosto de alguém e pensar pode parar encontrei bem aqui, é isso



terça-feira, 9 de outubro de 2018

Aprendi assim

Eu
já fui fundamental
imprescindível
irremediável
você
me ensinou
que posso não ser
nada disso
aprendi assim
que não preciso
de você

domingo, 7 de outubro de 2018

hora

Eu gosto de observar, atenta, os horários das coisas
desde pequena no berço
minha mãe falando baixo, hora de dormir
o dia ficando escuro, hora de voltar
agora, enquanto você dorme profundamente,
observo atenta os sinais
a noite mal dormida
a falta de espaço e de tempo
me despeço mentalmente do seu beijo
é hora de partir.




vento

O vento batendo na sua janela
me faz pensar que hoje talvez seja
a última vez que vou ouvir
o vento batendo na sua janela

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Outubro

Você chegou tão de repente
não tenho mais poesia pra você, outubro
esgotei-as ao longo do ano
até corações no correio eu botei
em setembro e ainda não te conheço
você chegou agora, outubro
não tenho mais forças para escrever
sobre alguém que eu nem conheço
em fevereiro não havia outubro
só o nosso aniversário, nosso aquário
guardamos segredo por meses 
você chegou de fininho 
disfarçado de férias, carregando outro amor
não há mais segredo,
não há mais poesia 
o que haverá em outubro? 
Você enfim chegou.


quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Bloco de notas

dar as mãos é um altar sagrado
às vezes eu me lembro de músicas que ele gostava e que me lembram verão
é engraçado eu não me lembrar do toque das mãos dele, mesmo depois de tanto tempo, acho que nunca me acostumei
aqueles olhos amarelos, o olhar doce
quando um gato lambe a gente faz cócegas porque a língua deles é áspera
estou aprendendo só agora a me deixar sentir o que não é seguro
sentimentos à flor da pele me incomodam
hoje eu enrolei os meus cabelos só pra mim
comida orgânica atrai bem mais mosca
eu não sei por onde andei antes, mas eu gosto do cheiro dos seus lençóis
se a minha poesia é inútil para você, fica com a minha risada
escrevo poesia até no carro, enquanto o farol não abre
eu nunca sonhei com você, em nenhum sentido de sonhar
a causa dos animais, o corpo duro, eu não sei
eu nunca aprendo, mas parece que finalmente eu não tenho pressa.

domingo, 23 de setembro de 2018

setembro de novo

Tentei trazer um pouco de poesia
colei na porta da geladeira
mas ele não entendeu nada
nunca achei o peito dele seguro
para eu repousar o meu
fui saindo de fininho
deixando de responder
ele era tão distraído
nem notou o bilhete na porta
"fui comprar cigarro"
eu detesto cigarro 
ele me esperou por uns meses
quando lembrou que eu não fumava
já era setembro de novo
resolvi começar a fumar

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Passeio na chuva

Eu não vou te levar pra passear, não adianta. Está chovendo, será que você não vê? Está chovendo e eu tenho um monte de coisas para resolver e eu queria escrever alguma coisa sobre ontem. Sabe, ontem depois que eu te dei banho eu saí. Quando eu voltei você já estava dormindo então você nem viu como eu estava. Se tivesse visto, você iria lamber minha mão para dizer "ei, você não está sozinha." Eu me sentia sozinha. Ontem eu saí com alguém e parecia que era só ele, que eu não estava ali. Ele e os planos dele, ele e o trabalho dele, ele e as contas que ele precisa pagar, as viagens que ele vai fazer. Eu ia contar para ele sobre o roxo que eu ganhei nas costas quando você me puxou pela coleira, mas acho que ele nem reparou. Ia falar sobre os dias que eu estive fora, sobre os pontinhos brilhantes que eu vi no céu, sobre a minha mais recente descoberta, mas ele não perguntou nada. Por que você está lambendo a minha mão? Vá buscar a sua coleira, vamos passear. Eu sei que está chovendo, mas vamos mesmo assim.

sem conversa

- Eu não dormi essa noite.
- Por quê?
- Ficamos conversando na cozinha depois do jantar e conversando e conversando, quando vimos eram cinco e meia da manhã e o céu estava começando a ficar claro. 

Quando ouvi esse diálogo no bar eu fiquei pensando que depois do jantar um taxi estaria pronto para te levar para algum aeroporto e às cinco e meia da manhã eu estaria dormindo, sozinha. O céu ficaria claro sem conversa. 

Na escada

O que eu quero dizer
é que pode ser
que eu te olhe
e não te reconheça
de outras vidas, de sonhos
ou até mesmo daqui
pode ser que você
me pareça mais um rosto
outro rosto qualquer
pode ser que nos olhemos
e não nos encontremos
um no outro
que a viagem seja à toa
que não seja nada boa
tudo pode ser
e pode não ser nada
tantas vezes já não foi
no entanto
ainda assim
de qualquer maneira
eu te espero
na escada.





terça-feira, 11 de setembro de 2018

Mais ninguém

Meu bem eu quero
que você seja feliz
nos braços de quem for
não quero saber quais braços
se essa marca nas suas costas
foi feita com unhas rosas ou azuis
digo isso o tempo todo
mas no fundo eu desejo
que você me ame um dia
até que os braços que te envolvam
sejam meus e só meus
que as minhas unhas brancas
te cravem a pele das costas
e não haja mais ninguém


sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Partes

De quais partes minhas você gosta
sei que não são todas
talvez poucas
é tudo tão devagar
você é calmo demais
nem me leva nem fica
de quais partes, me fala
quero melhorar as outras
ficar inteira boa
pra você querer ter pressa
sem dúvida, medo
quais partes minhas você despreza
me fala que eu descarto
deixo de lado, abandono
eu não preciso de tudo
quais partes minhas você levou
me devolve agora
estou aqui com pedaços faltando
me ensina
do que você precisa
pra levar tudo
as partes que você não gosta
não vou gostar também
me ensina como faz
pra gostar por partes
eu não sei como funciona
tem pedaço seu quebrado
mas eu gosto, ah se gosto
de tudo que é seu
queria ser como você
gostar só de partes
descartar o que não importa
quais partes minhas você levou
se for devolver me fala
que eu preciso aprender
como faz para colar de volta

Livro

O livro que você me emprestou 
deixa eu te devolver amanhã
ou agora 
a qualquer momento
deixa eu te devolver pra sempre
eu não quero mais guardar
quero que você venha buscar
e me leve junto

Sigo

Sigo sem saber
qual é o seu cheiro
o seu gosto só imagino
Sigo sonhando
nós dois e nenhum oceano
através
Eu só peço que siga
a linha da vida
e me veja
de frente ao vivo
sem nenhuma tela
entre nós



quarta-feira, 29 de agosto de 2018

como um lego

Plantas bem pequenas
plantadas dentro de rolhas e copos de shot
fotografias espalhadas pela mesa
de pessoas que eu não conheço
alguns minutos se passaram
enquanto tentávamos meditar
o telefone tocando
e tocando e tocando
vesti sua camiseta preta
e não andamos
de mãos dadas pelas ruas
dentro do museu os escravos
nos olhavam e sabiam de tudo
mais do que nós de mãos livres
me questionei se aquele era um bom momento
para eu te dar um abraço
não sei quanto tempo durou
mas foi certo o meu encaixe
como um lego
nos seus braços.











quarta-feira, 15 de agosto de 2018

no chão

Um homem sozinho
cheio de planos
cruzou meu caminho
tentei alcançá-lo
me encaixar nos seus planos
mas ele andava depressa
segurando uma pasta
Entreguei meu cartão
o homem parou
segurou-me a mão
sem nenhuma intenção 
foi embora e derrubou
meu cartão no chão

ninguém

As minhas poesias
só existem de fato
quando saem de mim
mas elas existem de fato
se ninguém as ver?

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Poesia

Como o ar que entra e sai
naturalmente do meu pulmão
ou o suor no calor
sem que eu me esforce 
essas palavras 
escorrem de mim
por todos os poros



segunda-feira, 13 de agosto de 2018

deixar um pouco de si

é um mistério o modo
como as pessoas
fazem amor
se fecham os olhos
o que dizem
se dizem
se parecem vivas
ou mortas
o que fazem a gente sentir
mas depois que o segredo
é revelado
barulhos ouvidos
faces vistas
peles juntas
depois que não há
mais mistério nenhum
existe ainda
um mistério maior
do que qualquer segredo
no mundo
que alma é aquela
que habita aquele corpo
que acaba de deixar
um pouco de si
em mim

Tempo

Também acho
que é perda de tempo
ter pressa
esse nosso tempo escasso
se visto de cima
é infinito

domingo, 12 de agosto de 2018

amantes

não é gozado
que o aplicativo recomendou
a mesma música para nós dois?
me fala de novo quando é que você viaja
para eu não me apegar ao seu jeito
de chutar o vazio enquanto dorme 
não foi na sua tomada que 
ficou o meu carregador?
não sei Benjamin Franklin,
mas eu acho que você escolheu bem a sua 
esse mês eu vou tentar entender 
como é que você se sente às vezes
com a lua no seu signo, mas de novo me fala
quando é que você vai embora?



sábado, 11 de agosto de 2018

Estante

Não te conheço de dia
só uma versão noturna
tem poucos livros na estante 
nenhum de poesia
uma caixa 
que é melhor eu não derrubar
já usei seu sapato 
blusa, banheiro, tomada
mas você só aparece às vezes
e às vezes eu fico pensando
se alguém mais anda vindo
na sua casa, olhando seus livros
procurando sua poesia






sábado, 4 de agosto de 2018

erros

Você me disse uma vez que eu gostava de errar
os seus erros te ajudam a escrever
você gosta de sofrer, você me falou
aquele dia
eu lembro do seu tom de voz, da sua cara triste
já havia tanta despedida
no seu tom de voz, no meu olhar longe
nas nossas mãos dadas
fracas
aos poucos, tão devagar
tudo se despedia
éramos tão diferentes
eu nunca ia me encaixar
nos seus planos
nas suas planilhas
você também não se encaixava
nos meus sonhos
nas minhas viagens
eu lembro que uma vez você disse
que tudo bem as diferenças
contanto que houvesse amor
naquele dia o amor já tinha acabado
dentro de mim
a minha alma já sabia
sussurrava no meu ouvido
não é ele
não é ele
enquanto isso o meu lado poeta sorria:
lá vem uma nova poesia

terça-feira, 31 de julho de 2018

Sonho

Eu sonhei com o mendigo da sua rua. Eu dava um livro pra ele e apertava aquela mão toda imunda. Você não estava por perto, mas era a sua rua, o seu mendigo chamado Ricardo. Eu dava para ele um livro que fala sobre paz de espírito, sobre coisas da alma, sobre respirar. Eu tinha um apego enorme pelo livro, mas foi com ele mesmo que eu aprendi sobre compartilhar, desapegar, sobre saber que nada nos pertence. Eu aprendi naquele livro que o mendigo chamado Ricardo sou eu. E é você também.

terça-feira, 24 de julho de 2018

pontas no cinzeiro

Eu aqui, sentada na sua casa vazia
olhando para os seus discos
os pratos sujos na pia
os tacos cheio de riscos
no chão
um pouco de solidão
de repente eu entendo
sua vontade de fumar
mas eu não me arrependo
de te ver parar
eu também queria esse prazer
falso do cigarro
é como dirigir um carro
que não é seu, e ter que devolver
a gente se sente aceito
o vazio no peito
some agora
mas o cigarro acaba
a sensação vai embora
restam as pontas no cinzeiro
nenhum cigarro termina inteiro
nem você.

domingo, 22 de julho de 2018

Eu não entendia

Sempre gostei mais da noite
ficava sozinha no meu quarto 
com livros de poesia
do Vinicius de Moraes
algumas eu não entendia
a luz fraca do terraço 
às vezes música, alta ou baixa
sempre triste 
algumas eu não entendia
sempre gostei de ficar sozinha
no meu quarto, escrevendo poesia
às vezes eu não dormia
cheia de palavras na minha cabeça
algumas eu nem entendia
sempre escrevi mais à noite
a solidão e o silêncio 
sempre me inspiraram
mesmo quando eu tinha prova na escola
precisava escrever 
esconder a dor
que eu quase nunca entendia.

Oi amor, estou voltando

- Oi amor, estou voltando
cansado, cheio de malas
quero te ver ainda hoje.

- Oi amor, quanta saudade
vou tomar um banho rápido
me encher de perfume
esperar você chegar.

(acendi uma vela em cima da mesa
fechei a porta atrás de mim
fui correndo ao seu encontro)

- Que abraço apertado
você parece ansioso
tudo isso é saudade?

- Acorda amor, pode abrir os olhos
feche a boca, não se assuste
era só um sonho:
eu nem me lembro de você.







terça-feira, 17 de julho de 2018

Resposta

Achei bonito você correr atrás de aula disso e daquilo e consertos e largar o cigarro e tentar colocar as coisas no lugar. Tão bom pra você. Não sei se são tão bons os motivos que você criou para eu ter me encantado com você. Coisas que você poderia ser, coisas que você não é. Eu me encantei por você porque era uma segunda fora da rotina e você tocou uma música que mexeu comigo. Depois vieram sebos e casamentos e fins de semana. E risadas. E nada disso tem nada a ver com o que você poderia ser ou tenha sido. Eu não dou a mínima para nada disso. A gente teve muito a ver nesse tempo que a gente teve a ver. E eu gostei de você exatamente desse jeito que você é agora. Você nunca mentiu pra mim sobre o que você é e nem nunca prometeu que nada mudaria. Eu quis ir embora por essas mesmas razões que o amor tem e a gente desconhece. A despedida também às vezes tem razões desconhecidas. Passou. O nosso amor foi uma brisa gostosa que me fez um bem danado e acho que sacudiu um pouco a sua poeira. Que bom que eu te fiz bem também. Eu estou indo embora aos poucos porque eu não tenho pressa, mas eu não quero ficar mais porque a minha hora passou. Só isso. Mas por favor, continue nessa busca pela sua melhor versão porque você já é um cara incrível e não deveria nunca se acomodar.

domingo, 15 de julho de 2018

Meu último sonho

Eu entrei num barco antigo igual ao que aparece no filme do Peter Pan e fui navegar sozinha pelo oceano noite adentro. O tempo naquele barco era outro, passava mais devagar. Eu tinha uma profunda sensação de liberdade naquele mar silencioso, calmo e noturno. Eu estava sozinha, mas me sentia tão bem. Vi umas baleias mergulhando bem perto de mim, quase esbarrei nelas com meu barco, mas eu não senti medo. Eu tinha certeza de algo. A água brilhava forte refletindo a luz da lua. Aquilo era uma espécie de paraíso. Meu passeio foi intenso mas curto, porque eu senti que precisava voltar para casa. Quando eu voltei, meus pais estavam um pouco mais velhos e me disseram que eu havia passado um ano e meio longe de casa.

Dig

I dig my chest so deeply
to find so little of you
there's hardly any smile from you in my memory
or laughs or touch
I can't remember much of your kiss or smell
I have to create your shades in my head
so far from what I actually saw in you
your tone of voice sometimes comes to me though
with a careful speech
but that's it
I've been mistaken so many times
I could be wrong
but you got me thinking
I don't have to dig my chest anymore
I've already got in me
so much of you

segunda-feira, 9 de julho de 2018

bi polar

pode entrar
se sentar
se entregar
quer dizer 
eu não sei 
venha aqui 
ou melhor
por ali 
fique à vontade
mas nem tanto
quase nada
me dá a mão
uma só
melhor não
pode partir 
me deixa aqui
pode ir




segunda-feira, 2 de julho de 2018

Cuidado

Enquanto você me explica a diferença entre peçonhenta e venenosa, eu me distraio reparando na quantidade de vezes que você ajeita os óculos no nariz. Você é cuidadoso na escolha das palavras e eu sinto que esse cuidado todo é de certa forma para mim. Esse é o tipo de coisa que faz eu me interessar por um homem. O cuidado. Penso que, se naqueles segundos de conversa com som alto e milhares de pessoas em volta, você teve um pequeno cuidado com a minha compreensão, ele nunca irá faltar. Enquanto você explica a diferença entre as cobras, reparo na sua paciência ao me fazer compreender as coisas do seu universo. Não sei dizer se entendi alguma coisa sobre as cobras e os seus venenos, mas eu gostei de você.

domingo, 1 de julho de 2018

quando vidro

quando vidro se quebra no chão 
e ninguém recolhe os cacos 
os dias os transformam em pó
misturado com outras sujeiras
quando vidro se quebra no chão
é melhor recolher logo os cacos
que é pra ninguém pisar e sangrar
vidro dói quando quebrado 
ou pontudo e afiado
quando vidro se quebra no chão 
não adianta consertar
não há nada que se possa fazer 
a não ser lamentar
coisas de vidro se quebram o tempo todo
pessoas pisam nos cacos e sangram os pés
vidro sempre machuca quando quebrado 
ou coração


quinta-feira, 28 de junho de 2018

Verso seu

Uma covinha 
que não era minha
te levou pra longe

Alguém te deu nó
beliscão
fiz dele pó
te dei a mão

se você consertar o chão
não mais envenenar 
o pulmão

nosso amor já venceu
e eu 
nem preciso de um verso seu

de novo

Não consigo evitar
o medo de cair
de novo
com a cara arrebentada
levantei da última vez
também perdi os dentes
as unhas, a vontade de sair
da cama
enfaixei meu peito
tomei remédio
dormi na uti
acordei ontem
aqui
com medo
muito medo
tanto medo
de cair
de novo



quinta-feira, 14 de junho de 2018

seu peito

seu aperto
no meu corpo
seu cheiro
de cigarro
suas poesias 
repetidas
seu repertório
de canções
suas piadas
praça é nossa
seu beijo 
de manhã
seu carinho
nunca raro
seu Clarita
no ouvido
suas pautas
de mendigo
sei que assim
não vou embora
e se me vou
quero voltar
sempre
pro seu peito








sábado, 26 de maio de 2018

no sofá

fizemos amor no seu sofá 
e o amor que eu sentia
ficou por lá
foi de repente sem querer
que eu deixei de te amar




quarta-feira, 23 de maio de 2018

Insônia em quatro tempos

I
mesmo quando a sua boca
tem gosto de cigarro
eu gosto do seu gosto
às quatro da manhã

II
é tanto amaciante
que as flores do campo
querem cheirar sua cama

III
sua tosse me acorda
no meio da noite
seu abraço me pede desculpas
sempre desculpo

IV
mesmo que eu não durma direito
é impossível sair
da armadilha proposta
pelos nossos corpos





sábado, 19 de maio de 2018

Tom

Não é que eu goste do que você escreve
mas eu gosto que escreva
não sei se gosto do seu gosto
musical
gosto é de te ver dançando
desajeitado
parecendo um menino frágil
Nem sei se gosto de você
a ponto de largar tudo que existe
pra deitar no seu colo
mas eu gosto de deitar no seu colo às vezes
ouvir algo que você escreveu
pensar em como ficaria melhor se tudo mudasse
eu acho que gosto mesmo
é do seu tom de voz
manso.

sábado, 12 de maio de 2018

Um conto

Ele acha que pipoca é comida
cogumelo também
mal mastiga pra engolir

ela come doce
com gosto de papel
de sobremesa

às seis da manhã ele acorda
sem nem ter dormido
às onze desperta
ela de ponta-cabeça

ele acha que pipoca é café da manhã
perdeu os óculos

ela sai de fininho
um livro de contos na bolsa
perdeu o sutiã

ele sem óculos
não pode ler as novas fábulas

ela na praça percebe
virou um conto do livro





quarta-feira, 9 de maio de 2018

tudo bem

Ela diz que está tudo bem
mas de hora em hora olha o relógio
esperando o momento que vai estar
tudo bem, e tudo bem
alguma hora ela vai parar
Ela sabe muito bem
que esperar não leva a nada
só andando que dá pra chegar




Fragmentos de um ex

Ele morou naquele apartamento por uns dois anos. Quando eu fui visitá-lo, o banheiro de visitas continuava com goteiras e o chão da sala ainda tinha uma pequena mancha. Achei estranho porque ele era aquele tipo de gente que deixa tudo impecável. Mas eu acho que ele ficou deprimido, que a vida o deprimiu. Ele era muito metódico, não conseguia mudar de emprego, não achava graça de muita coisa, não conseguia nenhuma namorada para deitar nas pernas no fim do dia. Eu não sei o que emperrou a vida dele, era um cara inteligente. Quando o conheci eu jurava que ele seria presidente de alguma coisa. Nunca achei que me casaria com ele, imaginava que ele fosse casar com uma mulher magra, alta e super culta que nem ele. Tipo a mulher do George Clooney. Só que eu acho que ele deprimia todas as mulheres que ficavam com ele. Acho isso porque ele quase conseguiu me deprimir. Ele dizia que eu deveria arrumar um emprego sério, que eu deveria parar de sair tanto, parar de fazer bananeira na parede da sala, que eu era quase uma criança. Ele não era romântico e nem doce. Nos poucos meses que ficamos juntos, ele me deu um livro chato de presente, tentou mudar meu gosto musical drasticamente e me disse que o meu filme preferido era uma compilação de tudo que havia de imbecil na cultura moderna. Eu acho que ele está deprimido até hoje. Só consigo imaginar aquela barba que ele foi deixando e aquele óculos de armação grossa na mesa da sala. Ele se recusava a ficar de óculos dentro de casa e ficava me perguntando onde estavam as coisas que estavam do lado dele.

domingo, 6 de maio de 2018

Poeta

você lê poesia
no pé da árvore
e eu no teu colo
quero te levar
dentro do meu bolso
nem sei mais o gosto
da solidão
me dá um pouco
da sua poesia
farei companhia
quando escuridão
me dá sua mão
te levo junto
nessa caminhada
não peço mais nada
entrego meu peito
me faço disposta
você leva jeito
de ser meu poeta







Telefone

O telefone não tocou
mais um dia
esperei suspirando
com choro nos olhos
cansados
sem saber o que eu fiz
dessa vez
o telefone em silêncio
e de novo eu quis
nunca ter visto
você

quarta-feira, 2 de maio de 2018

Os nós

Os nós que nós damos
nos outros
se finos demais
escapam nas mãos
os fortes demais
é capaz
que desatem
não note esse nó
mal feito
fraco, sem jeito
é assim que aprendi
a dar nó
tenha dó do coitado
rejeitado
nunca foi apertado
será desatado
por falta de uso
recluso
o meu nó
me desculpe
se desfez.

pelo correio

Um dia chegou pelo correio
num envelope do Sedex
um coração desenhado
num pedaço de papel
a borda direita do coração
logo ficou azul borrada
cor de lágrima.

quarta-feira, 25 de abril de 2018

adeus menino

menino distante
nada nunca
é o bastante
pra você voltar
menino indeciso
sua cama ocupada
é um aviso
para eu te deixar
menino sem voz
e sem volta
me deixa solta 
pra eu voar
menino ansioso
essa ansiedade 
não é saudade
da sua cidade?
adeus menino
fiorentino
seria divino
te encontrar
adeus que eu vou
sair de fininho
pra não me machucar

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Crise de ansiedade

Ninguém percebe
meu coração disparado
a tensão
dentro de mim
alguma dor me invade
um desespero
tão invisível quanto Deus
finjo estar presente, converso
olho no olho
só que estou em outro lugar
presa
nos meus pensamentos ruins
De repente
você fala de Deus
do universo, das coisas que não vemos
e tudo
fica
bem.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

Peixes

Eu nem ligo
se você se parece tanto comigo
e há um mar no meio de nós
cheio de peixes
sei que você também não liga
somos tão parecidos
mas pode ser que um dia desses
um outro aquário apareça
e me encha de peixes
eu nem ligo
mas você se parece tanto comigo.

domingo, 15 de abril de 2018

nos sonhos

Eu não vou te esperar
você sabe
estarei por aqui
aquariana
no mundo da lua
nos sonhos
(nos meus e nos seus)
estarei por aqui
sendo eu
sem saber quem é você
se gosta de poesia
se pega na mão
se abraça
se tem a voz do Anderson Silva
nem mesmo se cortou o cabelo
você aí longe
talvez venha
sem saber quem sou eu
se sou barulhenta
se choro às vezes
se vou ou se fico
estarei por aqui
por ali
em todo lugar
esperando sem querer

domingo, 8 de abril de 2018

Remédio

Se existe remédio para tudo 

eu quero dois 

um para mim mesma

outro para quem penso que sou

um remédio que 

ligue

e outro que

desligue

contragosto

não gosto de rimar
acho bobo
fazer palavra combinar


coca-cola

descobri que coca-cola
dispara meu coração
acendi uma vela
anotei num papel
pedi para os santos
até promessa eu fiz
nada adianta
só coca-cola
dispara meu coração



quinta-feira, 5 de abril de 2018

Viagem de ida

Você disse que vem
e quero que venha
mas não chegue tão perto
que eu tenho medo
Venha, mas devagar
que é pra não assustar
o meu coração
Pode chegar, ocupar espaço
dizer o que quiser
e até ir embora
mas se for demorar
e a cabeça apoiar
no meu ombro
por favor não se vá
fique
me deixe sentir
as batidas de dentro
o calor do seu peito
segurar sua mão
fique
me deixe ter coragem
de não ser personagem
numa viagem de ida
uma vez na vida
fique




quarta-feira, 4 de abril de 2018

D(eu)s

Agora que eu finalmente
te achei
me ajuda então
a sair daqui
dividir com alguém
o que eu tiver
juro que divido
o que você me der
me dê uma mão
um sinal
qualquer coisa que me faça manter
a força de procurar
você em todo lugar

fundo

ninguém tem inveja 
do fundo do poço
raiva também não
nem olho gordo
não há interesse fingido
conversa pra boi dormir
ninguém aparece 
nem mesmo pra dizer um oi
do fundo do poço tudo parece tão alto
dá vontade de nem sair mais
dói o pescoço de olhar pro céu 
pra procurar o sol 
é tão silencioso
pacífico
e triste
e solitário
não tem sofá no fundo do poço 
janela, jardim ou comida
não há nada aqui
e eu não sei mais sair 



domingo, 1 de abril de 2018

entendo

sempre faço escolhas erradas
e acho que ninguém vai notar
mas saio perdendo
num jogo que nem começou

pelo menos eu tento
e entendo por que perco

a vida é assim.

trinta e um

Os anos estão passando
e eu não sei se essa sempre fui eu
desse jeito, com essas olheiras
se esse peso sempre esteve nas minhas costas
disfarçado de outra coisa
parece que de repente
todo machucado demora mais pra cicatrizar
às vezes nem cicatriza
fica ali, exposto
antes eu nem sentia
hoje eu tenho vontade de entrar num casulo
e só sair depois de pronta
dizem que o tempo nem existe
deve existir pros sentimentos
que mudam tanto
deixam nossa cara tão marcada
os anos estão passando e eu não estou nem perto
da borda da piscina.







Assim

É sempre assim:
nada acontece
e eu me pergunto
por que tudo me esquece
o telefone não toca
de jeito nenhum
a campainha não soa
lá fora
nada me chama
seu olhar nem por acaso
vem parar em mim
é sempre assim
e eu me pergunto
o que eu fiz assim
que se fizesse assado
você se prenderia em mim







quinta-feira, 29 de março de 2018

Eu já tive

Eu já tive tanta coisa
da última temporada
e mil amigos
que se importavam com isso

Eu já tive coisas que brilhavam
coisas que combinavam
coisas (à toa)

Não tenho mais
e nem sei mais
para quê deveria ter

O que eu tenho agora
dúvidas
certezas e clarezas

Tenho pensamentos bons
e pensamentos maus
e reflito sobre todos eles

Tenho raiva, medo
tristeza e ansiedade
mas agora
eu sei como chamá-los
e principalmente
como transformá-los
em paz.



segunda-feira, 26 de março de 2018

Um garoto

Eu gosto do seu entusiasmo
você parece um garoto
entusiasmado com uma bola
e tudo parece uma bola pra você
assim rindo de tanta coisa
me fazendo rir também
nesse sofá, cheio de espaço do meu lado
senta aqui mais perto
hoje eu quero ser a sua bola

na nossa rua

Ontem eu caminhei na nossa rua
como se nada estivesse acontecendo
como se eu não estivesse com outro homem
comprando cerveja no posto que era nosso
eu paguei com dinheiro, peguei o troco
foi tudo normal, como se eu não fosse uma atriz
que um dia largou tudo
como se meus sonhos não estivessem se realizando
nos bastidores da minha vida
ontem eu caminhei na nossa rua
ao lado de outro homem
ele não segurou na minha mão
porque talvez seja cedo
mas eu quis segurar a mão dele quando atravessei a rua
só para sentir que era mesmo verdade

ela pode te levar

Você me fez uma pessoa melhor
tudo que aprendi com você
tudo que aprendemos juntos
você me transformou
me melhorou
me colocou num lugar melhor
hoje eu te vejo com ela
sorrindo, em paz
você me transformou em tudo que eu sou
e gosto de ser
eu te vejo com ela
te agradeço em pensamento
quero tanto te ver feliz
eu tenho um pouco de você
você um pouco de mim
um dia eu quero te encontrar
te abraçar, te dizer
você me fez tão bem
ela pode te levar
eu só quero te ver feliz


segunda-feira, 19 de março de 2018

cais

levantei a âncora, pronta para partir
deixei tanta coisa
um pouco de mim
te vejo no cais acenando
tentando entender se chego ou se vou
não sei dizer como ou por quê
eu preciso ir
não vejo os seus olhos
mas sinto eles marejados
sou viajante, venho e fico
depois parto 
sozinha
triste 
cansada e sem nada
não sei dizer como ou por quê
adeus.

domingo, 18 de março de 2018

mesmo que não rime

me deixe escrever poesia
antes que o dia chegue
e me atropele
e me empurre pro abismo
me deixe escrever uma estrofe
preciso tirá-la de dentro
me empresta um guardanapo
um papel
um trapo
antes que o dia venha
e eu me esqueça
ou a poesia apodreça


quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Aula

Ela passou parte da tarde lendo os livros para entender o que tinha que dar na aula do dia seguinte. Não era difícil, mas ela era caprichosa e preparava tudo com antecedência. Depois que terminou, foi fazer as outras tarefas do dia e foi dormir tarde como sempre. No dia seguinte, acordou no horário, tomou o café preto revigorante e foi para a escola. Chegou uma hora antes como sempre fazia, preparou os livros, separou os cds e foi para a sala de aula. Quando chegou, seus oito alunos bagunçavam como sempre, mas ela conseguiu, com muito esforço, passar tudo que precisava para eles. Assim que terminou, percebeu que estava até meio ofegante de tanto entusiasmo que tinha ao explicar. Pediu para os alunos então dizerem o que tinham achado do conteúdo. O mais inteligente dos meninos foi o primeiro a levantar a mão. Quando ela perguntou o que ele tinha a dizer, ele falou: "professora, ontem eu vomitei todo o almoço."

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Vida de artista

Quero cortar os meus cabelos
arrancar meu ego de mim
descolar da minha alma
inventar outra pessoa
para ser alguma eu
faço tudo que vier
quero criar
com a força que tiver
me dou inteira
serei a outra que for
entro em tudo de cabeça
revivo um passado pesado
pra tirar algo de mim
brinco com a mente
aprendo a mentir
se você quer saber
essa vida de artista
é tudo que eu queria ter


Dois sóis lá fora

Se o segundo sol de fato chegasse
o seu telefone não tocaria
eu não te ligaria
Não perguntaria onde você está
nem me importaria
Eu estaria sentada
na varanda de casa
com a cabeça no seu ombro
com bambus fazendo sombra
a vida poderia arder
lá fora
eu nem ia saber
embora
com você
pode arder.

Um estranho

É estranho passar a vida com alguém
e depois nunca mais ver o outro?
alguém me perguntou.
Estranho é passar a vida com alguém
sem nunca ter visto o outro de fato.

Casa com jardim

Eu morava com você
numa casa com jardim
você se foi
tentou me levar
no som do avião
você me esqueceu
eu deixei-me ir
por aqui
meu bem, quer saber
minha casa sempre terá jardim.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Linda

Que menina linda, eles dizem
eles acham e olham e querem e pedem
linda, eu? leva um pouco,
quem sou eu para guardar tudo isso pra mim?
Que sorte a minha
nascer magra, simétrica, 
com o nariz no lugar
Que linda, eles dizem e levam um pouco
e mais um pouco
e a menina linda é tão sozinha
Que azar nascer assim
dando tanto trabalho
eles vem, brincam, tocam
depois vão embora
com metade de mim

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

poetinha

poetinha desligado 
lê poesia pra mim
tira soneca na rede
anda descalço
o que vai ter pra comer
no café da manhã
poetinha, lê pra mim
os seus escritos sagrados
vem sempre de dentro 
dá pra ver de fora
deixo te contar
que você adora ouvir
olha só essa árvore 
vamos morar nela
plantar mais vinte
poetinha me fala
de onde você veio
pra onde você vai
quero ir com você



terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Cálculo

Um café e um chá de hortelã.
Uma carta em cima da mesa?
Não. Um texto do teatro.
Um bolo pequeno no prato,
só pego um pedaço.
Te pergunto: então não?
Você pensa no sim,
mas calcula melhor que não.
Te conto do meu encontro.
Fiquei completa, inteira, achada.
Agora posso sair pra rua,
deixar a cerveja, ser eu mesma,
eu já posso me acalmar.
Te conto tão feliz do meu encontro
e agora que sei olhar pra dentro,
quero olhar para você.
Seu olhar marejado mostrou,
que você comovido ficou,
quis dizer algo que não saiu.
Tudo bem meu amor,
não precisa dizer.
Garçom, traz a conta,
ele calculou melhor que não.



Às vezes parece que eu te conheço

Às vezes parece que eu te conheço tão bem. Quando você me mostra as particularidades de cada planta no jardim, os fios das folhas que parecem cabelos, as folhas que parecem bordadas à mão. Me sinto curiosamente protegida do seu lado, mesmo que você não seja alto ou forte. Você me olha com um carinho protetor e me procura com o olhar como quem procura o lar. Às vezes você fica parado e eu fico imaginando se você está fazendo poesia na sua cabeça como eu. Deve estar. Quero te mostrar tanta coisa, sei que você vai saber do que eu estou falando. Você sempre sabe. Às vezes parece que eu te conheço há tanto tempo. O seu rosto me faz sorrir. Quando eu encosto no seu peito, me sinto em casa.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

guerra

Escapei ilesa
do primeiro beijo
no portão da casa
No segundo eu vacilei
te levei 
comigo
O resto eu nem sei
me apaixonei
me entreguei 
me rendi
mas não perdi:
você ainda
está aqui.


domingo, 7 de janeiro de 2018

A sua falta

A falta que me faz 
a sua falta
é leve
não chega a doer
mas deixa um vazio
uma fisgada
um sussurro 
eu aqui
sentindo falta
deixo ser 
não falo nada
mas quero mais

sábado, 6 de janeiro de 2018

Entre eu e a lua

Naquela noite
entre eu e a lua
havia você

Sentei do seu lado 
sem querer
mas querendo 
talvez

Acidentalmente
o meu pé encostou
no seu
(sem acidente
nenhum)

Naquela noite de lua cheia
sentei-me do seu lado
encostei meu pé no seu 
mas era tarde
demais.






quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Distraída

Dizer que eu sou sua
que você é meu
é tão definitivo
e eu não quero dar motivo
para minha aflição
Tenho medo do futuro
o presente já é duro
quero apenas caminhar
distraída, sem notar
o meu entregue coração
pulsando na sua mão






domingo, 26 de novembro de 2017

Sonho

Me peguei sonhando
com os braços da sereia
que nada no braço
de um certo homem.

Domingo

É domingo, abro a janela,
busco uma caneta azul
(acho preto triste)
pego um caderno no chão
e escrevo.
É sempre domingo quando
escrevo sobre solidão.
Escrever me salva da tristeza,
do medo da semana que vem
(vem mesmo com medo),
da vida que anda passando,
como sempre com pressa.
Fico descalça, desnuda, sem nada no rosto
e na boca só o gosto
do bafo matinal.
Domingo eu me faço de morta, de tonta
não saio do quarto,
não vejo ninguém - se vejo não ouço.
Não gosto nem do espelho:
das marcas de noites passadas
em claro e às vezes com sorte
no peito de alguém.
No dia de hoje ninguém vem
o que fazia Deus no sétimo dia?
Eu no domingo
só quero morrer
e renascer
quando der.


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Poeta

Cabelos pretos grossos
cheios de fios brancos
um dente torto bem na frente
vinte e cinco tatuagens
ou talvez dezesseis
rugas ao lado dos olhos
que fazem o olhar sorrir
uma barba perfeitamente desenhada
com caneta de ponta fina
para detalhar melhor a alma
de menino curioso
de cozinheiro talentoso
de homem cheio de vontade
me dá saudade
ei poeta
você consegue se reconhecer
nessa poesia
feita para você?

domingo, 19 de novembro de 2017

Um homem partido ao meio

Você é agora feito de esforço
para se manter firme
cansado mas forte
com o som de pratos, talheres
cheiro de alecrim
sua presença tem dificuldade
de seguir sem o que tinha
e talvez não seja pouco
e talvez eu exija muito
de um homem partido ao meio.

Pressa

Me disseram que tenho pressa,
quero apressar o curso do rio.
Eu deveria esperar, ser mais calma,
deixá-lo passar no seu ritmo.

Não entendo que tipo de amor
esperam de mim.

Um amor calmo, que espera
sem nenhuma pressa de amar?

desconheço.

Desejo todo segundo de beijo
a cada segundo junto
- por que perder um segundo?

desperdício.

No pouco tempo
aqui que temos
eu quero amar
com pressa,
urgência,
falta de fôlego,
suor.
Se a dor vier
(ela sempre vem)
venha
e me pinte de preto
inteira.


sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Janela

Quando eu acordo, abro a janela
árvores, pássaros, fonte de água
um jardim emoldurado pra mim.

Tem gente que abre a janela
postes, prédios, muros
toda tristeza do mundo. 

Se há mesmo Deus,
peço que ele chegue também
à janela dos outros. 




domingo, 5 de novembro de 2017

ninguém

Quem sou eu
nesse mundo
que não é meu
O que eu faço
com tão pouco
que me foi dado
Para onde vou
se devo chegar
a lugar nenhum
Como vai ser
quando eu estiver
sozinho
Quando vai ser
meu dia de ser
alguém
Quem levo comigo
se todo mundo
já está ocupado
Por que, meu deus
somos todos assim:
ninguém

melhor

Eu tento todo dia
ser o que eu sei que é
o melhor de mim
com você aquele dia
enquanto eu era eu
e você me ouvia
eu nem me esforcei



segunda-feira, 30 de outubro de 2017

À noite

Sou muito mais da noite do que do dia.
De dia eu sofro pra fingir que gosto
do que não gosto,

Temos que nos enquadrar.

À noite é um silêncio:
só cigarras e grilos
e as teclas do meu computador,

Eu consigo me escutar.


terça-feira, 24 de outubro de 2017

Eu não lembrava de você

Eu não lembrava de você,
eu não queria lembrar de você,
mas você insistiu.
Algo no meu inconsciente,
algo que depois eu entendi o quê,
não me deixou registrar o nosso primeiro encontro.
Mas você insistiu.
Me fez convites que recusei,
fez piadas que eu ri
e uma hora eu finalmente cedi.
Subi na garupa da moto,
acendi a luz do teatro,
acendi o isqueiro no terraço,
e algo em mim se acendeu.
Numa noite de chuva eu quis dizer não.
Você insistiu, disse que éramos adultos,
que estava tudo bem.
Uma hora eu finalmente cedi.
Abri a porta do carro,
compramos um vinho,
contei-lhe um conto,
e como dois ímãs nos unimos.
Agora que tudo mudou,
que não somos mais ímãs,
que a cortina fechou,
agora eu me lembro de você.


domingo, 22 de outubro de 2017

solução

Hoje eu perdi o dia porque fiquei dançando no quarto.
Eu sofro por dentro e meu quarto está uma bagunça,
achei 
melhor 
dançar.

Unha

Vejo a minha unha roída
pequena, machucada.
Do conforto para esse abismo:
Eu aqui, atrás de sonhos,
distraidamente me ferindo.



Insane

why do I insist
isn't it insane to repeat
the same action
over
and over
and expect
a different result?

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

fantasma de cigarra

Um dia eu vi meu pai caído no meio da sala. Eu logo percebi que era um corpo morto, a gente percebe quando um corpo não tem mais nada dentro. O meu tio disse que era para eu ficar quietinha e esperar. Eu fiquei quietinha atrás da escada, espiando os caras do IML jogarem o corpo do meu pai numa gaveta gigante. Foi assustador. Naquele instante eu tive uma visão. Eu vi o quanto o nosso corpo não é nada. Meu pai não estava mais ali, meu pai não era aquele corpo naquela gaveta. Meu pai já tinha ido embora, estava em outro lugar, em outra dimensão. Aquele corpo na gaveta era só mais uma casca sendo jogada fora. Lembrei de como as cigarras trocam de pele e largam uma casca pregada na árvore, como se fosse um fantasma de cigarra.

sábado, 23 de setembro de 2017

A depressão é uma forma meio misteriosa que a morte encontrou de se infiltrar em nós

não vem

Eu queria escrever sobre você
mas você não me deixa
você não vem me ver






Trilha de pedrinhas

Estou ouvindo um passarinho cantando lá fora. Esse som me lembra a minha infância, a minha casa de campo da infância. Eu andava descalça numa trilha de pedrinhas de um bosque que tinha lá. Meus pés doíam, mas eu me recusava a calçar qualquer coisa, queria que eles ficassem calejados para eu poder pisar em paz. Lembro de achar que aquele bosque era um mundo paralelo, o mundo paralelo de milhares de bichos misteriosos. Eu queria encontrá-los todos, ver como eles viviam. Era sempre assim: eu estava prestes a descobrir o segredo irrevelável dos pulgões, quando surgia uma voz do além: "Clarinha, vem comer!"

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Pedaço

Se agora escrevo sobre você
é porque o pedaço seu que você me deixou
involuntariamente
infiltrou-se nos meus poros
transbordou no meu peito
transformou-se em palavras.
Se você nunca quis deixar nada pra mim,
peço desculpas.
Queria poder devolvê-lo,
mas agora é tarde demais:

ele está aqui.

Algo

Tantos anos se passaram e eu continuo não sendo nada.
Mas também, o que eu gostaria de ser?

Para o nada que eu sou,
até que tenho algo dentro de mim.


sábado, 26 de agosto de 2017

Fazia sol em Camburi

Fazia sol em Camburi e o céu estava completamente azul. Marcos era surfista e queria passar na casa da namorada de manhã para poder pegar umas ondas ainda antes do almoço. Ele estava cansado da namorada e queria terminar o namoro para poder surfar em paz. Estava numa época da vida em que tudo era uma descoberta: o surf, as garotas, as drogas, as festas e o céu azul de Camburi. Ele estudava, mas não muito. Queria crescer e ser alguém na vida, mas não muito. Ana odiava os "não muito" de Marcos e o namoro já estava péssimo há algum tempo. Ele estava decidido a terminar de forma rápida e indolor. Apesar de não acompanhá-lo nessa fase da vida, Ana era uma garota legal e iria entender, eles poderiam até se tornar amigos. Ele tocou a campainha daquela conhecida porta azul e ela abriu vestindo uma camisola escondida sob um roupão curto de seda - pela cara dela dava pra ver que já pressentia o término. Marcos respirou aliviado em pensar que tudo poderia ser até mais rápido do que ele planejava. Ele abriu a boca para dizer as primeiras palavras quando Ana disse: "estou grávida."

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Viela, montanha, isolamento

Por que desviei?
Por que não observei,
por que não ouvi o seu chamado?

Em que viela, montanha, isolamento
eu estava?

Quando você aparecia (do nada),
quando você me alimentava (de poesia),
onde é que eu estava?

Por outro lado,
se vivemos num eterno retorno,
em que viela, montanha, isolamento
está você agora?


sexta-feira, 28 de julho de 2017

O assalto

Ontem eu vi um assalto, ou segundos depois de um assalto numa praça. Eram dez horas da noite e a praça me parecia bem iluminada. De um lado eu vi a vítima, um rapaz gordinho com uma camiseta amarela de ginástica colada no corpo e uma menina que não consegui perceber bem. O rapaz era moreno e tinha um cavanhaque. O bigode me chamou mais atenção do que a rala barba. Ele usava óculos de grau e capacete. Segurava a bicicleta com a mão direita e tinha o braço esquerdo jogado do lado do corpo no maior ar de derrota que eu já vi na frente. Ele fitava fixamente o assaltante indo embora e enfiando a carteira roubada no bolso. Do outro lado da minha visão tinha o assaltante. Ele passou perto do meu carro e eu achei que tinha visto uma arma no seu bolso. Tinha o corpo de no máximo vinte anos. Era magro, negro e vestia um moletom branco de gorrinho, com o gorrinho escondendo o rosto. Vestia um boné de aba reta também. Acho que estava de bermuda e chinelo, mas isso eu não tenho certeza se inventei, em todo caso a bermuda era preta. Aquela cena formou um quadro na minha memória cujo ponto central é a cara de impotência e fracasso do gordinho de bicicleta.

até o barulho da porta

No café da manhã te conto um sonho você finge não entender  te beijo e abraço suas costas você beija de volta e vai embora fico com as suas ...