quarta-feira, 31 de agosto de 2022

eu subi no palco 
subi o tom de voz
subi num avião até Los Angeles
subi para não ser só
mas foi só 
depois que desci 
até o fundo de dentro 
do fundo do poço 
de dentro de mim
percebi:
somos todos 

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Gabriela

 Ela lava a roupa enquanto fala comigo 
apesar da voz doce, é mulher firme - às vezes até dura
tem cabelos finos e cheirosos, sempre cheirosos
eu só posso me lembrar: ela vive longe.
Me sinto inchada, cheia de sangue que não desce
o telefone às vezes falha e eu perco uma palavra
anotei outra: "processos"
sobre os rios que são a vida
cheios de margens compressoras
mas também cachoeiras e casas na montanha.
Desabafo sobre os exageros do outro 
e ela me receita cuidar da fala:
sou eu que sinto - o outro é alheio. 
Alguém ao lado dela diz que vai nadar
reconhecemos a benção que é entrar 
numa terça-feira no mar.
Eu olho para os prédios e sonho
- com ela eu sempre sonho.  
Sinto desaguar o sangue preso e me lembro:
ela é sempre um cuidado.  


terça-feira, 24 de maio de 2022

Sem um amor

Deve ser difícil não poder
apoiar-se no amor
nos dias em que as pernas falham
Deve ser difícil chegar e não ver
o olhar do amor 
esperando na escada
O quão difícil deve ser
despertar sem o amor
dar beijos e risada
Não imagino ocupar
neste mundo um lugar
sem ao lado um amor
que veja junto o sol se pôr

terça-feira, 3 de maio de 2022

Covas

 Nada mais se faz neste mundo 
além de cavar covas 
para todo humano que vive
para os próximos que virão
o homem cava sua cova 
escova os dentes e vai dormir. 

terça-feira, 5 de abril de 2022

não se deixa de ser

 Eu até quero ser 
mas o medo é maior
está escrito falha e culpa 
em tudo quanto é lugar
ser mãe é sempre
o tempo todo 
não se deixa de ser
o medo é maior
a gente mal sabe se ser
como é que vai saber
ensinar para outro ser
como é que se é?

Crise

 Ansiedade 
ânsia de vômito 
coração disparado
tantas demandas 
pânico, calafrio
desespero do desespero 
do mundo
me sinto e sou 
impotente inoperante
inadequada 
e nada me resta a não ser
o invisível vômito no chão
caneta e caderno na mão
inventar poesia

segunda-feira, 28 de março de 2022

Para o contato

O mecanismo
dos sentidos alheios
é um mistério.
São criptografadas
as falas do outro,
o contato.
É um mistério 
como funcionam
relações sem tradução 
imediata.
Todo o tempo se empilham
toda sorte de símbolos
mal decifrados
nos fundos dos olhos 
e ouvidos desleixados
do outro.
Inventarão algum dia
para o contato
tradução?

sábado, 26 de março de 2022

132 semanas

Nunca inchou minha barriga
o tempo não passou em semanas
não fiz olhos, narizes e nem coração
eu nunca esperei num quarto vazio
meus braços não foram cama
nunca tive nenhuma extensão
No entanto há dias no quarto
tão só quanto uma mãe
recusam a minha comida
não respondem minhas perguntas
desprezam os meus pedidos
os filhos que eu não tive me rejeitam
a mãe que eu não fui não sai de mim. 

quinta-feira, 3 de março de 2022

um mundo sem homens

Sozinha na mesa 
almocei cheia de medo
da grande extinção em curso
- um mundo sem homens
roí meu restinho de unha
pedi a conta, vim correndo
para o homem que me acolhe
enquanto homens amputam outros homens
enquanto homens guardam tudo para si
há um homem 
com uma caixa de ferramentas
conserta paredes e pessoas paradas
logo o mundo vai ficar sem os homens
abraço este homem e fico tão triste 
só queria poder avisar
antes do céu cair: 
este homem só faz consertar

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Ele insistiu que "o acaso é feito à nossa semelhança" e repetiu-o diversas vezes. Você nem se importou. Disse qualquer coisa sobre os fatos e os homens e qualquer coisa dos livros. Eu me importei, e me importo que te falte em absoluto alguma vontade de saber sobre os mistérios como o acaso. Mas eu supero. Há dias em que você me mostra, maravilhado, que abelhas visitam as plantas que escorrem no seu consultório - e no instante seguinte sementes caem no chão, como uma chuva baixinha. Você filmou essa cena e me mostrou quase emocionado falando sobre os tempos certos da natureza. Nem me importa se o acaso é feito disso ou daquilo. Acaso ou mistério, eis você aqui, maravilhado com abelhas e sementes, do meu lado. 

sábado, 20 de novembro de 2021

Quatro horas da manhã

 Essa não é a primeira vez que eu tenho insônia
é possível que seja a mais longa: 
já faz duas horas e meia que estou acordada.
É a primeira vez que eu escuto a sua respiração durante uma insônia
você nem reparou que eu saí da cama.
Senti pena da nossa vizinha barulhenta pela primeira vez
é madrugada e ela fez uma tapioca para o aplicativo de entregas.
Será que ela já estava acordada?
Fiz um chá de camomila para ver se me dá sono
esqueci de tomar, esfriou.
A camomila já estava velha também.
O relógio do seu avô me disse que são quatro horas. 
Enquanto espero o sono chegar comprei uma peça de teatro virtual
Esperando Godot, do teatro Oficina.
Vou esperar você acordar para assistirmos juntos.


sábado, 25 de setembro de 2021

O tempo todo

é o tempo todo assim 
essa vontade de ficar
perto da sua boca
ouvir falar
ou ficar
em silêncio 
que vontade de beijar
o tempo todo me dá

Nova York, dentro do ego

Por todos os lados
dá para se viajar
por aqui e lá fora
Nova York, dentro do ego
qualquer lugar
com dinheiro, cápsula 
ou remédio
sempre tem para onde ir
embora se saiba 
amplamente
por todos os médicos 
indivíduos e viajantes
é o peito do outro
o melhor lugar
para se viajar 

Eu já sabia

eu já sabia
que iria te encontrar
quando eu larguei tudo
só ficava impaciente 
na sala de espera
não sabia, não sabia quando 
e aí você apareceu 
todo de cerveja, ajoelhado 
diante de mim
ouvindo o meu chamado 
nas palavras de Joyce
quando eu desci aquelas escadas 
eu já sabia
que eu ia morar com você

terça-feira, 14 de setembro de 2021

 Se essa jornada
que aqui mesmo acaba
for esse tanto solitária
me mostre onde ela deságua
quero sentir gosto de nada

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Nem reparo o Tietê

Itacaré, Itaparica
Taipu e Algodões
manguezal e Mata Atlântica
coco fresco e cacau
acontece que o seu colo
toque, peito 
o seu cheiro
todo dia é tudo cinza
arranha-céu, eu sinto o gosto
de fuligem e esgoto
o tempo seco arde o olho
eu só vejo camelô
acontece que o seu toque 
colo, jeito, sua voz
troco tudo, deixo o troco
da nascente até a foz
Maraú ou Camamu
nem reparo o Tietê
seca o tempo, não tem coco
mas o que arde mesmo o olho
é a falta de você

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

e só

cansada
impotente
tão parte
humana
estranha
insuficiente
pedaço de pó
permanente
e só

Dói tudo

Menos o corpo
dói tudo 
de dentro
pensar e dizer
e deixar de dizer
dói lembrar
esquecer é pior
o que é de dentro 
e não é corpo 
às vezes arde
a impunidade
e a dificuldade 
de impedir
dói só de olhar
mesmo de longe
ou lá de dentro 
o mundo arde 
e o pior 
é fazer parte.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

É você?

verdes ou azuis
lindos os seus olhos
e suas mãos
que seguraram as dela
até o culto e a ciência
a risada sempre ao fundo
ironia ou brincadeira
seriedade só se for
no preparo da lasanha
no momento da história
cada vez com mais detalhe
e sapatinho de cristal
ainda bem que era você
quando eles viajavam
para nos ensinar tricô
contar mentira, dar risada
alimentar e nutrir
mas vovó, tem uma coisa
que a gente sempre quis saber:
o relato tão preciso
cabelos loiros, olhos claros
encantadora de ratinhas
é você a Cinderela?





quarta-feira, 30 de junho de 2021

Última

Fui a última a chegar 
trouxe pássaro
planta, horta, altar
Fui a última a chegar
ocupei as gavetas do quarto
enchi a pia de vidros
a parede lá de baixo
quadro, estante
troquei o detergente 
pintei flores no azulejo
ocupei o armário vermelho
até na cozinha
tem gaveta só minha
Fui a última a chegar
já ocupo tanto espaço 
ainda tem o mamoeiro 
que insiste em tentar
já eram três
e pra vocês 
eu fui a última a chegar
vou tirar o mamoeiro
já ocupo tanto espaço
nem precisa mais falar

Seu passado

Elas nunca foram grandes
no entanto
em horas específicas
me parecem imensas
os meus dentes me ajudam
roem devagar
cada unha
até acabar 
aquele dia na cama
falávamos sobre a falta
você queria mais memória  
e eu queria menos
do seu passado
todo o tempo, em cada quadro 
na pia, nos quartos
nos tênis que eu visto
minha unha estava tão grande 
meus dentes me ajudaram 
aquela noite
até sangrar

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Entre nós

O que é o tempo pra gente:
treze anos atrás ou pra frente?
Entre nós.
Entramos. Lá se foram:
dois anos.

O meu fevereiro 
o seu em setembro
é tempo também
os meses que tem
entre nós?

Apenas mais nós
os meses e anos 
quiçá os segundos
que há entre nós.




sexta-feira, 16 de abril de 2021

Instante

As imagens variavam entre girassóis, cachoeiras e montanhas. Eram mesmo lindas, mas contrastavam demais com o barulho da broca e o cheiro de produto químico. Pensei em concentrar nas paisagens e me desligar, mas me lembrei do título do meu livro preferido: "Be here now" ou "Esteja Aqui Agora". Mesmo que o aqui agora seja uma cadeira de dentista e uma pessoa esteja me perfurando com uma pequena broca? Fiquei tentando entender por que estar aqui agora seria bom para mim. 

No livro, o autor diz que o exercício é não desejar estar em outro lugar, porque essa é a fonte da dor. O exercício é tentar observar de fora, sem se apegar aos sentimentos e emoções ou aos pensamentos que pudessem vir. Observei os campos de lavanda que agora apareciam na tela do computador do consultório e pensei se ao observar aquelas imagens eu não estaria forjando uma fuga. Uma fuga do aqui e agora. 

Fechei os olhos e tentei focar na inspiração e expiração. Percebi meu corpo relaxar. Sentir dor e estar naquela cadeira com uma broca enfiada na boca era melhor do que não sentir nada. Pensei nos anjos do Win Wenders observando os humanos e desejando coisas mundanas como o cheiro do café, sem poder as ter. 

A experiência humana nem sempre parece boa, mas ela é como deve ser. Estar presente na hora em que o meu dente é perfurado é onde eu preciso estar e mais ainda: é onde eu quero estar, nesse enorme exercício de agradecer o instante. 

terça-feira, 6 de abril de 2021

Na garganta

Tenho uma poesia 
entalada na garganta.
Às vezes eu sinto o seu gosto.
Me sobe um refluxo,
dá azia 
e a poesia 
não sai do lugar.
Tentei pintar
assobiar
subir num palco 
disfarçar
mas a poesia entalou.
Fincou as raízes
com a ponta do dedo
ela pinta de rosa
vez ou outra 
a visão.
Sai não. 
Como pomo de adão
a poesia é de lá:
fincada
engasgada
entalada na garganta. 



domingo, 4 de abril de 2021

Insignificância

 Manchei a minha mão 
com limão 
pude ver como ela ficará
quando eu envelhecer
Então fiz o que sempre faço 
me entristeci 
com minha insignificância
demorei para me lembrar
das pétalas das flores
insignificantes também
sempre caindo
ainda assim me doeu lembrar 
eu e a rosa
pouco importamos

Se eu soubesse explicar 
esse choro preso 
talvez não fizesse poesia 

terça-feira, 9 de março de 2021

 Eu sonho com o mato

 moro no morro


Se o sangue faltar

se o sangue faltar 
na minha calcinha
o ar vai faltar 
no meu peito 
se você for sugar 
o meu corpo 
roerei minhas unhas
aos poucos
se você for pedir 
o meu tempo 
pedirei ao banco 
perdão
quem vai segurar a outra mão
se eu tiver que te dar
para atravessar?
eu sei que deve ser bom 
eu entendo o frisson 
mas se o sangue faltar
a barriga crescer
eu tiver que doar
tudo que tenho 
é tão pouco
meu filho
tão pouco 
que não sei se vai dar


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

No fundo do lago

Deixei cair meu diamante no fundo do lago 
os dias passaram a chover 
todos nós nos encharcamos
Eu sinto o meu brilho mas não o vejo mais
nos faltou tempo para buscá-lo
e máscara para ver o fundo 
Eu sinto o meu brilho
no fundo do lago.

domingo, 10 de janeiro de 2021

O seu foco

Outro dia foi o avião entrando na nuvem de chuva
normalmente é o vôo do gavião ou do urubu
podem ser também o sabiá e o bem-te-vi 
pousados
borboletas e mariposas
distraídas
até árvores gigantes
podem ser o seu alvo.
Você para sua moto e diz:
"repara"

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Corrosivo e violento

Há caos e violência 
nas tempestades que surgem
de céus escuros
levam tudo e se calam
Há brutalidade e força
nas árvores suntuosas sustentando-se
fincadas na terra com garras
nos rios que correm corroendo as margens
nas cobras, aranhas e veneno
Há dificuldade 
ignorância
corrosão e morte
na natureza
o tempo todo a morte
inesperada e triste
entretanto
maior do que a morte
mais venenoso
corrosivo e violento
Há o homem.




quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Fios

Os satélites,
astronautas e extraterrestres
se atentos
quando olham para baixo
são os únicos que podem ver
os fios invisíveis que nos conectam
às luzes acesas nos prédios
aos cães que latem no bairro
aos rios debaixo das cidades
às sirenes
aos vivos e aos nem tanto
emaranhados 
como uma bola de lã



terça-feira, 18 de agosto de 2020

quebranto

por um tempo 
o anel não coube no dedo 
gordo 
o cotovelo não aguentou a invertida
e o toque
as coisas voltaram ao normal depois
não sobrou quebranto 
ao lado da lavanderia
na mesa enorme
canetas e livros
três estantes de plantas
não havia mais nada de triste
só eu 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Cimento

o cimento, você disse
uma arte complicada
tão difícil de moldar
as medidas e maneiras
no tom e tempo certos
com água e paciência
eu pergunto é pedreiro
um artista?

inflamados

cotovelo dedo braço beiço 
também a alma
por dois dedos
quase me escapa 


Farpa

um corpo estranho 
no
meu corpo ainda 
estranho a mim 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

não existe nada estático

os ponteiros
os pássaros voando
a dor no peito
a violência das ondas
não existe nada estático
com os anos se desbota
pregado
o quadro na parede
as igrejas medievais
em eterna restauração
somem um pouco a cada ano
templos e corais
essa tristeza a me torturar
a alegria que vem depois
todas as coisas
tem um pedaço de vida
sempre a morrer

terça-feira, 30 de junho de 2020

Falta

Falta ritmo
um ritmo qualquer
entre os versos
da sua poesia
falta música
estudo
matemática, disciplina
Que falta a minha
escrever poesia
com tanta arte no mundo
pensei que a poesia
era só transbordar


Babosa

Quero comprar um vaso de babosa
ou também Aloe Vera
uma planta pontuda
cheia de tentáculos e nutrientes
quero acompanhar seu crescimento
ponta por ponta
eu vou arrancar um pedaço
passar na minha pele
outro pedaço vai crescer no lugar
quero comprar um vaso de babosa
passar no meu cabelo
Aloe Vera
uma planta conhecida
todo mundo devia ter um vaso 
tem tantas funções
a que mais me interessa 
entretanto
é que dizem que ela protege 
a casa da gente.

Estar no presente é o que 
senão ser
essa tarefa grandiosa 
que é ser
um ser vivo 
ser humano
ser

quinta-feira, 16 de abril de 2020

noção

acordei com a sensação
sabedoria?
de que neste exato momento
eu tenho tudo que eu preciso
para ser eu

sexta-feira, 10 de abril de 2020

é difícil ver agora

Ele lava a louça, eu medito e quando abro os olhos tudo parece mais branco
Ontem ele me mostrou o amolador de facas do avô
fez questão de tirá-lo da caixa de madeira e passar os dedos pelo grafite
- olha que bonito, sente
um objeto que atravessou os anos
no meio da estante eu achei um livro de poesias hindu
não entendi nada, mas as letras indianas remetem a oração
orei também com o autor
há um vírus circulando pelo mundo
minhas palavras não o alcançam nem faca ou amolador
à noite pessoas saem às janelas para gritar contra o presidente
em outros países elas cantam
Há um vírus, é difícil ver agora
mesmo que ele tenha deixado tudo mais visível
é difícil ver agora que isso é uma travessia.

terça-feira, 24 de março de 2020

Invisível

Poucas pessoas sabem
poucas, muito poucas
é invisível
não há ciência nem razão
é da ordem do mistério
indizível
ontem descobri
quando vi mais um morto
no leito do hospital
é proposital
da ordem do castigo
recomeço
da lição
é preciso matar
para chamar a atenção
é preciso morrer
para se fazer ouvir
silêncio
exílio
solidão
ele voltou
sem converter água
sem rosto ou apóstolo
quer que escutemos
devagar
atenção
lembre-se do amor
esqueceu?

segunda-feira, 23 de março de 2020

O que eu sinto não é isso

o que eu sinto não é isso
quando você abre aquele quarto
trancado a sete ou oito chaves
passado e pó me fazem espirrar
o que eu sinto é invenção e preenchimento
talvez nem sejam da ordem do sentir
tanto faz
eu invento o seu passado
crio imagens, cenas no jantar
ela sentada no seu colo
o que eu sinto não é isso
eu não sei
talvez seja vontade de apagar
eu também tenho passado
não dentro de um quarto
no mesmo quintal
na mesma casa
numa pasta
em tudo quanto é canto
o meu passado eu já perdi
o que eu sinto é o seu passado


sexta-feira, 6 de março de 2020

se ao menos

Me sinto cansada
minha perna esquerda dói
os olhos querem cerrar
te tocar eu não consigo
é tanto o meu cansaço
nesse fardo de viver
se ao menos eu soubesse
onde é que acende a luz

quinta-feira, 5 de março de 2020

Por trás dos olhos

Eu não tinha te notado quando cheguei na plataforma. Mal consegui reparar no seu rosto ou na cor das suas roupas e, mesmo assim, eu nunca mais me esqueci. Aquele olhar vazio, privado de um humano por trás dos olhos. Eu nunca pegava o metrô, mas naquele dia ia me poupar muito tempo. Comprei o bilhete e desci correndo para entrar no vagão. Mesmo assim perdi o primeiro trem e tive que esperar pelo segundo. Tinha pouca gente ali, duas ou três pessoas além de mim. Talvez cinco ou dez. Era o meio da tarde de uma quarta-feira. Três e quatorze da tarde. Eu lembro da hora exata porque tinha acabado de olhar o relógio quando você gritou: "O trem está chegando. Preste atenção que a sua vida vai mudar." Não consegui nem esboçar algum tipo de pergunta porque o trem chegou e você se atirou. Nem um porquê. Um 'e se' ou um 'como'. Nada. Não tem um dia sequer que eu não pense em você, no seu olhar vazio, na dor inexplicável que eu senti aquele dia. Eu não sei dizer se a minha vida mudou como você falou, tudo está sempre mudando. De fato você virou parte de mim, como talvez não teria virado. De uma maneira que eu não gostaria. Me fez ter medo da morte quando ela era só mais um detalhe.

domingo, 16 de fevereiro de 2020

quinze vezes ao dia

ideia, vontade, filosofia
modifico-os o tempo todo
quinze vezes ao dia
entretanto uma vez basta
para você me olhar e saber
precisamente o que é
aquilo que não modifica

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Poesia

Não adiantam palavras bonitas
há de haver um ritmo, um nó, um eu
há de haver beleza
tristeza
rimar não precisa
há de haver uma falta de eu, de tu
uma falta qualquer
uma certeza da morte
medo não precisa
há de haver dor
palavras bonitas ajudam
mistério
uma lembrança que ninguém mais tem
há de haver uma poesia antes
uma escultura embutida na pedra
um ou outro silêncio
antes e depois
há de haver um depois



terça-feira, 14 de janeiro de 2020

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Quando eu acordo

Existem uns segundos logo que acordo
segundos de dúvida
quem é esse homem
qual cara ele tem
me viro por entre o nó de nossos corpos
você ainda dorme
te olho
te examino
me lembro que homem é
o meu
o que eu escolho amiúde
no instante em que acordo

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

O amor

o amor te ensinou a ter medo
do seu jogo preferido
tirou-o de casa uma vez
fez voltar outra vez
o amor deixou o seu rosto marcado
a postura mais curva
o cabelo mais ralo
o amor te empurrou
da escada
recolocou-o
na poltrona
o amor se mostrou
nos livros com recados
nos quadros da casa
em corações pendurados
o amor ficou de luto
escapou um minuto
disfarçou-se de vulto
no entanto o amor, meu amor,
esse amor malcriado
maldito e encantado
nem por decreto
deixou o seu lado

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

pelas paredes

é muita gente 
que passou 
pelas paredes
tijolos
seus olhos
seus filhos
o que ficou 

preso no fio

um dia você ganhou 
um coração 
preso num fio 
o prendeu 
no retrovisor
o manteve
balançando
não é mais tudo 
símbolo?


nem eu

você acha mesmo
que me sabe toda:
batatas
tristeza, tesão?
há um décimo meu
que nem eu

prega um prego
me dá um beijo
toca rebolo
afaga o cão
menos um quadro
mais um beijo
um prego
loja de construção
cólica prego
quadro foto
dor
tristeza
hospital solidão
deito no chão
Grande Sertão 
penso demais
afago o cão
domingo doeu
onde estava eu
com prego na mão

terça-feira, 19 de novembro de 2019

Impulso

o céu branco fala diretamente com o meu peito
o seu corpo é sempre tão quente, eu não entendo
em alguns momentos eu me canso
e tenho vontade de voltar pra casa
o impulso humano é o de deitar-se ou de seguir?
às vezes parece que você tem as respostas
eu só não entendo o que elas querem dizer
minhas perguntas aumentam
o céu branco fala diretamente com o meu impulso
de deitar-me no seu peito sempre quente
você não tem resposta nenhuma para as minhas perguntas
o impulso humano deve mudar constantemente 
em alguns momentos eu me canso
e tenho vontade de fazer-te minha casa

terça-feira, 5 de novembro de 2019

Fragmentos

espalhados
e parados
nos porta retratos,
nos pires, quadros e recados
micro fragmentos de mim
do meu cheiro, pensamentos, corpo inteiro
transformam minha casa
e tudo à minha volta
em um pouco de mim

domingo, 3 de novembro de 2019

constatação

As marcas de dedos no vidro da varanda 
o pôr do sol entre prédios
são uma espécie de aviso 
o astro e eu em algum lugar 
ocupamos o mesmo espaço


Há um cão que obedece
flores que nunca desbotam
o pai de um antigo amor
há mãos fortes
pedaços dele espalhados
em dois pedaços menores
há uma força que o move
o tempo todo pra frente
um sorriso que a espera
sempre no topo da escada
Há nela uma enorme vontade
de haver também nele


No peito

finalmente eu senti o lado esquerdo
não sei dizer se uma batida
um aperto
algo pesado
algo quente
algo que não sei dizer
se amor, saudade, tristeza
ao mesmo tempo
talvez tudo isso
seja uma coisa só que aperta
no peito

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

ser de alguém

mesmo que ser de alguém
esteja fora de moda
não consigo mais ser só minha
agora eu sou sua também
em tudo que eu sou
sinto, vejo, percebo e reflito
sou minha sim eu repito
mas parti minha alma no meio
e a outra metade lhe dou

Caso

você sentou no meu braço

imediatamente me esqueci de tudo que era antes

perdi minha casa

a noção de espaço e de tempo

disse sim

enquanto descia a escada eu sabia

seria você a minha casa

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

não adianta

tenho vontade de gritar com ela
apertá-la pelo pescoço, chacoalhá-la bem
mas não adianta, não tem jeito
nada disso tem efeito
a poesia é teimosa, mal-criada
só aparece quando quer
e nem sempre eu a entendo

terça-feira, 29 de outubro de 2019

Sonhei

Eu olhava nos olhos do Steve Martin e perguntava:
como se faz para criar algo original no campo da atuação?
Ele ia responder, mas era interrompido.

terça-feira, 8 de outubro de 2019

Seminário

Quem é esse homem? Sobre o que ele fala?
quando me beijou na cama mais cedo sua língua era outra
"tratar o real pelo simbólico" do que se trata?
Ele fala, fala, fala grego, árabe, francês
quem é esse homem que dorme em mim?
ele diz datas, anos, um bebê chora lá fora
"no seminário de Roma" parece tão solene
quando me beijou na cama era leve, suave
ele chama o bebê de melodia agradável
e o despreza solenemente
tenta se concentrar de novo, sério
eu penso no bebê, no quanto os bebês choram
esse homem é a minha casa?
"a ruptura das coordenadas simbólicas"
não faz nenhum sentido para mim
mas eu acho bonito, queria colocar num poema
toda ruptura rende um poema
todas as suas
será que algum dia a gente se separa também?
espero que não e espero mais um pouco por ele
Sinto que ainda temos aquela venda nos olhos
aquela que se desfaz com o tempo
quando o amor se acostuma
sobre o que esse homem fala?
Alguém pergunta algo em russo
a mulher ao seu lado diz que é algo muito sério
eu penso se é sério como o aquecimento global ou o câncer
ou sério como ele, que franze a sobrancelha penteada por mim
eu sei quem é um fragmento desse homem
o meu fragmento
quero sentar no seu colo e fazê-lo rir como sempre
Esse fragmento de homem me amaria mais
se eu o entendesse inteiro?



segunda-feira, 30 de setembro de 2019

fim de semana

você prega dois quadros na minha parede
seu cachorro me fareja chegando
passa um trem na minha janela
prefiro os seus passarinhos
coloco roupas pra lavar na sua cesta
será que um dia a gente se casa no almoço
a calça do seu filho me cabe
você não gosta do churros
a moça que vasculha o lixo nos chama
o velho artista recita poesia no ipad
triste com o frio e as coisas da velhice
um estúdio com vista
pra gente imprimir amor nas paredes
o próximo inquilino vai ter que pintar
naquele monte de livros eu te conto:
uma mulher fez poesia com o movimento dos olhos
o movimento que fazemos me encanta
não gostava desse bairro
mas estou aprendendo a amar cada canto
porque é seu

Contagem das notas

Adio todos os dias a contagem das notas
já sei que não são muitas 
todos os dias me fazem pensar 
os legumes enrugados na forma 
a minha pele
contar notas é o que se faz
essas palavras que eu transbordo
me desenrugam um pouco a pele
mas não colocam legumes na forma
é preciso levantar 
e contar notas

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

de manhã

Eu sei que não dá tempo pra mais coisa
de manhã:
tem o café, o cão, o rosto para lavar
pernas que te prendem

mas sabe o que é?
precisa regar também pela manhã
faz tanto calor
manjericão gosta de água
o tomilho-limão e aquela azulzinha

sendo assim, deixe comigo
eu irei te enroscar
toda manhã te atrasarei
café, cão, rosto pra lavar
depois
prometo
eu regarei nosso jardim

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Tô falando agora

Fico querendo dizer que eu te amo em momentos que não tem nada a ver como quando estamos deitados vendo filme ou no meio da madrugada quando você está dormindo ou quando estamos no sofá da sala depois de ter passado vários dias sem se ver. Acontece que falar eu te amo me soa sempre tão redundante, óbvio, clichê. Um carrapato dizer que adora sangue. Você já sabe e eu falar parece que vai tirar a graça de todos os gestos que falam por mim. Já falei tantas vezes. Tô falando agora enquanto te olho com essa cara de boba e fico fazendo carinho no seu rosto. Falei também quando criei o hábito de sentar no seu colo no café da manhã. Te amo. Te amo.

domingo, 1 de setembro de 2019

terça-feira, 27 de agosto de 2019

ex-jogador

o tempo não sabe a hora certa
ele diz, e corta a carne no prato
me sento no seu colo para ouvir
não posso reclamar, ele fala, não vivi uma vida morna
observo suas manchas de perto
imagino as suas casas anteriores, o filho que ele não teve
as paixões que arrancaram raízes
o pintor que era sogro e agora é paciente
eu gosto de ouvi-lo contar
as batatas no seu prato parecem aguadas, sem gosto
mas o pedaço de carne brilha
ele dá mais um gole no vinho bem na hora de dizer
que não sabe o que esperar
que não pode mais jogar rugby
ele tem o corpo que eu gosto, de ex-jogador
ele mostra sua taça maior do que a minha
e eu bebo bem na hora que digo
que agora eu faço parte
também não sei o que esperar, mas sei que é muito
não fui a primeira mulher a chegar
mas eu cheguei bem agora, nesse momento preciso
eu trouxe comigo o meu tempo, o meu corpo
o meu órgão que bate
eu não digo nada mas penso
o tempo sabe a hora exata

sábado, 24 de agosto de 2019

Noite em claro

A primeira vez que eu passei a noite em claro
eu estava no acampamento de férias
eu e o menino ruivo que tinha a voz rouca
ficamos mexendo na fogueira semi apagada,
olhando o céu ficar claro
espantando espíritos com gravetos
no dia seguinte eu lembro de olhar no espelho
e ver aqueles sulcos roxos debaixo dos olhos
depois eu dormi e elas foram embora, as olheiras
agora não é mais assim
as olheiras estão sempre aqui,
mesmo que eu durma o dia todo
me lembram que os anos estão passando
não adianta espantar espíritos com gravetos
eles vem de qualquer jeito
levam um pouco da nossa vida
e deixam os nossos olhos marcados

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Sonhos

Uma vez eu sonhei que você me dizia
amar é trocar o vazio
pelo transbordar
você tocou uma música pra mim
no violão
e no final me disse
que os seus olhos saíram de órbita
eu não sei o que isso quer dizer
estou sempre cheia de sonhos
com mensagens secretas
você decifra e não me conta
mas é tão fácil de ver
que estou transbordando


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Procuro uma casa

eu olho as ruas no mapa e elas não são muito perto da sua
nem do metrô
nem do meu salário
penso em desistir mas minha mãe me chama da cozinha
eu preciso de espaço
de silêncio
as ruas tem nomes de mulheres tristes
Linda Ferreira da Rosa, aposto que não era linda
nem de nenhuma rosa
eu nunca paguei aluguel
só o supermercado
e as plantas
a sua voz se dá bem com qualquer poesia
sua risada com a minha
as ruas com árvores não são mais caras
elas já vem com passarinhos
mas o aluguel não muda por isso
de repente eu percebo que procuro uma casa
bem dentro da sua gaveta

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Chanel número 5

Eu abri a gaveta e encontrei no canto, ao lado de alguns livros, um Chanel igual ao meu. Mas não era o meu. Era de alguém que esteve ali antes de mim. Uma mulher que não conheço, nunca vi. Fechei a gaveta com vontade de ir embora. Tinha um pouco da mulher na gaveta. No cômodo, no lado direito da cama, em todos os seus lençóis. Em tudo seu tinha um pouco da mulher que não era eu. Quanto dela teria em você, nos seus pensamentos, no seu jeito de sorrir? Sentei na cama e você falou comigo, mas eu não ouvi. Só queria ir para casa. A minha casa. Abrir a minha gaveta e encontrar as minhas coisas, os meus livros, o meu cheiro. Acordei. Aquilo foi só um sonho: a mulher, a gaveta, o perfume. Um sonho que podia ser real, mas não tinha nenhum perfume na gaveta. Te contei do meu sonho no café da manhã. Desci as escadas rumo ao portão e você sussurrou: psiu, a gaveta é toda sua. Sorri. E a mulher dissolveu-se de tudo quanto é canto.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

A chegada

Meu pai, romântico, sempre me falou dos sinos que tocariam
anunciando a chegada do amor.
Ele é um dos poucos homens que viu o amor a olho nu.
Andou por aí, teve muitas mulheres,
mas sempre foi só da minha mãe.
Quando eu digo que estou apaixonada, ele rebate: "ouviu os sinos?"
Exagerado.
Sinos que tocam sem que ninguém ouça é esquizofrenia.
Tem remédio pra isso.
Quando eu te vi, encurvado no braço da cadeira
o rosto cansado, o cheiro de cerveja,
é claro que não houve sinos, eu nem esperava
mesmo que o beijo encaixasse, o abraço, a conversa.
Ontem você leu poesia para mim
sua voz cuidadosa respeitava os versos,
o tom que pede cada palavra, a calma
um ruído interrompeu a leitura, mas você não parou
me olhou sorrindo como se nem percebesse
o ensurdecedor badalar.

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Poesia

meus amigos não entendem

a solidão que é gostar de poesia

esmiuçar palavras, solitária

organizá-las por cor

vê-las dançando, gritando coisas

quando rabisco algumas frases

exponho as minhas tripas e eu gosto

acho lindo

mas é pura solidão.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Embaixo da cama

Eu sei que é preciso olhar
mas é tanto o meu receio
já encontrei de tudo
embaixo da cama alheia
sacos de ossos, escuridão
perda de tempo, não
o olhar nem sempre atento
deixa passar tanta coisa
quando eu precisar olhar
embaixo da sua
o medo é do que vou achar



vez

Não vês que outra vez
essa vez
parece a última vez?
Eis que dessa vez
seja talvez,
não vês?

quinta-feira, 4 de julho de 2019

uma hora

espera que eu estou me preparando
pouco a pouco
por dentro
aprendendo a ser
me espera que uma hora eu chego
se deus quiser
e eu sei que ele quer
me ver sendo

Fora

de pensar que eu já coube
dentro da minha mãe
me sinto tão fora
de tudo quanto é lugar

terça-feira, 2 de julho de 2019

destino cravado

Ele nem sabe
mas era para ela ter ido embora há 20 minutos
no dia que eles se conheceram
[ela chegou a descer as escadas]
acontece que ele
não acredita em destino cravado
[e talvez seja mesmo bobagem]
então ela nem fala nada




quarta-feira, 19 de junho de 2019

boca do outro

você repetiu o que eu disse
fiquei assustada
quando ouvi da sua boca
quis ficar em silêncio
esquecer sua presença
pensar no que eu disse
tudo parece tão distorcido
quando sai da boca do outro

vontade

me acostumar com os seus lençóis
fazer parte de alguma rotina
sentir o seu cheiro de manhã
ouvir o som que você ouve
antes do café
saber as suas histórias
até as que você não conta
lembrar a cor dos passarinhos
que cantam na sua janela
não ver pôr do sol da varanda
por causa das árvores
conhecer os sapatos dos seus filhos
embaixo das pequenas camas
trocar os meus pés
pelos seus

segunda-feira, 10 de junho de 2019

processo criativo

eu aprendi num curso que eu fiz que a maneira mais eficaz de se aprender alguma coisa é ensinando.

você me disse que eu te ensinei muita coisa. queria saber o quê

estou com dor de dente e todos os dias eu torço para que passe sozinha

muitas dores passam sozinhas e sempre levam alguma coisa junto

às vezes um dente

a gente falou de processo criativo

vou precisar pensar qual é o meu

fico olhando as pessoas, cavucando amores antigos

[eu poderia estar casada agora, sem nem saber quem eu sou]

fisguei a minha alma lá no fundo do oceano
quase afogada, sozinha

abandono de incapaz

o cabeleireiro me perguntou qual é o meu defeito preferido

físico ou de personalidade?

respondi "olheiras" e pensei na minha enorme dispersão
eu não consigo me concentrar

o que foi mesmo que você falou sobre a sua mãe?

ainda bem que você cancelou nosso jantar
faz tanto frio e você quase não me entende

você me acha um bicho esquisito que te faz rir

um bicho bonito

eu queria mesmo era achar um bicho da minha espécie

um bicho pra me ensinar a ser gente
um bicho que eu pudesse aprender.


Não sei dizer o que foi

Não sei dizer o que foi
o café da manhã era bom
a massagem também
a conversa
o encaixe
não quis ficar em silêncio
só um pouco
ele também
o som da rua não atrapalhou
o tempo curto
o monólogo
me dá mais um abraço:
não foi

templo

me sinto tão bem agora
que me falta poesia
eu gosto de homens que me tratam como um templo
eu sou mesmo um templo, nós mulheres
gosto de ver as minhas cascas caindo no chão
dia após dia
gostei de te ver no bar, o mesmo de sempre
sem um pingo de empatia
desesperado por amor verdadeiro
você foi o último que eu deixei entrar
você me ensinou a esperar pra ver
eu só agradeço, tanta calma agora
minha poesia sempre veio da tristeza
agora eu sei mais
mas me falta poesia

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Mancha

veja como é pequena
e engraçada
a minha alma
veja como brilha
e ri da tentativa
de prendê-la neste pote
já não está mais aqui ela
deixou uma grande mancha
de algo que não sei
amor, será?


segunda-feira, 27 de maio de 2019

Ele não sabe

Será que ele não sabe
que ela tem fios de cabelo 
caindo no rosto 
no pescoço, na nuca?
dedos que mexem nas coisas 
com elegância e unhas
que parecem sempre feitas?
será que ele não sabe
que ela faz poesia com as palavras
dá risada do engraçado
opina sobre tudo 
- tantas vezes com razão?
ela tem olhos azuis
corpo de bailarina
velas, incensos e anéis,
será que ele não vê?
as coisas que ela escreve 
podiam estar emolduradas
mas estão no livro
que ele insiste em devolver
o coração dela 
devia estar num altar cheio de flores
mas acho que ele não sabe
ela tem fios de cabelo 
que caem no rosto enquanto fala
mas acho que ele não vê.



segunda-feira, 20 de maio de 2019

única

quando lembro de você indo para o quarto
vestindo aquela camiseta branca
enorme
não lembro por que fui embora
imagino o silêncio que ficou na sala
sem plantas
você me fazia rir
mas eu chorei uma vez
- e bastou.



sábado, 27 de abril de 2019

sorrio

Gosto de imaginar
você me procurando na festa
sorrio quando penso que você
nunca vai me encontrar

quinta-feira, 25 de abril de 2019

Quando acendo a luz que carrego no peito

Quando acendo a luz que carrego no peito
eu entendo:
tem sempre alguém por perto
Luz brilha, ilumina
é ímã de companhia
Quando acendo a luz que carrego no peito
eu vejo melhor os meus defeitos
não dá pra esconder
a luz revela a quem não quer ver
Quando apago a luz que carrego no peito
que percebo
dor entalada e solidão
ninguém fica com a luz apagada
não vale nada a escuridão




terça-feira, 23 de abril de 2019

Foto sua

A sua fotografia no meu computador
não me dá mais saudade
aceitaria apenas saber de você
ver o que mudou
tão difícil ter mudado
mas eu queria ver
Eu lembro daquele dia
que eu passei um perfume da Índia
um cheiro que me encantava
você disse que eu cheirava yoga
não gostou que ficou no seu travesseiro
aquela foi a última vez que eu te vi
você parecia o mesmo de sempre
guardado dentro de si
Agora eu olho a sua foto
aquele sorriso cheio de segredos
algumas mentiras
Eu não tenho mais saudade
do seu abraço e cama
você deitava sempre tão longe
Agora eu vejo na foto sua
alguém que eu nunca conheci

eu teria ido

Nosso amor nunca fez sentido
a gente não era pra ser
nosso amor estava impedido
muito antes de acontecer
Mesmo que sorrateiro
ir embora às vezes faz bem
você foi o primeiro
mas eu teria ido também

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Minha água

Quando eu vejo a minha água
num rio pequeno transbordar
sei que é preciso
de qualquer forma me desviar
se a borda é pouca
não vale a pena
seguir o fluxo, continuar
minha água é tanta
- e tão sagrada
que o meu leito deve ser grande
e também forte pra comportar.





terça-feira, 9 de abril de 2019

vergonha

você não tem vergonha de escrever poesia?
você me perguntou.
vergonha
do que sai de mim naturalmente?
palavras brincando no meu cérebro,
vergonha?
Os quadros no chão da sua casa
que parecem abandonados
a mesa sem graça e a falta de plantas
na sala sem luz, nem uma luz
os cremes no banheiro
de alguém que fugiu
quando você passou o dedo no prato
e constatou sujeira
você não tem vergonha?
Eu?
não de poesia.








segunda-feira, 8 de abril de 2019

pão de queijo

deixei cair um pão de queijo no chão
olhei para sua amiga e rimos
colocamos de volta na vasilha,
disfarcei
te conheço muito bem
não deixei nem chegar perto:
eu mesma comi.

você me salvou do carnaval

você me salvou do carnaval,
e eu pisando em ovos
orgânicos
esqueci de reparar
em todas as coisas erradas
você me ganhou no carnaval mas
eram tantas coisas erradas
que eu não quis mais voltar

segunda-feira, 25 de março de 2019

semana que vem

eu ia voltar na semana que vem
deixar sândalo no seu travesseiro 
te levar uma costela de Adão
morder o meio da sua barriga
tentar te fazer ouvir
mas você é tão disléxico
confuso
te falta paciência, silêncio
você é tão inteligente
e distraído
meu hidratante na pia
eu deixei pra você ver que
eu ia voltar na semana que vem




terça-feira, 19 de março de 2019

seu

Esse aqui é para você
que chegou meio depressa
depressa demais
me levou
esse aqui é para você
que foge de sujeira
de multidões
que gosta de dormir
gostou de mim
eu também gostei de você
e esse aqui é todo seu.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Caminho

Eu sei que estou no caminho certo quando sinto que estou ficando cada vez mais parecida com a minha mãe.

quarta-feira, 13 de março de 2019

breve

ontem, enquanto eu voltava de qualquer lugar, me lembrei do nosso amor breve. de quando eu ia para sua casa pela avenida paulista. era curioso que sempre tinha vaga bem na frente do seu prédio. você tinha que descer para abrir a porta e às vezes a gente comprava cerveja no seu bar de esquina. eu gostava quando você começava a ficar mais falante por causa da cerveja. uma vez você ficou bêbado no sofá, me pediu mil desculpas e disse que me amava. em seguida você disse que eu não queria te amar de volta. talvez você tivesse razão, mas não era consciente. a gente encheu a sua casa de plantas e você fez delas suas filhas. algumas morreram, mas é assim mesmo, plantas são mesmo difíceis. você me deu de presente um livro fascinante sobre a complexidade misteriosa das plantas. a gente conversava na varanda e a casa ia enchendo de pó que vinha da rua. o pó era mais forte do que as faxinas. o barulho da rua só parava bem tarde. a vista para a lua era linda. eu queria ter ouvido mais a sua vitrola, acho que só ouvimos uma vez. eu gostei tanto de quando a gente assistiu o meu filme preferido e você chorou. você se encantou como eu. aquela vez que a sua sopa estragou na geladeira eu queria morrer. ter tirado os tapetes da sala foi a melhor ideia. eu ainda não entendo muito do que você tanto se esconde. se eu quis te amar eu não sei, mas eu acho que amei.

segunda-feira, 11 de março de 2019

que horas

queria poder transbordar
por todos os poros
ao mesmo tempo
escorrer nas suas mãos
mas nem sei que horas
eu volto pra casa
tantos rios correm
entre nós dois
espere um pouco
me dá mais um tempo
que logo eu revelo
às quatro da tarde.

mãos

Quando vejo mãos dadas na rua
me dá saudade
de enganchar meus dedos em outros
sem medo 
de parecer demais

o meu

se há tempo pra tudo  
ele vai demorar
o meu?

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Território

Esse território desconhecido chamado você
que eu não sei quem é 
de onde veio 
e por quê
Acontece que eu 
talvez por acaso 
queira saber





quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

no chão

Menino viajado
me convenceu a deixar
a cautela
a prudência 
o cuidado 
para dormir no chão
ao seu lado 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Ibiuna

A chuva começou de novo por aqui
onde será que estão aqueles gambás que vi hoje cedo
em cima de árvores
a vela de soja insiste em ficar acesa
ela que estava para acabar
queria ter uma fábrica de velas
gosto tanto da companhia de uma chama
uma luz que me observa, me assiste
a chuva não tem um barulho próprio
depende de onde a gota toca
aqui a chuva tem som de grama
um som suave
os sapos berram lá perto da represa
os grilos esfregam suas pernas normalmente
me recuso a apagar a luz da piscina
essa luz que só aparece à noite
são tantos bichos
como será que eles escutam o meu barulho?
será que a chuva também ouve o meu som?

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Wisdom

There is an invisible wisdom
of the cosmos
in the fact that
you are absent here today. 
I know nothing about this wisdom
or about the cosmos
but you are absent
and there is always a knowledge
a secret, impenetrable
wisdom of the universe
in the fact that
someone is absent
and not twined with someone else.



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

A orquídea e a vespa

Você me contou que a vespa 
encantada sobrevoa um jardim
suas asas fazem barulho
no meio de cheiros e cores
de repente as suas antenas param
percebem aquela substância
o feromônio que tanto a excita
a vespa faz meia-volta e,
reconhecendo por ali uma fêmea,
copula. Então você me diz que 
a orquídea, disfarçada de vespa fêmea,
ri gostosamente no jardim
se sente polinizada por completa
respira tranquila e
assegura-nos mais uma flor. 
Meu bem, eis que eu não sou flor
não posso nem enganar a mim mesma
serei então eu a vespa cega 
que deixa um pouco de si 
e voa iludida para longe?

domingo, 10 de fevereiro de 2019

Espera um pouco

eu posso gostar de você
mas espera um pouco
deixa eu ver melhor
do que você é feito
deixa eu ver se te interessam
as coisas que vem comigo
minhas noites de poesia
as conversas profundas
que ainda não pudemos ter
você fala sem notar
se o outro está mesmo ouvindo
esquece até de perguntar
quando fala da sua vida
eu quero gostar de você
do seu jeito carinhoso
sua vontade de cuidar
mas espera um pouco
deixo ver se é sempre assim
duas bocas e um ouvido
e a falta de um olhar
que veja mais pra dentro
que repare nos detalhes
eu já gosto de você
mas espera um pouco
ainda é cedo
quero ver se é assim mesmo
ou se é só eu te mostrar





sábado, 2 de fevereiro de 2019

As energias das coisas

as coisas possuem energias próprias
os vasos, os porta-retratos
o silêncio e a meditação
acender uma vela à noite
a reza e a ajuda ao próximo
as coisas trocam energias
a todo momento
nossos corpos quando se tocam
as conversas e as paredes
as festas e a solidão
o tempo mexe nas energias das coisas
dos templos, de casa
do corpo da gente
energia não se cria e pode acabar
as coisas que sugam
as coisas que elevam
é preciso saber todo tempo
diferenciar umas coisas das outras

Alma

Escrevo para conversar com a minha alma
toda feita de melancolia e esperança
ela me avisa do que já sei
às vezes me conta segredos
desses de alma
eu quero mostrar para ela
o que eu vi e aprendi
há dias, porém, que tudo me escapa
e eu tenho medo
ela segura a caneta com meus dedos
pede que eu não me preocupe e me diz
que sempre haverá papel e caneta.

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

mãos

Você me convidou para dançar e eu aceitei, mas ainda não era hora. Você me esperou no canto da pista com cara de ansioso e na hora certa pegou as minhas mãos. Tanta coisa aconteceu depois disso. Tanta vida passou. Mas eu nunca vou me esquecer de sentir as suas mãos tremerem ao encostar as minhas pela primeira vez.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Tô aqui pra isso

Minha irmã me falou que era a melhor ideia. "Se você não se declarar, você nunca vai saber"- ela me disse. Eu gostava de seguir os conselhos dela porque ela era mais velha, tinha mais experiência, sabia do que tava falando. Talvez. O fato é que eu estava muito apaixonada e cheia de esperanças do Duda me querer também. Nós éramos bons amigos, vivíamos trocando bilhetinhos durante a aula e nos dávamos super bem. Não tinha como dar errado. Numa das aulas eu mandei um bilhete perguntando: "o que você faria se gostasse de uma amiga sua?" Ele me respondeu: "falaria para ela." Nós demos risadinha, ele logo mudou de assunto e ficou por isso mesmo. Minha irmã começou a pressionar lá em casa: "vai falar ou não vai?" "E aí, já falou?" "vai logo com isso!" Eu resolvi falar. Peguei toda a coragem que eu tinha estocada e fui até a casa dele. Nós éramos vizinhos também. Ele abriu a porta e eu falei: "Duda, lembra que você me falou que se gostasse de uma amiga sua, você falaria para ela?" Ele disse: "sim, e o que tem?" Eu respirei fundo: "pois então, tô aqui pra isso." O Duda não gostava de mim do mesmo jeito. Ele ficou completamente sem graça e falou: "poxa, fui pego de surpresa... você sabe que eu gosto da Marina, né?" Até hoje a minha irmã me pede desculpas por isso.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

chamados

Eu durmo de janela aberta
ouço grilos a noite toda
todos os tipos de grilos
sempre chamando alguém
será que as fêmeas ouvem
toda noite um grilo chamar?
desesperados e inofensivos
na minha janela nunca faltam grilos
precisando de alguém


domingo, 20 de janeiro de 2019

Tolerância zero

A professora era querida pelos alunos. Era uma mulher jovem, simpática e sempre dava um tempinho para os alunos brincarem no final da aula. Os alunos estavam, aos 11 anos, passando por uma fase de falar muito palavrão e de testar os limites dos professores. Inclusive os coordenadores haviam falado para os professores ficarem atentos e avisarem a direção se algum dos alunos passasse dos limites. A tolerância com palavrões era zero naquela escola. Era uma quinta-feira e na sexta os alunos iriam para um passeio, então o clima era de quase folga. Estavam todos animados. No final da aula a professora propôs o jogo dos palitos, aquele no qual o jogador tem que tentar pegar o máximo de palitos que conseguir sem mexer os outros. Se qualquer outro palito mexer, ele perde a vez. A professora jogava com o maior entusiasmo, como se os alunos fossem seus amigos. Ela estava perdendo, então estava mais atenta do que nunca nas jogadas. Quando era quase sua vez de novo e o aluno do seu lado estava conseguindo pegar um palito atrás do outro, ela viu um dos palitos mexer. Aparentemente os outros alunos não tinham visto nenhum movimento. Ela disse: "ei, o palito de baixo mexeu!" O aluno que jogava falou: "não mexeu não!" Ela, distraída, respondeu de forma automática: "mexeu pra caralho!" Os alunos ficaram completamente boquiabertos, sem conseguir reagir ao palavrão da professora.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Apesar

você me chamou de raio de sol
disse que somos
tão parecidos
que quer me cuidar
que me acha tão linda
você me chamou pra morar com você
disse que nós dois
encaixamos
que damos um jeito
que temos assunto
até o dia seguinte
que eu sou muito
Eu peço que ouça um minuto
eu concordo com tudo
não acho pessoas
assim na esquina
no aplicativo, ao vivo ou no bar
você é a flor
que o raio de sol quer tocar
acontece que eu
não consigo mandar
nos meus sentimentos
não vai dar pra ficar
de jeito nenhum
apesar de querer e de tanto tentar
o meu coração não consegue te amar

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Charme

O nome dele era Bruno. Ele me convidou para ir ao cinema e eu fiquei super entusiasmada. Ele não era bonitão nem nada, mas tinha um charme qualquer que na época eu saberia explicar. Cheguei no shopping com um pouco de antecedência e lembro do incômodo que ia crescendo a cada minuto que passava e ele não chegava. Dez, vinte, trinta minutos. Uma hora depois eu finalmente entendi que ele não viria. Fiquei arrasada. Queria entender o que eu tinha feito de errado, me achei a pior pessoa do mundo. Demorei para digerir aquele furo. Uns dias passaram e ele me procurou para explicar o que houve, qualquer coisa besta que eu aceitei e ficou tudo bem. Acontece que eu não sei. Alguma coisa mudou dentro de mim que me fez perder o interesse. Ele não me pareceu mais charmoso, não me pareceu mais tão legal. Alguma coisa mudou. Quando ele me convidou para fazer outra coisa, eu não quis mais. E não foi forçado nem vingativo, foi porque eu não queria mesmo. Aquela foi a primeira vez que eu entendi o poder das nossas ações. Às vezes a gente faz algo que magoa o outro, mesmo sem querer, mas é preciso muito cuidado: o nosso charme pode passar. E não tem volta. Para quem ficou esperando uma hora no shopping é um alívio, é libertador ver o charme passar, mas para quem magoou o outro é um perigo. O Bruno me perseguiu por muito tempo depois daquilo e esses dias eu descobri que até hoje me espia. Faz anos. É capaz que ele esteja lendo isso agora mesmo e, se estiver, obrigada pela pequena lição.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Vidro

Eu não sabia o que era vidro. Tinha poucos anos de vida, três ou quatro. Me deram água para tomar sozinha em um copo de vidro pela primeira vez. A minha curiosidade foi tão grande que eu mordi o copo com força até ele espatifar na minha boca. Os adultos entraram em pânico ao ver minha boca cheia de cacos de vidro, que eu logo tratei de cuspir. Sangrei um pouco, mas me lavaram e cuidaram para que tudo ficasse bem. A lembrança não é nítida, mas meu pai me carregou no colo, as luzes apagadas, e ele me contou alguma história fascinante enquanto eu olhava pela janela. Lembro das pedrinhas redondas no chão do prédio vizinho e da voz baixa do meu pai, tentando me tranquilizar. Eu estava bem tranquila, pra mim os adultos eram muito desesperados. E agora eu sabia muito bem o que era vidro.

Mochila

Sua mochila é tão pequena
pra carregar sua vida
pelo mundo
não entendo como faz
pra levar suas coisas
espremidas com cada pedaço
que você arranca das pessoas
como eu

domingo, 13 de janeiro de 2019

Acorde

Teve aquele dia que eu fui pingar meu remédio na boca e não sei como eu engasguei forte. Comecei a tossir sem conseguir respirar, achei que ia morrer, mas eu não quis te acordar. Fiquei na cozinha do seu apartamento tossindo que nem uma louca, sufocada, olhando para a janela e vendo aquele prédio sendo erguido no terreno vizinho. Mesmo achando que eu ia morrer eu tentei não fazer barulho. Aquele prédio sendo erguido por alguma razão me dava mais desespero e eu engasgava mais. Fiquei nessa angústia por alguns minutos, não sei quanto tempo, e você nem sinal de acordar. Quando eu me recuperei, minha garganta doía e eu não consegui voltar a dormir. No dia seguinte eu te contei o que tinha acontecido e você disse que eu deveria ter te acordado. Quero te acordar agora. Me sinto tão engasgada. Acorde, meu amor, acorde.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

vai logo, Paulinha

Tinha uma brincadeira que as professoras da escolinha adoravam brincar com a gente antes de começar a aula, para acalmar os ânimos. A gente fazia um círculo e um dos alunos saia fora da sala. A professora então escolhia alguém para ser o líder e inventar uma série de movimentos que todos tinham que copiar. O aluno que estava pra fora não sabia quem era esse líder e esse era o jogo: ele tinha que voltar pra sala quando a professora chamasse e tentar adivinhar o líder. Era muito legal porque todo mundo fingia que estava liderando, mas ninguém podia mudar os movimentos a não ser o líder. O aluno que tinha ficado pra fora ficava confuso e tinha que prestar muita atenção para descobrir quando um movimento novo surgia para flagrar o líder. Uma vez, o jogo estava super difícil porque o aluno de fora não estava conseguindo adivinhar de jeito nenhum e tinha bastante gente na sala e estavam todos muito animados repetindo o movimento de bater as mãos nos joelhos. No meio da brincadeira eu me distraí legal, fui para o país das maravilhas da minha imaginação. Quando eu me dei por mim e voltei pra sala de aula, só alguns segundos deviam ter passado e eu vi que o movimento ainda era o mesmo. Acontece que eu estava tão distraída e parecia que tanto tempo tinha passado que eu falei: "vai logo, Paulinha, muda de movimento!" e estraguei todo o jogo.

dia de mudança

Eu tinha 12 anos e ele 14. Ele era todo descolado, gringo, lindo. Eu brincava de Barbie ainda, escondendo sempre dos amigos da minha irmã mais velha. A minha vizinha era minha grande parceira de brincadeira e naquele dia a gente resolveu arrumar a casa da Barbie na minha casa. Foi preciso transferir todos os móveis da casa dela para a minha. Tinha cadeira, almofadas, copos, tapetes, sofás, tudo em miniatura. Aliás, tinha um jogo de sofás cor de rosa que eu adorava. Fomos levando tudo em várias viagens que consistiam em: sair da casa dela, andar uns cinco ou sete passos e chegar na minha. Quando só faltava o jogo de sofás cor de rosa para terminar a mudança e eu já estava no segundo passo em direção à minha porta, eu o avistei descendo a rua com um amigo. Meu coração disparou. Eu precisava esconder aqueles móveis da Barbie com urgência se não ele jamais iria me querer. Peguei o moletom que estava na minha cintura e graças a Deus pude cobrir tudo que eu carregava. Ele e o amigo se aproximaram: "Oi. Tá fazendo o que?", o amigo perguntou. Eu respondi com prontidão: "arrumando umas coisas só, nada de mais." Eu suava. "O que é isso embaixo do seu moletom?" "Nada não, coisas de mulher." Quando eu achei que tinha me livrado daquele momento de tortura e me virei para ir embora, tropecei em mim mesma e derrubei todo o jogo de sofás cor de rosa na calçada.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Nitidamente

A primeira coisa que eu fiz quando, aos 23 anos, meus primeiros óculos de grau ficaram prontos foi olhar para a lua. Sem óculos ela era só um ponto luminoso sem grandes lances. Nunca entendi essa história de coelho, nunca vi nuance nenhuma, nada além de um ponto luminoso. Com meus óculos novos a lua realmente virou a lua, esse espetáculo brilhante que ela é. A noite com todo esse silêncio que pertence aos grilos, esse ventinho refrescante, essa coisa misteriosa e meditativa, sempre foi a melhor parte de qualquer dia. Agora que eu podia ver a lua nitidamente, foi como se um deus mitológico tivesse tomado corpo. Podia ver meu objeto de adoração logo ali. Ter demorado tanto tempo para ver de fato a lua me fez adorá-la ainda mais.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Grandioso

A gente acha que está pronto, que algo grandioso já pode acontecer nas nossas vidas. Essa é a hora. Acontece que a gente não sabe de nada. Acontece que não estamos prontos quando achamos. Ainda tem mais algumas coisas que precisamos aprender. Queremos saber o que é que ainda falta e buscamos nos livros, nas pessoas, nas espiritualidades, buscamos em tudo quanto é lugar o que  precisamos aprender. Uma busca cega. Quando ficamos cansados e estamos distraídos vivendo a vida da melhor maneira que podemos, algo grandioso acontece.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Lemon love

Não era o céu da Patagônia
mas o do meu primeiro beijo
e agora do último que eu dei
não provamos o amor de limão
mas o seu beijo tinha um gosto
que podia ser a sobremesa
você tirou o sapato pra subir minhas escadas
mas fui eu que subi seu elevador
não sei se você notou
seu elástico de cabelo
vindo parar no meu
eu não tenho mais idade
para começar pelo fim
mas agora já é tarde:
deixei entrar outra saudade





sábado, 5 de janeiro de 2019

cigarra

essa vida de cigarra
largar a pele em tronco de árvore
quando ela não serve mais
cavar buracos, tomar seiva de árvore
cantar para acasalar
o macho berra alto
mas há quem diga que a fêmea é surda
e sente só a vibração
essa vida de cigarra
largar a pele por aí
acasalar e morrer
estamos presos às nossas peles
tomamos seiva alcóolica
o som que emitimos é ensurdecedor
criamos caos e cigarro.

sábado, 22 de dezembro de 2018

não espero que você volte
e lembre de me ligar
não espero nada de você
mas confesso eu gostaria
de poder esperar



quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

você sabe

Não há esforço
e a tosse
quando vem
vira risada
gargalhada
ou lambida
temos personagens
bobagens, segredos
vi todo meu medo
partir sem olhar
para trás
tudo é natural
autoral, criado na hora
é fácil de ver
que temos a ver
até óculos
estamos trocando
estou segurando
sua mão
mas não posso dizer
deve ainda ser
cedo
não tenho certeza
pode ser miragem
como já vi antes
viagem
da minha cabeça
acontece
que não sei direito
como proceder
mas acho que eu
você sabe o quê.



segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

apt. 104


as conversas no sofá
às vezes surpreendiam
você pensava em coisas
que nunca tinha pensado antes
coisas que eu pensava o tempo todo
uma vez você me disse
que nunca tinha falado sobre aquilo
com ninguém
não me lembro o que era aquilo
algo profundo
eu me sentia bem e pensava
que talvez você poderia
se apaixonar por mim um dia


quinta-feira, 29 de novembro de 2018

troca

te dei
um pedaço de mim
uma gota
um pequeno fragmento
por um tempo
peguei
um átomo seu
um grão
uma partícula
veio um vento
uma brisa qualquer
um sopro
levou pouco
muito pouco
quase nada
apenas toda
nossa troca

domingo, 25 de novembro de 2018

viagem

naquela viagem
eu vi a minha própria alma
cheia de crianças e Deus
dei um abraço na minha mãe
entendi porque me despedi dele
que nunca ia me amar
vi uma alma cheia de flores
coisas belas e brilhantes
me achei tão linda e pensei
ainda bem que eu moro aqui



sometimes we leave before we hurt 
but it still hurts to leave

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Neste instante

Enquanto eu passava argila no seu rosto
te falei que ele tinha voltado
a sua barba ficou cheia de argila,
você fugiu atrás de um cigarro e eu vi 
que nunca é hora de falar de outro amor
fumando na varanda 
você falou sobre o perigo de amar
de estar vivo, de ficar preso na cama
eu quis ir embora, mudar de assunto
ele voltou, mas ele não vem 
ele quem? 
fiquei olhando o seu rosto todo marrom
os seus gestos cuidadosos e inseguros
a argila pingando 
eu não gosto de tomar vinho em copo de requeijão 
preciso estar perto de árvores e plantas,
eu não sei se vou ficar 
mas olha, a argila está pingando bem na sua frente
quer que eu te ajude a tirar? vai sujar o chão

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Frio

Disseram que ia fazer frio, ainda não senti
se senti, não me incomodei
difícil incomodar ultimamente
nem a falta de um amor
meu amor tem sido borrifado
em pequenos amores cotidianos
(alguns grandes)
e na falta de você
que podia estar em todos os lugares
mas está sempre longe
Sinto um pouco de frio agora
mas não vou borrifar meu amor
quero ver se você sente
e resolve voltar

domingo, 11 de novembro de 2018

observo as fases com cuidado

a espera passou a fazer parte da paisagem
tento me lembrar da última vez que você me abraçou
faz tempo
agora eu sei contar os dias com a lua também
observo as fases com cuidado 
o modo como ela se revela devagar 
enquanto espero 
em que cidade você está ou em que país
talvez aqui mesmo
numa festa que eu não fui
eu vi a lua agora há pouco
ela já está pequena de novo
não sei por que eu insisto 
você já disse que não sabe ler poesia


domingo, 4 de novembro de 2018

Flor no lixo

Eu nem sabia o que tinha
ao meu redor
quando você me arrancou do chão
disse que eu era uma flor
no lixo
mas eu te reconheci
quando você me mostrou sua alma
um pouco amassada
uma flor reconhece a outra
estica a alma por favor
sejamos flor
na mão de uma menina
Vinícius precisa fazer poesia
não deixemos de ser flor jamais
lixo já tem demais




domingo, 28 de outubro de 2018

28 de outubro de 2018

Não há muito o que escolher
um tapete mofado, um chão sujo
não há saída
uma fuga talvez, um abandono
lágrimas agora ou depois, tanto faz
as coisas mudam
para voltar a ser o que eram
nada é fixo, estático
e andar em círculos também é andar
o que fazer
senão sentar e assistir tudo ruir
pregar as próprias mãos numa cruz
deixar-se levar ou morrer lentamente
Não há o que escolher
a escolha nunca foi uma escolha real
já estava tudo decido muito antes
o copo que está no chão
não está meio cheio nem vazio
está quebrado.


quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Pouco importa


Ontem pela primeira vez você me olhou 
como se quisesse alguma coisa comigo 
não corpo ou bom humor
alguma coisa com a minha alma
ela secretamente me pede para voltar 
para sua casa no final do dia 
mas eu não posso: 
nunca mais achei minha escova de dentes
você a descartou?
Sabe, eu queria te ajudar 
a pôr as plantinhas de volta na estante 
como escrevi naquela poesia
mas pouco importa você 
está indo viajar de novo


segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Domingo

você me dá medo e eu
dou espaço pra outro
mas há
um espaço enorme
entre eu e o outro
um vazio que eu preencho
com você me esperando
domingo
eu não quero outro
mas eu tenho medo






A verdade é que 
eu não sei o que você tem
mas você tem a mim

domingo, 14 de outubro de 2018

fluxo contínuo de ideias

não me lembrava de sentar por horas no chão sem distração num fluxo contínuo de ideias sem nem se tocar que sorte a minha encontrar você perdido na porta um copo de cerveja na mão não gosto de plástico nem de cerveja mas eu quis aceitar o seu copo tomar o que for ao seu lado e escutar tudo sobre aquele olhar que só fazia desviar tímido de mim eu não me lembrava a sensação de olhar no rosto de alguém e pensar pode parar encontrei bem aqui, é isso



terça-feira, 9 de outubro de 2018

Aprendi assim

Eu
já fui fundamental
imprescindível
irremediável
você
me ensinou
que posso não ser
nada disso
aprendi assim
que não preciso
de você

domingo, 7 de outubro de 2018

hora

Eu gosto de observar, atenta, os horários das coisas
desde pequena no berço
minha mãe falando baixo, hora de dormir
o dia ficando escuro, hora de voltar
agora, enquanto você dorme profundamente,
observo atenta os sinais
a noite mal dormida
a falta de espaço e de tempo
me despeço mentalmente do seu beijo
é hora de partir.




vento

O vento batendo na sua janela
me faz pensar que hoje talvez seja
a última vez que vou ouvir
o vento batendo na sua janela

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Outubro

Você chegou tão de repente
não tenho mais poesia pra você, outubro
esgotei-as ao longo do ano
até corações no correio eu botei
em setembro e ainda não te conheço
você chegou agora, outubro
não tenho mais forças para escrever
sobre alguém que eu nem conheço
em fevereiro não havia outubro
só o nosso aniversário, nosso aquário
guardamos segredo por meses 
você chegou de fininho 
disfarçado de férias, carregando outro amor
não há mais segredo,
não há mais poesia 
o que haverá em outubro? 
Você enfim chegou.


quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Bloco de notas

dar as mãos é um altar sagrado
às vezes eu me lembro de músicas que ele gostava e que me lembram verão
é engraçado eu não me lembrar do toque das mãos dele, mesmo depois de tanto tempo, acho que nunca me acostumei
aqueles olhos amarelos, o olhar doce
quando um gato lambe a gente faz cócegas porque a língua deles é áspera
estou aprendendo só agora a me deixar sentir o que não é seguro
sentimentos à flor da pele me incomodam
hoje eu enrolei os meus cabelos só pra mim
comida orgânica atrai bem mais mosca
eu não sei por onde andei antes, mas eu gosto do cheiro dos seus lençóis
se a minha poesia é inútil para você, fica com a minha risada
escrevo poesia até no carro, enquanto o farol não abre
eu nunca sonhei com você, em nenhum sentido de sonhar
a causa dos animais, o corpo duro, eu não sei
eu nunca aprendo, mas parece que finalmente eu não tenho pressa.

domingo, 23 de setembro de 2018

setembro de novo

Tentei trazer um pouco de poesia
colei na porta da geladeira
mas ele não entendeu nada
nunca achei o peito dele seguro
para eu repousar o meu
fui saindo de fininho
deixando de responder
ele era tão distraído
nem notou o bilhete na porta
"fui comprar cigarro"
eu detesto cigarro 
ele me esperou por uns meses
quando lembrou que eu não fumava
já era setembro de novo
resolvi começar a fumar

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Passeio na chuva

Eu não vou te levar pra passear, não adianta. Está chovendo, será que você não vê? Está chovendo e eu tenho um monte de coisas para resolver e eu queria escrever alguma coisa sobre ontem. Sabe, ontem depois que eu te dei banho eu saí. Quando eu voltei você já estava dormindo então você nem viu como eu estava. Se tivesse visto, você iria lamber minha mão para dizer "ei, você não está sozinha." Eu me sentia sozinha. Ontem eu saí com alguém e parecia que era só ele, que eu não estava ali. Ele e os planos dele, ele e o trabalho dele, ele e as contas que ele precisa pagar, as viagens que ele vai fazer. Eu ia contar para ele sobre o roxo que eu ganhei nas costas quando você me puxou pela coleira, mas acho que ele nem reparou. Ia falar sobre os dias que eu estive fora, sobre os pontinhos brilhantes que eu vi no céu, sobre a minha mais recente descoberta, mas ele não perguntou nada. Por que você está lambendo a minha mão? Vá buscar a sua coleira, vamos passear. Eu sei que está chovendo, mas vamos mesmo assim.

sem conversa

- Eu não dormi essa noite.
- Por quê?
- Ficamos conversando na cozinha depois do jantar e conversando e conversando, quando vimos eram cinco e meia da manhã e o céu estava começando a ficar claro. 

Quando ouvi esse diálogo no bar eu fiquei pensando que depois do jantar um taxi estaria pronto para te levar para algum aeroporto e às cinco e meia da manhã eu estaria dormindo, sozinha. O céu ficaria claro sem conversa. 

Na escada

O que eu quero dizer
é que pode ser
que eu te olhe
e não te reconheça
de outras vidas, de sonhos
ou até mesmo daqui
pode ser que você
me pareça mais um rosto
outro rosto qualquer
pode ser que nos olhemos
e não nos encontremos
um no outro
que a viagem seja à toa
que não seja nada boa
tudo pode ser
e pode não ser nada
tantas vezes já não foi
no entanto
ainda assim
de qualquer maneira
eu te espero
na escada.





terça-feira, 11 de setembro de 2018

Mais ninguém

Meu bem eu quero
que você seja feliz
nos braços de quem for
não quero saber quais braços
se essa marca nas suas costas
foi feita com unhas rosas ou azuis
digo isso o tempo todo
mas no fundo eu desejo
que você me ame um dia
até que os braços que te envolvam
sejam meus e só meus
que as minhas unhas brancas
te cravem a pele das costas
e não haja mais ninguém


sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Partes

De quais partes minhas você gosta
sei que não são todas
talvez poucas
é tudo tão devagar
você é calmo demais
nem me leva nem fica
de quais partes, me fala
quero melhorar as outras
ficar inteira boa
pra você querer ter pressa
sem dúvida, medo
quais partes minhas você despreza
me fala que eu descarto
deixo de lado, abandono
eu não preciso de tudo
quais partes minhas você levou
me devolve agora
estou aqui com pedaços faltando
me ensina
do que você precisa
pra levar tudo
as partes que você não gosta
não vou gostar também
me ensina como faz
pra gostar por partes
eu não sei como funciona
tem pedaço seu quebrado
mas eu gosto, ah se gosto
de tudo que é seu
queria ser como você
gostar só de partes
descartar o que não importa
quais partes minhas você levou
se for devolver me fala
que eu preciso aprender
como faz para colar de volta

Livro

O livro que você me emprestou 
deixa eu te devolver amanhã
ou agora 
a qualquer momento
deixa eu te devolver pra sempre
eu não quero mais guardar
quero que você venha buscar
e me leve junto

Sigo

Sigo sem saber
qual é o seu cheiro
o seu gosto só imagino
Sigo sonhando
nós dois e nenhum oceano
através
Eu só peço que siga
a linha da vida
e me veja
de frente ao vivo
sem nenhuma tela
entre nós



quarta-feira, 29 de agosto de 2018

como um lego

Plantas bem pequenas
plantadas dentro de rolhas e copos de shot
fotografias espalhadas pela mesa
de pessoas que eu não conheço
alguns minutos se passaram
enquanto tentávamos meditar
o telefone tocando
e tocando e tocando
vesti sua camiseta preta
e não andamos
de mãos dadas pelas ruas
dentro do museu os escravos
nos olhavam e sabiam de tudo
mais do que nós de mãos livres
me questionei se aquele era um bom momento
para eu te dar um abraço
não sei quanto tempo durou
mas foi certo o meu encaixe
como um lego
nos seus braços.











quarta-feira, 15 de agosto de 2018

no chão

Um homem sozinho
cheio de planos
cruzou meu caminho
tentei alcançá-lo
me encaixar nos seus planos
mas ele andava depressa
segurando uma pasta
Entreguei meu cartão
o homem parou
segurou-me a mão
sem nenhuma intenção 
foi embora e derrubou
meu cartão no chão

ninguém

As minhas poesias
só existem de fato
quando saem de mim
mas elas existem de fato
se ninguém as ver?

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Poesia

Como o ar que entra e sai
naturalmente do meu pulmão
ou o suor no calor
sem que eu me esforce 
essas palavras 
escorrem de mim
por todos os poros



segunda-feira, 13 de agosto de 2018

deixar um pouco de si

é um mistério o modo
como as pessoas
fazem amor
se fecham os olhos
o que dizem
se dizem
se parecem vivas
ou mortas
o que fazem a gente sentir
mas depois que o segredo
é revelado
barulhos ouvidos
faces vistas
peles juntas
depois que não há
mais mistério nenhum
existe ainda
um mistério maior
do que qualquer segredo
no mundo
que alma é aquela
que habita aquele corpo
que acaba de deixar
um pouco de si
em mim

Tempo

Também acho
que é perda de tempo
ter pressa
esse nosso tempo escasso
se visto de cima
é infinito

domingo, 12 de agosto de 2018

amantes

não é gozado
que o aplicativo recomendou
a mesma música para nós dois?
me fala de novo quando é que você viaja
para eu não me apegar ao seu jeito
de chutar o vazio enquanto dorme 
não foi na sua tomada que 
ficou o meu carregador?
não sei Benjamin Franklin,
mas eu acho que você escolheu bem a sua 
esse mês eu vou tentar entender 
como é que você se sente às vezes
com a lua no seu signo, mas de novo me fala
quando é que você vai embora?



sábado, 11 de agosto de 2018

Estante

Não te conheço de dia
só uma versão noturna
tem poucos livros na estante 
nenhum de poesia
uma caixa 
que é melhor eu não derrubar
já usei seu sapato 
blusa, banheiro, tomada
mas você só aparece às vezes
e às vezes eu fico pensando
se alguém mais anda vindo
na sua casa, olhando seus livros
procurando sua poesia






até o barulho da porta

No café da manhã te conto um sonho você finge não entender  te beijo e abraço suas costas você beija de volta e vai embora fico com as suas ...