quinta-feira, 5 de março de 2020

Por trás dos olhos

Eu não tinha te notado quando cheguei na plataforma. Mal consegui reparar no seu rosto ou na cor das suas roupas e, mesmo assim, eu nunca mais me esqueci. Aquele olhar vazio, privado de um humano por trás dos olhos. Eu nunca pegava o metrô, mas naquele dia ia me poupar muito tempo. Comprei o bilhete e desci correndo para entrar no vagão. Mesmo assim perdi o primeiro trem e tive que esperar pelo segundo. Tinha pouca gente ali, duas ou três pessoas além de mim. Talvez cinco ou dez. Era o meio da tarde de uma quarta-feira. Três e quatorze da tarde. Eu lembro da hora exata porque tinha acabado de olhar o relógio quando você gritou: "O trem está chegando. Preste atenção que a sua vida vai mudar." Não consegui nem esboçar algum tipo de pergunta porque o trem chegou e você se atirou. Nem um porquê. Um 'e se' ou um 'como'. Nada. Não tem um dia sequer que eu não pense em você, no seu olhar vazio, na dor inexplicável que eu senti aquele dia. Eu não sei dizer se a minha vida mudou como você falou, tudo está sempre mudando. De fato você virou parte de mim, como talvez não teria virado. De uma maneira que eu não gostaria. Me fez ter medo da morte quando ela era só mais um detalhe.

Um comentário:

Anônimo disse...

triste e envolvente

eu ajunto a coragem

eu só quero o que desejo porque  há o seu abraço o seu tempero o seu tempo, temperamento  há tempos eu percebo  minha vida, meu sossego  bem...