sábado, 31 de maio de 2008

A pintura que se desfez na chuva

Gotas que chegaram transparentes e caíram.
Pingaram no quadro pendurado do lado de fora.
Estragaram a pintura, desfizeram as cores.
Tornaram-se cores molhadas.
As cores emprestaram seus vários tons para a chuva.
A chuva ficou azul, amarela, vermelha, cor-de-rosa.
Era tudo um ensopado de cores pingando.
O quadro agora desfeito, a pintura agora inexistente.
Tudo seria tristeza,
Se não fosse a alegria da chuva, de ficar colorida.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Amizade com o vento

Quero que você se case. Que tenha filhos, que seja muito feliz. Sucesso você já tem, mas eu desejo mais sorrisos, e que eles sejam verdadeiros, como tudo que você viveu até hoje. Quero que você encontre o seu caminho, mesmo que eu não esteja nem na sua calçada. Desejo coisas boas, e torço por você, pelo seu bem. Ouvi frases pontudas de granito vindas dos seus lábios. Um furo em mim, e só. Sei que você apagou tudo que tivesse minhas iniciais e sei que as frases eram mesmo para furar. Não que você fosse mau, nem que não gostasse de mim, mas porque alguém o cegou. Alguém o fez enxergar a vida de outra maneira, alguém não deixou que você carregasse o seu passado no ombro. Mas tudo bem, eu o perdôo. Às vezes a cegueira vem. Não o odeio e nem tenho pensamentos ruins, mas o furo se deu como um cancêr, e já atingiu todos os meus órgãos vitais. Você está quase morto para alguém que renasceu junto com você. Paciência, a vida é feita de escolhas, e eu não estarei nem mesmo na sua calçada. Sei que você será feliz de qualquer maneira, e para falar a verdade, é isso que importa para mim: o seu sorriso verdadeiro. Deixarei que tudo morra, menos as lembranças e o quanto eu o admiro.


Para Y. - Você se enganou naquela velha mensagem que apagou: "Os livros mais belos dizem que sim, duram para sempre". É... Nem sempre.

terça-feira, 27 de maio de 2008

A chegada do inverno

Quero flutuar apenas. Depois de alguns dias solta por aí, dando uma bela esticada antes da hibernação, só quero flutuar. Até agora foi tudo muito planejado, não vou mais planejar e nem lembrar do que já foi. Vou hibernar tranquila com o que me espera. Eu sou livre, minha liberdade flutua comigo: pode chegar, inverno. Estou pronta.

Há molduras que esperam

Não sei se é nos seus olhos, se é no medo, se é nos meus pensamentos egoístas, ou se é no caminho até você que eu estou perdida. Mas eu estou. Você tem as palavras preferidas dos meus ouvidos, só que eles estão um pouco fechados, surdos talvez. Há muito resquício de tudo nas minhas mãos, na minha vista falha, no meu coração pequeno e mesquinho. Tenha calma, porque eu já tive pressa das coisas e a pressa leva ao fim. Medo, pressa, angústia... É tudo feito de fim. O fim é um quadro triste pendurado na estante. A moldura não é bela: de madeira ou de pedras brilhantes. E no fim, o que vemos é a terra emcima de nossos corpos silenciosos. Não faça silêncio, ele será abundante. Seja apenas o meu mapa, mesmo que você precise dele às vezes. Eu serei o seu também, mesmo que ele não leve a lugar algum.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Então deixo que me guie

Meu óculos de natação está velho. Conforme vou nadando ele vai ficando embassado e escuro, mal consigo enxergar. A única coisa que consigo ver é a faixa preta que há desenhada no fundo da piscina. Conheço essa piscina. Nado nela há alguns anos e sei que essa faixa tem 25 metros. Então, por mais velho que meu óculos esteja, por mais que eu não enxergue absolutamente nada, eu vejo a faixa e sei que estou nadando 25 metros do começo ao fim da piscina. Me concentro naquela visão e nado sem questionar. Hoje enquanto eu nadava, comecei a pensar no que falamos antes. Você me perguntou sobre confiar. Não sei bem o que posso te dizer, mas acho que confiança é exatamente isso. É você ser a minha faixa preta no fundo da piscina. Não preciso enxergar mais nada para saber que estou nadando certo, eu confio na minha única visão.

sábado, 17 de maio de 2008

Meu doce preferido

Seu gosto deve ser açúcar. Não é possível que seja outro. Tão doces as suas palavras, tão doces os seus gestos, as suas coisas. O seu olhar tranquilo. A sua paz. O seu abraço eterno. Bem que você disse que não gosta de comer nada muito doce, também, com tanto açúcar na boca...

Medo


Me disseram que a vergonha é um tipo de medo. Quantos tipos de medo existem? Quais são os medos que se pode ter? Dá para ter todos ao mesmo tempo? Se eu tiver todos os tipos de medo ao mesmo tempo, eu ainda assim consigo caminhar?

Sons dos sonhos

Aumento o som do rádio para não escutar meus pensamentos. Grito para tentar atingir a sua razão com a minha voz alta. Todos os sons que faço me ajudam a esquecer minha infinita insignificância. São sons inúteis e irrelevantes, mas eles me fazem sentir presente em algum lugar do universo. Me ajudam a ocupar algum espaço talvez em alguém, os meus sons. -Silêncio! disse meu pai. -Assim você não escuta seus sonhos se realizando baixinho.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

É tudo de mar

Pra quê perder o riso,
Perder a graça,
Pra quê perder-se sem saber?
É tudo chão, é tudo de mar.
Os risos são de graça,
E o tempo é de perdão.
Não há dor que se deixe levar,
Sem os risos que sempre virão.

Para Marina

Paciência é uma virtude

9 meses só para começar a respirar. 7 meses para começar a falar. De 4 a 6 meses para parar de mamar. De 11 a 14 meses para começar a caminhar. Acho que posso esperar uma, duas, às vezes até três semanas, para você voltar.

sábado, 10 de maio de 2008

Coisas de vidro

Já me apaixonei por causa de uma palavra que ouvi de lábios alheios. Uma palavra. Também já quis embora por causa de um gesto. Um único gesto ou, na verdade, a falta dele. Um abraço que ficou faltando. É tudo tão frágil. Pode-se amar tanto em um dia que mal se consegue respirar e, no outro dia, pode não se sentir mais nada. O amor pode de repente sumir. Ir parar em algum barco solitário no oceano. As coisas não tem volta. E o barco pode ir embora com todo amor, pode ir parar em algum cais de algum lugar do mundo. Alguém pode abraçar aquele amor com tanta força, que ele pode não voltar mais para quem o deixou fugir. As coisas não têm volta. Há barcos por todo o oceano, cheio de coisas que pessoas não agarraram com toda força. Um silêncio pode causar a despedida, e eu posso me apaixonar por causa de uma simples palavra.

Amor de pavão

O pavão abre sua cauda extravagante só para atrair o seu amor. Sua cauda não tem outra função a não ser a de chamar sua fêmea. Ela se encanta pela cauda e não precisa fingir desinteresse. Depois que a fêmea vê a cauda, ela acompanha o macho. Eles seguem juntos até o fim da vida de pavão. Observo de longe e tento decifrar pavões. Queria ter uma cauda para me encantar. Uma cauda que não me fizesse esperar um telefonema. Uma cauda que viesse com a promessa de me amar e me proteger para sempre. Quisera eu amar como um pavão.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Quando a gente nada diz

Estou um pouco sufocada de coisas que eu quero dizer. Eu preciso conversar com o meu pai, porque eu não concordo com ele. Eu preciso falar com você, porque de nós eu nada sei. Preciso conversar com a planta que eu deixei de regar ultimamente, porque ela parece estar morrendo. O céu escurece tão rápido e todo mundo já foi dormir, tudo acaba ficando para o dia seguinte. Mas o dia seguinte é um futuro muito distante, só que isso eu ainda não sei, sou muito nova para saber. Acabo escrevendo tudo, como se funcionasse igual a palavras ditas. Não. Escrever é mais ou menos como sonhar. Se você conversa com alguém durante um sonho, quando você acorda, você não conversou com a pessoa. Ou pelo menos ela não sabe, só você. E isso não conta. Preciso tanto tirar essas palavras do meu peito farto, quase mais nada cabe aqui. Uma vez me disseram que é preciso deixar o peito leve, quase vazio, para que as borboletas possam entrar. Ontem eu sonhei que a gente se perdia num lugar cheio de gente, e eu ficava sozinha, esperando todo mundo ir embora. Mas ninguém ia embora e eu ficava sozinha. Um pouco antes de eu acordar você aparece de novo e me diz: "Você não está sozinha. Estou aqui". Acordei um pouco triste, angustiada, sentindo sei-lá-o-quê. E quer saber? Agora no fim do dia, quando estou prestes a dormir novamente, essa sensação passou. Senti que suas palavras no meu sonho eram de verdade. Eu senti que você falou mesmo comigo, que você invadiu o meu sonho. Eu acho que eu estava errada, conversar com pessoas em sonhos conta sim. E escrever funciona também: vou escrever para quem enche o meu peito, mesmo que não leiam as minhas palavras.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

A minha indiferença

O ar que eu trago
Não tem o gosto da sua boca.
Se um dia terá,
Eu não sei.
Eu sei que a sua tristeza
Não me dói.
Que a sua ausência
Não faz de mim metade.
Eu sei que o meu vazio
É só meu.
Nele eu sobrevivo,
Mesmo sem você.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Efemeridade

Quero ter aquela liberdade por um segundo.
Aquela que tive assim que nasci sem pedir.
A mesma que tem um ex-detento quando é largado no meio da estrada.
Ou a do mendigo que não consegue se lembrar do gosto de um frango.
Aquela liberdade depois da droga, quando se esquece o próprio nome.
Quero a liberdade de ter casa mas não ter lar.
A liberdade do nada: do nada ter, saber, fazer, do por nada viver.
Eu quero essa liberdade.
Mas ouça, eu só a quero por um segundo,
Depois eu quero voltar a tudo que me prende todos os dias.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Will you still love me tomorrow?

Funerais diários

Mergulhei em um oceano de mortes tolas. Encontrei cadáveres de alguns pensamentos, de alguns amigos e de algumas coisas preferidas que tornaram-se aversões. Um dia eu matei minha mãe. Um dia matei a mim própria. Já matei desejos, já matei segredos. Nunca me importei se eles voltariam à vida depois. Nunca quis saber se seria difícil para quem fica. Simplesmente os sufoquei. Com outras vidas, outros desejos, com o tempo que me sufocou também. No meio de todas as coisas póstumas, encontrei o que restou. Eu restei aqui, inteira. Sei que já fui morte de pessoas, já fui cadáver para alguém. Enquanto mergulho nesse monte de restos, eu penso com meus olhos lúgubres: Não há nada mais difícil do que sobreviver à morte.

As suas coisas espalhadas

Elas me observam andar pela casa, chorar escrever  quando é minha vez de observá-las choro um pouco mais por tudo que carregam viagens, lemb...