quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

As suas coisas espalhadas

Elas me observam
andar pela casa, chorar
escrever 
quando é minha vez
de observá-las
choro um pouco mais
por tudo que carregam
viagens, lembranças
cheiros
as suas coisas espalhadas
me observam 
sabem mais sobre mim
do que você

sábado, 7 de dezembro de 2024

você via o seu, em outro lugar

a dor que acompanha o sangue
a solitude
assisto o filme sobre a bomba
você bebe
estamos distantes
cada um com o seu desejo
ou a falta 
hoje eu vi um pedaço do que fui
você via o seu, em outro lugar
ele sorria igual, um pouco mais velho
com duas filhas
eu agora com dor
sangue e bomba.

domingo, 1 de dezembro de 2024

a grande decisão

Tudo está apenas em cima
encobrindo, disfarçando 
a coisa maior, a questão central
a grande decisão
me penetrou um desejo
sorrateiro, no meio da noite
me comeu a razão
não há como remover
evitar, transferir, desviar
tudo está apenas em cima
da grande decisão.

Encruzilhada

Doem as escolhas e doem as renúncias 
doem os anos entre cada uma
cada noite mal dormida
cada falta de chão 
desde aquele não 
doem os dentes apertados
dói pensar naquele não
o que fazer? O que fazer?
Dói tudo 
ler o seu nome num livro 
a ameaça de um pandeiro
numa música
a escolha que tenho que fazer
a renúncia que se faz:
é tudo dor.



quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Quando saio, não volto

 Se tenho que sair
[tentei fincar as mãos 
no corrimão 
da escada de casa]
saio a passos lentos
sem desejo
um pouco de medo
depois da porta eu me desfaço
despedida do que sou
quando saio, não volto 
crescem unhas
cabelos, o suor que escorre
minha pele se transforma
a que volta não sou eu 
menos tonta 
mais cansada
melancólica
Se eu tenho que sair
é melhor que eu não saia
não existe um retorno
é outra a mão que finca 
na escada, no corrimão.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

vou deixando

Não tem grandes movimentos
eu me esforço 
seria um desastre completo?
as transformações
sobreviveríamos?
Por enquanto estou aqui
não tenho medo
vou deixando 
o que será de mim
se eu não fizer nada
e se eu fizer
será pior?

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

você, um beco

Querosene
explosão 
admite a melhora
admite a melhora da casa com as plantas
uma samambaia para cada lado
tirar dois livros da estante
uma begônia
você aguentaria
mais uma separação?
eu vejo um berço 
você, um beco
que casamento resiste
tamanha interrogação
no querosene, explosão.



quinta-feira, 4 de julho de 2024

separação

 vou ficar com o que é meu
a poltrona
metade do sofá
o frigobar
o resto é seu 
a cama, o carro
os quadros
os filhos.

por todos os lados

 você assiste o futebol
faz piada sobre o rubens
caminha com seu tênis
toma banho 
fala com seu filho
segue a vida 
de sempre
eu tento
eu tento desviar
atravessada
da morte espalhada
por todos os lados

Vingança

 Quando a gente se separar
vou roubar de você
o livro azul
do fernando lemos
o pessoa pode ficar
é o lemos que eu quero
com aquela assinatura laranja
seu nome e a data
o ano que nos conhecemos
eu sei que é mentira
você encontrou o livro depois
quero guardar essa mentira
roubar de você
o livro que você roubou 


Você me arrancou 
tanto sol
a carne
a ferida
arde exposta 
no sol 
que você me arrancou

quarta-feira, 3 de julho de 2024

quero saber quem, no fim
vai nos buscar em delfim
nas montanhas
sem japão
nem a mão 
feita por nós


minha barriga me pariu
toda triste
sem vontade de ser
de sair pra passear
sem chorar
o parto não foi normal
eu não tinha nenhum quilo 
nem um filho
minha barriga pariu

Eu não erro mais

Foi quando eu esqueci a ração?
Ou aquela hora na praia?
ou antes?
quanto antes?
qual foi o momento?
o que eu esqueci?
quanto eu deixei de ganhar?
eu ri quando não devia?
demorei demais para sair?
ou para chegar?
foi quando eu pintei o número da casa?
ou quando a pia entupiu?
se não tivesse entupido
se eu tivesse ido mais rápido 
se a passagem fosse a certa
se eu não tivesse errado o caminho
eu não erro mais o caminho
eu juro

Rasgar

Rasgar, rasgar
rasgar fotos
diários velhos
cartas antigas
queimar talvez
queimar as lembranças
guardadas no armário
da casa dos pais
brinquedos também
que foram os seus
preferidos
para que guardar
para que, meu amor
para quem?

terça-feira, 28 de maio de 2024

Deu certo

Devo ter sido bem precisa.
Ter visto você no passado
- quando eu tinha 7 e você vinte.  
Devo ter te visto passar. 
Ficou guardado na memória -
o cabelo que espeta, a sobrancelha desenhada
o degrau que eu gosto de subir.
O seu molde eu já tinha, 
foi só eu pedir.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Asas do Desejo

 O meu filme preferido da vida mostra uma humanidade desolada no pós-guerra e dois anjos que observam tudo de cima. Eles veem apenas a beleza de estar vivo e consideram a humanidade seres de sorte. Invejam que o homem pode sentir gosto, sentir dor, amar. Invejam que podem sentir o gosto do café e o toque do jornal nas mãos. Penso nesse filme quase todos os dias, mas principalmente quando começo a desanimar. Tento olhar tudo de cima e me lembrar. 

terça-feira, 5 de março de 2024

eu ajunto a coragem


eu só quero o que desejo porque 
há o seu abraço o seu tempero
o seu tempo, temperamento 
há tempos eu percebo 
minha vida, meu sossego 
bem no meio do seu peito
eu só quero o que quero porque 
há também tavares, talvez pandeiro, 
o seu cheiro
o seu corpo inteiro
sem você não há razão
eu só quero - e eu posso não querer -
se assim for, se for assim
se você disser assim
eu ajunto a coragem
ao desejo dar um fim
eu só quero o que quero 
porque eu quero a vida toda
o tempo todo
para todo o viver 
essa vida, essa vida desse jeito
essa vida toda vida
essa vida com você



domingo, 3 de março de 2024

que virá

 me promete 

me promete que virá

eu não sei mais ser quem sou 

quero ser que eu serei 

quando você chegar

não sei se vai ser tarde

se vai dar tempo

se terei o que ensinar

me promete

me promete que virá

não houve

Teve sangue,
teve o fluxo normal das coisas
teve um traço só, eu queria dois
eu queria furacão 
eu queria rompimento
a vida nova que viria
meu corpo virando colo
esse mês foi só mais um 
que não houve a sua vinda

As suas coisas espalhadas

Elas me observam andar pela casa, chorar escrever  quando é minha vez de observá-las choro um pouco mais por tudo que carregam viagens, lemb...