Detesto quando alguém pega os meus óculos pelas lentes. As digitais ficam marcadas e é chato para tirar. Quando ele pegou os meus óculos no meio da festa foi pior: os dedos dele estavam engordurados. Ele estava bêbado e cheirava a perfume feminino, como se tivesse acabado de sair de um abraço, ou pior: de uma mulher nua enrolada num lençol branco. Eu não aguentei aqueles dedos. A minha vontade era de pegar uma faca, como no filme Silêncio dos Inocentes, e fazer o que o Hannibal ameaça fazer com o pulso da mocinha. Essa era a minha vontade. Ao invés disso eu deixei ele pôr os dedos imundos nos meus óculos e ficar se exibindo que nem um babaca pela sala. Ainda bem que a música era alta o suficiente para que ninguém ouvisse o que ele gritava. Só eu ouvia, porque eu já havia quase decorado as coisas que ele dizia quando ficava bêbado. Eu saí, fui ao banheiro e procurei pelas gavetas: na casa da Bia sempre tinha uma cartela de antidepressivos no banheiro de visitas. Ela tinha uma filosofia infantil segundo a qual antidepressivos deviam ser compartilhados. A Bia era uma cretina. E eu estava certa: os comprimidinhos brancos estavam ali, lindões. Tomei um e fiquei sentada na privada esperando algum efeito. Quando eu acordei às 6h14 da manhã de sábado os meus óculos estavam imundos, jogados do lado do lixo. Eu estava toda torta no chão do banheiro, meu cabelo estava igualzinho ao do Wilson, o amiguinho-bola do Tom Hanks. Eu lembro de passar a noite tentando caber naquela droga de tapetinho minúsculo porque o chão ardia de tão gelado, mas eu tenho 1,68m de altura e o tapetinho tem o tamanho de um tapetinho. Lavei os óculos por 23 minutos sem perceber que eles já estavam brilhando, e que eu estava pensando na morte da bezerra. Não, eu estava pensando por que o V. havia largado os meus óculos no chão do banheiro. Fiquei imaginando que ele estava tão bêbado que nem me viu, ou tão bêbado que nem percebeu que eu era a Bela Adormecida. Depois que eu sequei as lentes, joguei os óculos no chão e como eles não quebraram, eu pisei em cima. Ao vê-los espatifados, eu comecei a chorar, mas eu enxergo bem sem eles. Saí pela casa à procura da minha bolsa, e quando a encontrei passei a ficar desesperada para sair dali, mas fui interrompida por uma lembrança. A foto. Eu tinha uma foto de nós dois dentro da bolsa: eu e o V. abraçados no cais. A represa atrás da gente foi cúmplice do nosso amor de cinco dias. Os exatos cinco dias mais felizes da minha vida, ou talvez os únicos. Rasguei a foto em mil pedaços. Tive vontade mesmo era de rasgar os meus olhos.
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
Assinar:
Postar comentários (Atom)
As suas coisas espalhadas
Elas me observam andar pela casa, chorar escrever quando é minha vez de observá-las choro um pouco mais por tudo que carregam viagens, lemb...
-
Naquela sexta-feira eu tinha um casamento. Ou talvez uma festa chique, não sei exatamente. Quis fazer meu cabelo, minhas unhas, maquiagem. P...
-
Tudo isso para tão pouco, talvez pior do que pouco, talvez pior do que nada. Tudo isso para um abismo.
-
Por que foges, beija-flor? Não vês que te espero? Não sabes onde estou? Eu vi o sol nascer -E morrer tantas vezes. A ti eu vi tão pouco, Não...
Um comentário:
Por que tanto peso sobre os ombros?
Amo você leve e solta.
Postar um comentário