segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Asa de borboleta

Ela foi assaltada, como todo mundo é nessa cidade, como todo mundo nessa cidade sabe que vai ser um dia. Mas com ela foi diferente. E foi diferente porque ela é diferente de todo mundo nessa cidade. Ela buzina, dirige mal, corre, se estressa e grita palavrões horrendos no trânsito. Mas ela é quase de vidro. Não, vidro até que é resistente, ela é feita do mesmo material que a asa de uma borboleta. Você já tocou na asa de uma borboleta? Ela se desfaz na mão. Deixa um brilhinho nos seus dedos e desfaz. Ela é isso. E quando o adolescente quebrou o vidro do carro dela, ameaçou-a com uma faca e ela viu de perto aqueles olhos drogados, ela se desfez. Deixou um brilhinho no banco do carro e sumiu. É claro que o corpo dela estava ali, em lágrimas, mas quem a conhece sabe que ela de fato não estava. Eu tenho tanto ódio daquele menino, porque o que ele fez com aquela asa de borboleta vai ser difícil consertar. Ela já era medrosa, ficou mais. Já tinha medo de dirigir, tem mais. Ela já tinha pesadelos, acordava chorando. Eu não quero pensar como vão ser as noites dela agora. Eu queria mesmo era velar o sono dela a noite toda. E se ela acordasse num susto, de repente, eu faria que nem ela fez comigo quando o meu primeiro amor foi embora. Eu não conseguia dormir, chorava, chorava, chorava. Não conseguia fazer mais nada. Ela entrou no meu quarto no meio da madrugada, acendeu a luz, pegou um caderno no chão, uma caneta e fez um jogo da velha. "Vai, é a sua vez." Depois de duas partidas eu roncava que nem um porquinho na lama. Acordei doze horas depois. E foi assim durante várias noites, até eu cicatrizar aquele amor de criança. Eu queria jogar jogo da velha com ela, até o brilhinho da asa de borboleta voltar, até a borboleta voltar a achar que o mundo são flores. Porque o mundo não são flores, o mundo é horrível, o mundo são meninos drogados que ameaçam pessoas, eu não quero mais falar sobre o que o mundo é, me dá dor. Mas ela, ah, ela deixa brilhinho de borboleta nas mãos.

8 comentários:

Letícia Cardoso disse...

acho que eu sou meio asa de borboleta. E às vezes me dói tanto ser assim.

Letícia Cardoso disse...

porque às vezes as pessoas me pegam, e quando eu acho que elas estão ali para que eu descanse um pouco na ponta dos seus dedos, elas desfazem as minhas asas. E não importa quantas vezes elas machuquem as minhas asas, eu sempre vou deixar um brilhinho.

p.s: acho que agora sou eu que há muito tempo não sou doce. haha'

Carolina Prado Pinto disse...

juro...

Cotia disse...

Voltou a minha escritora preferida. PARABÉNS! NINGÉM poderia ter escrito e descrito melhor!

Anônimo disse...

Amo esse seu jeito de falar sobre as coisas.

RodrigoTorçop Orti disse...

Lendo o seu delicado comentário eu, por outro lado, me lembro da asa dura do besouro. Era um besourão preto enorme que me assustava muito quando era pequeno. Sobretudo no dia em que percebi um sorriso irônico em seus lábios besourais.

Bombom disse...

que lindo, essa é a nossa calina, ninguém descreveria melhor.

Ju disse...

tenho tanto orgulho de vc!!! Croki linda!! to lendo tuuuudo que eu posso, fazia tempo que eu nao entrava :) te amo!

Beijo

eu ajunto a coragem

eu só quero o que desejo porque  há o seu abraço o seu tempero o seu tempo, temperamento  há tempos eu percebo  minha vida, meu sossego  bem...