sexta-feira, 16 de abril de 2021

Instante

As imagens variavam entre girassóis, cachoeiras e montanhas. Eram mesmo lindas, mas contrastavam demais com o barulho da broca e o cheiro de produto químico. Pensei em concentrar nas paisagens e me desligar, mas me lembrei do título do meu livro preferido: "Be here now" ou "Esteja Aqui Agora". Mesmo que o aqui agora seja uma cadeira de dentista e uma pessoa esteja me perfurando com uma pequena broca? Fiquei tentando entender por que estar aqui agora seria bom para mim. 

No livro, o autor diz que o exercício é não desejar estar em outro lugar, porque essa é a fonte da dor. O exercício é tentar observar de fora, sem se apegar aos sentimentos e emoções ou aos pensamentos que pudessem vir. Observei os campos de lavanda que agora apareciam na tela do computador do consultório e pensei se ao observar aquelas imagens eu não estaria forjando uma fuga. Uma fuga do aqui e agora. 

Fechei os olhos e tentei focar na inspiração e expiração. Percebi meu corpo relaxar. Sentir dor e estar naquela cadeira com uma broca enfiada na boca era melhor do que não sentir nada. Pensei nos anjos do Win Wenders observando os humanos e desejando coisas mundanas como o cheiro do café, sem poder as ter. 

A experiência humana nem sempre parece boa, mas ela é como deve ser. Estar presente na hora em que o meu dente é perfurado é onde eu preciso estar e mais ainda: é onde eu quero estar, nesse enorme exercício de agradecer o instante. 

terça-feira, 6 de abril de 2021

Na garganta

Tenho uma poesia 
entalada na garganta.
Às vezes eu sinto o seu gosto.
Me sobe um refluxo,
dá azia 
e a poesia 
não sai do lugar.
Tentei pintar
assobiar
subir num palco 
disfarçar
mas a poesia entalou.
Fincou as raízes
com a ponta do dedo
ela pinta de rosa
vez ou outra 
a visão.
Sai não. 
Como pomo de adão
a poesia é de lá:
fincada
engasgada
entalada na garganta. 



domingo, 4 de abril de 2021

Insignificância

 Manchei a minha mão 
com limão 
pude ver como ela ficará
quando eu envelhecer
Então fiz o que sempre faço 
me entristeci 
com minha insignificância
demorei para me lembrar
das pétalas das flores
insignificantes também
sempre caindo
ainda assim me doeu lembrar 
eu e a rosa
pouco importamos

Se eu soubesse explicar 
esse choro preso 
talvez não fizesse poesia 

uma mordida na perna um veneno de lagarta no dedo uma conta negativa no banco uma franja que eu não gosto um bloqueio criativo um medo que n...