terça-feira, 18 de agosto de 2020

quebranto

por um tempo 
o anel não coube no dedo 
gordo 
o cotovelo não aguentou a invertida
e o toque
as coisas voltaram ao normal depois
não sobrou quebranto 
ao lado da lavanderia
na mesa enorme
canetas e livros
três estantes de plantas
não havia mais nada de triste
só eu 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Cimento

o cimento, você disse
uma arte complicada
tão difícil de moldar
as medidas e maneiras
no tom e tempo certos
com água e paciência
eu pergunto é pedreiro
um artista?

inflamados

cotovelo dedo braço beiço 
também a alma
por dois dedos
quase me escapa 


Farpa

um corpo estranho 
no
meu corpo ainda 
estranho a mim 

quinta-feira, 9 de julho de 2020

não existe nada estático

os ponteiros
os pássaros voando
a dor no peito
a violência das ondas
não existe nada estático
com os anos se desbota
pregado
o quadro na parede
as igrejas medievais
em eterna restauração
somem um pouco a cada ano
templos e corais
essa tristeza a me torturar
a alegria que vem depois
todas as coisas
tem um pedaço de vida
sempre a morrer

terça-feira, 30 de junho de 2020

Falta

Falta ritmo
um ritmo qualquer
entre os versos
da sua poesia
falta música
estudo
matemática, disciplina
Que falta a minha
escrever poesia
com tanta arte no mundo
pensei que a poesia
era só transbordar


Babosa

Quero comprar um vaso de babosa
ou também Aloe Vera
uma planta pontuda
cheia de tentáculos e nutrientes
quero acompanhar seu crescimento
ponta por ponta
eu vou arrancar um pedaço
passar na minha pele
outro pedaço vai crescer no lugar
quero comprar um vaso de babosa
passar no meu cabelo
Aloe Vera
uma planta conhecida
todo mundo devia ter um vaso 
tem tantas funções
a que mais me interessa 
entretanto
é que dizem que ela protege 
a casa da gente.

Estar no presente é o que 
senão ser
essa tarefa grandiosa 
que é ser
um ser vivo 
ser humano
ser

quinta-feira, 16 de abril de 2020

noção

acordei com a sensação
sabedoria?
de que neste exato momento
eu tenho tudo que eu preciso
para ser eu

sexta-feira, 10 de abril de 2020

é difícil ver agora

Ele lava a louça, eu medito e quando abro os olhos tudo parece mais branco
Ontem ele me mostrou o amolador de facas do avô
fez questão de tirá-lo da caixa de madeira e passar os dedos pelo grafite
- olha que bonito, sente
um objeto que atravessou os anos
no meio da estante eu achei um livro de poesias hindu
não entendi nada, mas as letras indianas remetem a oração
orei também com o autor
há um vírus circulando pelo mundo
minhas palavras não o alcançam nem faca ou amolador
à noite pessoas saem às janelas para gritar contra o presidente
em outros países elas cantam
Há um vírus, é difícil ver agora
mesmo que ele tenha deixado tudo mais visível
é difícil ver agora que isso é uma travessia.

terça-feira, 24 de março de 2020

Invisível

Poucas pessoas sabem
poucas, muito poucas
é invisível
não há ciência nem razão
é da ordem do mistério
indizível
ontem descobri
quando vi mais um morto
no leito do hospital
é proposital
da ordem do castigo
recomeço
da lição
é preciso matar
para chamar a atenção
é preciso morrer
para se fazer ouvir
silêncio
exílio
solidão
ele voltou
sem converter água
sem rosto ou apóstolo
quer que escutemos
devagar
atenção
lembre-se do amor
esqueceu?

segunda-feira, 23 de março de 2020

O que eu sinto não é isso

o que eu sinto não é isso
quando você abre aquele quarto
trancado a sete ou oito chaves
passado e pó me fazem espirrar
o que eu sinto é invenção e preenchimento
talvez nem sejam da ordem do sentir
tanto faz
eu invento o seu passado
crio imagens, cenas no jantar
ela sentada no seu colo
o que eu sinto não é isso
eu não sei
talvez seja vontade de apagar
eu também tenho passado
não dentro de um quarto
no mesmo quintal
na mesma casa
numa pasta
em tudo quanto é canto
o meu passado eu já perdi
o que eu sinto é o seu passado


sexta-feira, 6 de março de 2020

se ao menos

Me sinto cansada
minha perna esquerda dói
os olhos querem cerrar
te tocar eu não consigo
é tanto o meu cansaço
nesse fardo de viver
se ao menos eu soubesse
onde é que acende a luz

quinta-feira, 5 de março de 2020

Por trás dos olhos

Eu não tinha te notado quando cheguei na plataforma. Mal consegui reparar no seu rosto ou na cor das suas roupas e, mesmo assim, eu nunca mais me esqueci. Aquele olhar vazio, privado de um humano por trás dos olhos. Eu nunca pegava o metrô, mas naquele dia ia me poupar muito tempo. Comprei o bilhete e desci correndo para entrar no vagão. Mesmo assim perdi o primeiro trem e tive que esperar pelo segundo. Tinha pouca gente ali, duas ou três pessoas além de mim. Talvez cinco ou dez. Era o meio da tarde de uma quarta-feira. Três e quatorze da tarde. Eu lembro da hora exata porque tinha acabado de olhar o relógio quando você gritou: "O trem está chegando. Preste atenção que a sua vida vai mudar." Não consegui nem esboçar algum tipo de pergunta porque o trem chegou e você se atirou. Nem um porquê. Um 'e se' ou um 'como'. Nada. Não tem um dia sequer que eu não pense em você, no seu olhar vazio, na dor inexplicável que eu senti aquele dia. Eu não sei dizer se a minha vida mudou como você falou, tudo está sempre mudando. De fato você virou parte de mim, como talvez não teria virado. De uma maneira que eu não gostaria. Me fez ter medo da morte quando ela era só mais um detalhe.

domingo, 16 de fevereiro de 2020

quinze vezes ao dia

ideia, vontade, filosofia
modifico-os o tempo todo
quinze vezes ao dia
entretanto uma vez basta
para você me olhar e saber
precisamente o que é
aquilo que não modifica

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Poesia

Não adiantam palavras bonitas
há de haver um ritmo, um nó, um eu
há de haver beleza
tristeza
rimar não precisa
há de haver uma falta de eu, de tu
uma falta qualquer
uma certeza da morte
medo não precisa
há de haver dor
palavras bonitas ajudam
mistério
uma lembrança que ninguém mais tem
há de haver uma poesia antes
uma escultura embutida na pedra
um ou outro silêncio
antes e depois
há de haver um depois



terça-feira, 14 de janeiro de 2020

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Quando eu acordo

Existem uns segundos logo que acordo
segundos de dúvida
quem é esse homem
qual cara ele tem
me viro por entre o nó de nossos corpos
você ainda dorme
te olho
te examino
me lembro que homem é
o meu
o que eu escolho amiúde
no instante em que acordo

As suas coisas espalhadas

Elas me observam andar pela casa, chorar escrever  quando é minha vez de observá-las choro um pouco mais por tudo que carregam viagens, lemb...