quarta-feira, 29 de julho de 2015
Tico
Durante um mês e alguns dias você viveu conosco. Teve gente que passou dias mais felizes enquanto você esteve por aqui. Conheço um cara que queria agradecer a sua doce existência por ter feito a dele própria mais doce. Sei que você teve dias difíceis, eu mesma presenciei um. Você estava ferido e mesmo assim não deixava de se aproximar daquele cara, dava a mão pra ele todo feliz. Eu vi. Sua despedida foi muito repentina e levou um pouquinho de nós todos. Se fossemos da sua espécie, poderíamos dizer que algumas penas caíram quando você fechou os seus olhinhos para nós.
Eu já fui
Quando digo que preciso ir embora,
não quero dizer que não,
quero dizer que preciso ir embora.
Já não posso mais ficar:
algo aconteceu dentro de mim
e eu já fui.
Nas minhas malas magras,
eu me trouxe pra cá.
Te falo do futuro:
aqui, da minha viagem ao mundo.
E que mundo é esse, meu Deus?
E que viagem é essa em busca do seu mundo?
Te falo aqui do presente:
- Vá procurar saber.
não quero dizer que não,
quero dizer que preciso ir embora.
Já não posso mais ficar:
algo aconteceu dentro de mim
e eu já fui.
Nas minhas malas magras,
eu me trouxe pra cá.
Te falo do futuro:
aqui, da minha viagem ao mundo.
E que mundo é esse, meu Deus?
E que viagem é essa em busca do seu mundo?
Te falo aqui do presente:
- Vá procurar saber.
quinta-feira, 16 de julho de 2015
A vida certa
Eu sei que eu já dei de cara com a proposta da minha vida. A proposta para me fazer completa, me elevar o espírito, me deixar em paz com o mundo já veio. Sim, ela me chamou mas eu não percebi e saí andando. Acho que foi isso que me aconteceu. Hoje eu vivo uma vida paralela à que eu deveria viver. Vivo uma vida que, se eu tivesse feito a escolha certa, eu nem pensaria que poderia haver outra opção. Por isso penso que nada que eu possa fazer pode ser errado. Minha vida já é a errada, já não era para ser essa. A vida certa teria poesia, música e teatro. Teria horas para criar, para gastar. A vida certa teria gente na hora certa - e na hora errada só teria eu, porque sou de aquário e preciso ficar só de vez em quando. Na vida certa eu poderia escrever o que eu quero no meu expediente, porque o meu expediente seria meu - e não de uma empresa. Se eu vivesse essa vida acho que seria mais paciente. Seria mais calma, não roeria unhas. Eu poderia ser quem eu sou lá de dentro, não perderia tempo (e nem energia) com o que eu não gosto, com o que eu não sou. Não perderia tempo com tanto cansaço. Porque cansaço não é coisa de gente jovem e cheia de vontade como eu. Eu tenho dor nas costas, eu tenho dor na alma. Na vida certa não existe dor na alma.
quarta-feira, 8 de julho de 2015
Não ia dar certo
Eu tive um namorado autista. Ele mal falava comigo, ou pior: mal me abraçava. Eu gostava dele porque algo naquele mundo particular que ele vivia me fascinava. Era um mundo onde só a arte o atingia. Eu tentava, eu juro que tentava, mas só a arte conseguia. Kubrick, Machado de Assis, Radiohead. Com esse pessoal ele se comunicava bem. Eu assistia tudo morrendo de inveja. Ele vivia me doutrinando, dizendo o que eu devia escutar, ler, onde poderia ver arte de verdade. Eu jamais questionava, ele sabia bem do que tava falando. Mas não ia dar certo. Ele era muito calado comigo, justo eu que preciso tanto do peito do outro. Além do mais, eu tenho um segredo que ele nunca desconfiou. Eu sou como ele: só a arte me atinge, só a arte consegue se comunicar comigo de fato. Mas eu sou bem diferente dele: consigo fingir bem. Ninguém percebe que eu também sou autista. E fico pensando que a gente pode sempre trocar o "u" por "r", e fica tudo bem, a sociedade até aceita quem se diz artista.
Escrava
Tenho um armário cheio de coisas.
A dona da casa onde eu moro disse que são coisas demais.
- Algum dia você vai se livrar de tudo isso, ela disse.
Que coisas são essas?
Camisetas e vestidos feitos provavelmente
por uma costureira que trabalhou como escrava.
Comprei para me sentir melhor.
Mas é claro, é lógico, não adiantou nada.
E a escrava trabalhou, trabalhou, trabalhou.
Esse meu armário cheio de coisas iguais de cores diferentes
nunca me fez sentir bem com nada.
Ele parece eu, escrava de qualquer sistema.
A dona da casa onde eu moro disse que são coisas demais.
- Algum dia você vai se livrar de tudo isso, ela disse.
Que coisas são essas?
Camisetas e vestidos feitos provavelmente
por uma costureira que trabalhou como escrava.
Comprei para me sentir melhor.
Mas é claro, é lógico, não adiantou nada.
E a escrava trabalhou, trabalhou, trabalhou.
Esse meu armário cheio de coisas iguais de cores diferentes
nunca me fez sentir bem com nada.
Ele parece eu, escrava de qualquer sistema.
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