domingo, 29 de setembro de 2013

Não foi naquela hora

Ela se apoiou na parede e abriu o zíper de uma das botas calmamente enquanto ouvia o piano. Ele tocava sem nenhum compromisso, nenhuma música em especial. Ela ia pensando nos últimos dias e tinha vontade de dizer alguma coisa, não estava muito segura nem muito convencida de nada. Assim que tirou a outra bota foi sentar no sofá, bem ao lado do piano. Pensava no que queria dizer, no que precisava saber, no que tinha medo. Pensava nele, nos dois, naquele frio todo que estava fazendo - aqui e lá. Ele terminou de tocar, virou-se para ela e falou qualquer coisa sobre a música. É agora, ela pensou mas não disse nada. Não foi naquela hora e nem depois. Ele se levantou e disse: preciso ir. Deu-lhe um beijo e foi embora.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Deve ser alguma coisa

Você começou como um sussurro distante, de nem sei onde. Foi virando um galope e de repente se perdeu no horizonte tão imenso que é. É assim que é, assim assim assim. Porque quando eu penso em ir embora de tristeza eu tenho que me lembrar que a tristeza é minha mesmo (não veio de você e não vai embora se você se for) e às vezes você não me entende porque a gente tem muitas coisas diferentes. O que será que você vê quando me vê? Além disso aqui tudo que vai acabar como todos os velhinhos acabam: em sobras de pele. A pele até sobra no final da vida, tão inútil que é. A gente só fica com o que um dia foi amor. Esse sentimento antigo pra burro. Esse sentimento que deve ser alguma coisa porque se não fosse, seria pele.

As crianças

E então as duas crianças entram na sala de música. Tinha um ou outro instrumento que ela não conhecia e um monte de quadro. Tem um desses na minha casa, ela pensa. Uns cavalinhos. E ele pega a guitarra (ou violão?) e toca. Ele mesmo criou a música em inglês, porque no português ia ficar claro demais e em inglês soa mais bonito. E ela guarda a música naquela portinha secreta do cérebro, aquela que nem ela mesma consegue abrir.

Essa música

Essa música é o meu grito, o meu choro, o meu desespero. E você ouve essa flauta agora porque eu preciso desabafar, mas eu só sei mesmo é fazer música e é ela que me faz bem enquanto eu me recupero dessa dor. Trim trim tchururu essa música não é pra você porque você já foi embora então de nada serviria porque voltar eu sei que você não vai. Então a música pode ser pra mim mesmo ou então pro meu pai (e pra mamãe também, por que não?). Só pra você que não é porque em lugar nenhum já se viu uma gaita tão linda pra uma pessoa que deixa a outra tão triste assim.

a sua metade

Queria te dividir no meio e ficar com uma das partes, porque a outra vai sentir o que eu sinto todo o tempo, o que eu sinto sem a minha metade porque ela está aí.

domingo, 22 de setembro de 2013

Como se

Nós não somos desse mundo
e guardamos um segredo
- sobre o outro lado.
Todos os dias a gente acorda
e precisa disfarçar esse segredo,
como se ele não houvesse,
como se, quê segredo?
E de repente ele transborda um pouco
- e vaza.
Mas ninguém percebe,
e a gente continua.
Dia após dia a gente acorda
com um dia a menos que passou ontem,
com um dia a mais para disfarçar.
E assim a gente sobrevive
(com um segredo).
(DB)

Carta aberta

Quando você me ignora às vezes (cada vez menos vezes) eu não sei como reagir. Hoje eu acho que você escolheu me ignorar porque você perdeu a discussão e ficou com raiva. Eu te esperei enquanto lia um livro tão bonito. Mas eu te esperei demais e o livro ficou menos bonito. Te esperar nunca me fez bem. Eu ando um pouco insegura, sabia? Ando achando que você cansou de ouvir o que eu tenho a dizer. As suas reações parecem dizer isso. Será que eu fiquei repetitiva? Será que eu não tenho mais graça pra você? Eu sinto que aprendi tanta coisa interessante esses dias, sinto que estou mudando tanto ultimamente, quero contar tanta coisa pra alguém. Acho que você não quer muito saber. Eu quis escrever pra você, mas não mandei uma carta direto pra você porque eu acho que você não iria se interessar, por isso escrevo aqui. Eu sei que você vai ler e vai ter uma pontinha de dúvida se é de você que eu falo. É sim, é de você. De quem mais poderia ser? Queria tanto te contar mais daquele livro que mudou a minha forma de ver o mundo desde quando eu estava no colegial, mas eu acho que você iria querer discordar só porque é o que você gosta de fazer. E tudo bem, eu deixo você ganhar, eu não sou competitiva. Aliás eu tenho uma síndrome que me faz achar que eu já cheguei ao mundo perdendo.
E é só isso.
Boa noite, você que anda um pouco distante.

domingo, 8 de setembro de 2013

Apart

Enquanto a gente esteve separado teve um dia que o seu gosto veio na minha boca como uma ressaca de dia seguinte. Eu quis beijar a minha própria boca de tanta saudade que eu tava de você.

Passarinho

Um dia você me deu um passarinho. Um passarinho diferente, desses que vem na mão. Topetinho amarelo, coisa mais linda. Eu quase tive um troço. Imagina uma pessoa ir até um criador de passarinhos na zona norte da cidade escolher o passarinho mais bonzinho. Depois trazer numa gaiola para dar de aniversário para a namorada. Não posso com uma coisa dessas. Mas não foi fácil, não. Ele era super bravo, queria me matar o tempo todo. Bicava forte, achava que eu queria comê-lo. Sofri tanto. Todos os dias eu tentava pegá-lo, tentava cantar pra ele. E sofria com a rejeição que vinha em troca. Dias, semanas, meses passavam e nada dele gostar de mim. Até que ele começou a vir no meu dedo, começou a cantar um pouquinho, a coisa foi ficando legal. Ele parou de me bicar, parou de me detestar. Finalmente percebeu que eu não iria comê-lo. Começou a me tratar com carinho, cantar tudo que eu ensinava. Certa vez eu fui dormir e ele pousou no meu cabelo, o tempo todo ele ficou ali. Eu acordei e chorei um pouquinho: o meu passarinho me mostrou que eu posso ensinar alguém a amar. Com paciência, carinho, amor. Eu aprendi isso com um passarinho, o melhor presente que eu já ganhei na vida.

Você e Ele

Mamãe, não se preocupe. Você se preocupa demais. Você é a pessoa nessa Terra que mais tem Deus no peito. É como se Deus tivesse te escolhido. E no entanto fica com medo de quase tudo. Como pode? Não pode, não deve. Mamãe, mais do que ninguém você deveria saber que se qualquer coisa acontecer, você fala com Deus rapidinho e juntos vocês dão um jeitinho de ficar tudo bem. Foi assim a vida toda, por que haveria de mudar?

Antes de tudo

Antes de tudo, era tudo tão leve
que as coisas flutuavam pelos dias
não como dias, mas como nuvens.

O t do enquanto

Eu escrevo porque eu gosto demais de dormir, mas eu perco o sono de tanto que eu preciso escrever. Meus dedos seguram a caneta com força e meu cérebro grita "acorda" enquanto eu risco o t do enquanto.

As suas coisas espalhadas

Elas me observam andar pela casa, chorar escrever  quando é minha vez de observá-las choro um pouco mais por tudo que carregam viagens, lemb...