sábado, 6 de dezembro de 2008
A falta de plumas do mundo
Ela podia ser minha amiga. Podia ser minha colega, minha prima, minha sobrinha, até a minha irmã. Mas não, ela não era nada meu. Nem conhecida. Aquela era a primeira vez que eu me deparava com aquela garota. A garota que recebeu um não da vida e que dormia na calçada. Tive vontade de chorar, um embrulho do estômago. Não consegui fazer como todos faziam, passando por cima e seguindo os seus caminhos. Também não havia muito que eu pudesse fazer. Só consegui ficar ali parada e olhar os seus olhos cheios de dor, que dormiam. A garota tinha roupas rasgadas, meias rasgadas, tênis rasgado e a alma profundamente rasgada. A única coisa que não havia se rasgado (tanto) era a sua beleza. E aquilo me doía mais. Ela podia ser minha amiga. Podia estar dando risada tomando um café comigo por aí. Mas não, ela estava deitada na calçada, por falta de onde deitar. Não, ela não tinha motivos para dar risada e nem dinheiro para tomar um café. Pensei em quem é que escolhe quem vai deitar na calçada e quem vai deitar em plumas. Pensei em quem escolheu aquela garota para deitar ali. Quem teve coragem de dizer: "Você não vai ter oportunidade. Você vai sofrer e dos seus olhos só sairão lágrimas. A sua alma vai estar rasgada e essa vai ser a sua condição." Quem é que tem coragem de escolher o sim e o não? Quem tem coragem de dizer não a olhos tão tristes? Quem teve coragem de tirá-la de uma cama? Quem não inventou mais espaço no mundo para as pessoas não precisarem deitar na calçada? Como consegue alguém deixar que algumas almas se rasguem? Só conseguia pensar em como ela podia ser minha amiga, mas não. Ela deitava na calçada.
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5 comentários:
Putz, Clara. Me rasgou a alma...
Muita sensibilidade, lindo texto. Me emocionou...
Bjão
sinto sua falta
O texto mais lindo que eu já li!
Ai Clara, chorei lendo isso... Acho que a culpa é de todos e não de alguém específico, sei lá. Mas aquela menina não tem culpa de estar lá, disso eu tenho certeza...
Milhares de meninas e meninos e mulheres e homens em calçadas por aí. Geralmente passamos reto, olhar dói.
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