sexta-feira, 27 de maio de 2016
O postal
Em Paris existe um museu absolutamente encantador chamado Centre Pompideu. Sou fascinada por ele e pela loja dele também. Na loja
eles vendem caderninhos de todos os tipos, invenções, coisas de madeira,
postais, livros, pinturas, artes, bugigangas de todos os tipos, milhares de
coisinhas. Mas é na sessão de postais que eu passo mais tempo. Quero comprar
todos os postais e fazer quadrinhos com eles. Passo horas olhando para cada um
e pensando para quem eu daria qual postal, nas histórias de cada artista que
fez cada postal, na minha vida, na arte, em Deus, me perco em cada um deles.
São infinitos. Um dia eu estava na parte dos postais de fotografia, quando eu
fixei os olhos em um e me apaixonei completamente. Era uma fotografia em branco
e preto de uma cama simples com um casal sentadinho na ponta. A garota vestia
uma blusa preta, encarava a máquina com um sorriso quase imperceptível e
abraçava o menino de costas. Ele vestia um terno e sorria profundamente. Na
parte de baixo da borda da foto havia um texto à mão assinado por um rapaz
dizendo: “Esta fotografia é minha prova. Teve aquela tarde quando as coisas
ainda estavam bem entre nós, ela me abraçava e nós éramos tão felizes. Isso
aconteceu. Ela me amou. Veja por você mesmo.” Meu coração disparou e eu comprei
o postal imediatamente. Ele me emocionava tanto que de repente já fazia parte
de mim. Uns meses depois era natal. Eu mandei fazer um quadrinho com o postal
para dar para o meu namorado. Ele não era sensível, mas algumas coisas ele
entendia bem e aquele quadrinho era doce demais para passar despercebido.
Mostrei para minha mãe com a certeza de que ela ia gostar. Ela olhou para o
postal, fez cara de susto e foi para o armário mexer com caixas antigas. Voltou
um tempo depois e disse: “Veja filha, em 1981 o seu pai foi viajar para os
Estados Unidos e mandou esse mesmo postal para mim.” Eu não pude acreditar.
Peguei o postal na mão e atrás dizia “saudade” com a assinatura do meu pai.
Presos na nossa garganta
Hoje eu conversei com alguém sobre você, sobre te amar e estar perdida, sobre te amar e ter dúvidas e não saber, e te amar. Enquanto eu falava, tive vontade de chorar. Precisei levantar da mesa, engolir e fingir que queria beber água. Quando senti que minhas lágrimas não estavam mais presas na minha garganta, recuperei a fala e disse que tudo ficaria bem. A gente sempre fala para os outros que tudo ficará bem, os outros são outros, eles não estão presos na nossa garganta.
domingo, 22 de maio de 2016
Um instante
Era um dia muito quente. Meio de semana, horário de pico, ônibus lotado. Um pai de meia idade voltava para casa levando a filhinha de uns seis anos pela mão. Ele estava exausto. Tinha passado o dia procurando trabalho no centro da cidade, batendo em todas as portas com a filha ao lado ouvindo sempre "não". Os dois finalmente iam voltar para casa. Então, quando já estavam no terceiro e último ônibus, a menininha passou a puxar a camisa do pai. O pai limpava o suor na testa e não queria encarar a filha depois de tanta derrota, por isso ignorava os puxões. Quando a menininha gritou alto: "papai!", ele precisou olhar para ela. Ela então sorriu, apontou para o adesivo indicando para quem eram reservados os assentos preferenciais, e disse: "Qual desses quatro bonequinhos você quer ser? O sentado nessa cadeira com rodas, a mamãe com a filhinha, o velhinho de bengala ou a gordinha? Eu quero ser a mamãe com filhinha!"
Ele
Eu decidi partir num dia de calor qualquer do mês de março. Eu tinha voltado de férias e estava deslumbrada com a vida que existia lá fora. Então resolvi explorar melhor o resto do mundo. Ele também estava partindo, ia estudar fora. Ele parecia não se dar conta, ou não se importar, ou não perceber o que estava por vir. Eu percebia e pensava nisso a cada segundo, a cada milésimo de segundo da minha vida naquele momento. Não tinha outro assunto na minha cabeça. Eu, que sou uma pessoa que adora fazer uma faxina, não conseguia pensar em outra coisa nem na hora de fazer faxina. Como seria a vida sem ele? Como seria dormir, acordar, almoçar, ver tv, jantar sem ele por perto? Achava engraçado como todo mundo fingia que estava tudo bem naquela separação. "Tudo bem, vocês vão se reencontrar." Bom, eu fui, ele foi, e passamos a viver separados por um tempo. Eu morava em uma casinha modesta no sexto andar. Dividia a casa com outras pessoas que não entendiam por que eu havia me separado depois de tanto tempo namorando. Naquela época, naquele país, eu estudava cinema. Eu não tinha dinheiro para fazer muita coisa, então saia da escola e ia direto para casa. Um certo dia eu resolvi comer alguma coisa fora com a turma da sala. Um homem sentou-se do meu lado. Esse homem é o seu avô, querida.
terça-feira, 17 de maio de 2016
A Caixa
Meu pai levantou da mesa e sumiu no corredor.
Teria se entediado da conversa? Não sei. Esperei.
Papai voltou com um sorriso malicioso no rosto.
Ele segurava uma caixa.
Abriu a caixa e tirou de dentro uma arma pesada.
"É de chumbinho. Vamos brincar de atirar nas folhas?"
sexta-feira, 13 de maio de 2016
Passei
Não consigo pensar em você sem uma pontinha de tristeza: sou a mulher que passou, e você deixou passar. Sei que ainda não passei, que estou aqui agora, mas às vezes me parece tarde demais. Às vezes eu sinto que você me deixou passar.
Sem sorriso
Quando eu te vi passando por mim, eu secretamente sabia que você era triste. Você estava saindo da livraria e eu entrando nela. Você me olhou sem saber quem eu era e eu também te olhei, mas eu sabia. Você, colunista de jornal, herdeiro de livraria, um homem triste. Pensei na mulher que te deixou alegando tristeza demais. Pensei se a sua tristeza seria interessante ou só triste. Se eu conseguiria fazer a minha tristeza se comunicar com a sua. Pensei se você, do seu jeito cabisbaixo, me ensinaria coisas fascinantes que você leu nos livros. Pensei em nós dois excluídos do mundo, lendo nossos livros e escrevendo poesia. Eu pensei em milhares de coisas naqueles segundos que eu te vi me olhando. Gosto de pessoas tristes.
segunda-feira, 2 de maio de 2016
Sobre um sonho
Eu estava em um carro, o meu
talvez, com alguma amiga minha. Estávamos indo para a casa dos meus pais, que
talvez naquele sonho fosse a minha casa. Ao chegar na portaria, lembro dos
guardas, e lembro de eu, de repente, me dar conta de que estava sem alguma
coisa, algo me faltava. Então eu e a amiga fizemos a volta e, bem coisa de
sonho, surgimos do nada dentro de um avião. Para onde aquele avião estaria
indo, eu me perguntava. Minha amiga também não sabia. Era um avião diferente,
eu não precisaria ficar sentada durante o vôo, tinham vários lugares para ir
ali dentro. E nessa hora, com uma consciência estranha de alguém que sabe que
aquilo é um sonho, eu fiquei tentando calcular aonde estava indo o avião,
descartei os Estados Unidos – porque ainda não era hora de ir para os Estados
Unidos, mas precisava ser algum lugar perto. Perguntei para a aeromoça para
onde íamos e com a maior naturalidade ela respondeu: "Para o Canadá."
Para o Canadá? Que diabos eu estava indo fazer no Canadá? Senti uma urgência em
ligar para o meu namorado para avisá-lo de que eu tinha entrado por engano em
um avião indo para o Canadá. Ele, com a maior naturalidade, disse:
"Canadá? Bem sua cara mesmo isso de entrar no avião errado." Eu
suspirei aliviada pensando que ele agora sabia que eu ficaria offline por onze horas até o Canadá. E
pelo menos a gente estava no mesmo continente. Quando então eu começaria a
relaxar no avião-cruzeiro, eu acordei.
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