quinta-feira, 27 de junho de 2013

A caixa

O porta-retratos, o livro, os colares, a pulseira, o anel. As músicas. Uma saia de couve-flor. O endereço de um site. Cartas. Uma passagem de avião. Mais cartas, mais músicas, mais fotos. Coisas, coisas, tantas coisas. Foi tudo para a caixa. Aquele cheiro de tanta coisa dentro da caixa, não dava para ela ficar na casa sem tudo aquilo. Ela levou a caixa pra fora, era grande o suficiente para caber ela lá dentro. Entrou. Daqui de dentro eu não saio.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Qual é o objetivo afinal?

A gente brincava de Barbie todos os dias - duas horas para montar a casa e outras três brincando, todo dia. Até que um dia, quando tínhamos quinze anos as duas, ela me ligou: "onde vamos montar a casa hoje?" "Não sei, eu estive pensando, sabe? Acho que não quero mais brincar." "Como assim? Por que não?" "Porque hoje eu me dei conta de uma coisa... Qual é o objetivo dessa brincadeira afinal? Não tem um objetivo..." Ela ficou uns minutos muda do outro lado da linha e suspirou: "É... acho que você tem razão" e desligou o telefone. Alguns dias depois a vontade de brincar voltou e eu liguei pra ela, mas ela não quis mais. Ela nunca mais quis mais. Eu coloquei aquela dúvida na cabeça dela e foi por causa daquela dúvida que a gente nunca mais brincou. Bobagem nossa, mas a gente jamais poderia imaginar que nada nessa vida tem um objetivo muito claro.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

A sua mão

Nadei, corri, dancei, chorei, cai tanto pra chegar aqui e tudo que você tem pra me dar é a sua mão? Eu aceito.

Seja qual for

Adeus, obrigada, desculpe.
Estou indo, indo, indo...
Não vou parar de ir nunca.
Eu tenho alergia a ficar aqui
(seja lá qual for o aqui).
Adeus, me dá o último beijo
- porque o último beijo tem
o mesmo gosto do primeiro.

Como é possível que a espera seja tão longa, o caminho seja tão doloroso e as flores no caminho murchem tão rapidamente?

Casa

Enquanto acertava o relógio velho da sala,
e arrumava as cadeiras e organizava os livros na estante
e tirava o pó da escrivaninha e varria o chão,
ela se deu conta - com muita dor no peito -
de que aquela não era mais a sua casa.

terça-feira, 18 de junho de 2013

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Escova de dentes

A sua escova de dentes na minha cabeceira me dói mais do que o silêncio do meu celular. A escova grita, esperneia, implora para que você venha buscá-la. Por causa dela eu vejo os seus dentes a espera da escova, a sua boca, o seu abraço, o nosso amor. Não adianta guardá-la, os gritos atravessam a gaveta, atravessam os meus sonhos, o meu dia. De todas as coisas que eu tinha, ela é absolutamente tudo que me restou.

sábado, 15 de junho de 2013

Um beijo na boca


Essa tela tem sido muito divulgada na internet. Quem gosta de arte com certeza já viu. Acho que a divulgação toda é porque a beleza aqui é muito clara: os dois rostos estão tão ligados que se anulam. Muito amor, muita ligação, são um só. Simples como deve ser. Jarek Puczel é um artista polonês e as obras dele são todas assim mesmo: minimalistas, românticas e sutis. Pelo menos é a minha impressão. As narrativas são simples, o acesso é fácil. Doce, doce... Tenho saudade dessas obras, acho que desde que nasci. 

Eu não sei falar alemão

Ele nem me conhecia e já quis me analisar. Acho que as pessoas tem uma certa mania de fazer isso: já ir me analisando. Acho um pouco irritante. Ele disse, em alemão, que estava escrito na minha testa que eu era uma pessoa que não gostava de se arriscar. Que eu era defensiva. E ainda teve a audácia de traduzir tudo. Eu quis matá-lo a facadas, mas me contive. O que é que você tem a ver com meus medos? E se eu não quiser superá-los? Ich mag es nicht meine Ängste aussetzen. 

Aquela viagem

Uma vez a gente viajou de carro para uma cidade vizinha. Minha mãe achou a coisa mais romântica do mundo. A gente perdeu o voo e eu quase desisti da viagem, mas ele sugeriu o carrinho vermelho. Eu estava indecisa com relação a quase tudo. Quase tudo estava me reprimindo. Mas eu fui, a viagem era longa e podia ser bom pra nós dois. Eu adoro ficar no carro olhando a janela, a paisagem indo embora. Eu adoro que nessas viagens o silêncio é permitido. Eu fui ficando mais calma, a viagem foi mais demorada do que o previsto. A gente ria, nos sentíamos aventureiros naquele carrinho. A polícia nos parou, foi o máximo. Quando chegamos lá, eu já nem lembrava da minha indecisão. Ele foi engraçado, se esforçou pra caramba sem nem precisar se esforçar. Eu lembro da risada maliciosa dele na volta da festa. E choveu no dia seguinte, ficamos presos um ao outro. A volta foi de avião. Rápida, rápida demais. Senti falta do carrinho vermelho. Sem que ele visse eu chorei um pouquinho. Aquela viagem pareceu um sonho bom. 

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Hamlet


Shakespeare disse, naquele livro Hamlet, que diante de tanta dor que os homens sentem eles só não se matam porque têm medo do que os espera do outro lado da vida. Ninguém foi até a morte e voltou vivo pra contar o que viu. E é justamente essa dúvida que nos mantém vivos. É uma covardia, mas é por causa dela que ainda estamos aqui. Tem dias que o medo quase some, a coragem parece gritar.  

domingo, 9 de junho de 2013

Balada

Uma mulher triste com uma cerveja na mão. Ela ri, conversa com quem conversa com ela, se bobear até dança um pouquinho, mas é infinitamente triste. Quem ali naquele mundo escuro cheio de mini saias vai perceber tanta tristeza?

terça-feira, 4 de junho de 2013

cativeiro

Um dia meus netinhos virão me perguntar,
não vou conseguir mentir, também não vou negar:
eu estava num cativeiro e você veio me buscar.

choro de pai

eu só me lembro de tê-lo visto chorar numa sexta-feira treze quando choveu muito e ele cortou o supercílio batendo em algum lugar e sangrou e ele chorou chorou chorou quase até o sangue virar casquinha essa foi a única vez que eu o vi chorar.

um igual

O que dizer dessa dor, tão pouco sentida pelo resto da humanidade? Que sou privilegiada? Se o privilégio da poesia é sentir essa dor, que acabe toda a poesia porque não quero mais doer. Meu peito me enche, meu peito que bate, talvez mais do que os outros. Esse peito eu lhe dou de presente, fique à vontade para jogá-lo no mar. Eu não quero mais. Só quero perder essa minha visão de ver tudo por de  dentro. Aqui fora é vazio demais, como faço para achar um igual? Preciso dividir a vida, porque a morte não me vem e eu ainda não achei.

Paulo Leminski

Transar bem todas as ondas
a Papai do céu pertence,
 fazer as luas redondas
ou me nascer paranaense
A nós, gente, foi só dada
essa maldita capacidade,
transformar amor em nada. 

Suicídio

vinte segundos faltam
para eu fazer falta
por aqui


Villa Oscarlina

Não foram só os quadros encantadores. Eu tive vontade de ficar ali alguns dias, olhando os detalhes como aquela faca que foi reposicionada e deixou um rastro na mesa, ou aquele pintor que me lembrou o Turner. Mas não foram só os quadros. Eu descobri uma versão de where is my mind que me fez suspirar. Eu provei o melhor bolo de chocolate do mundo e a birdy também foi uma graça. O Olavo Bilac conheço pouco, mas eu sei da sua importância. Ele estava na estante com todas as outras preciosidades. A música de dez anos atrás, eu queria ouvir mais uma vez - só mais uma - pra poder gravar escondido. E depois ouvir mais mil - ao longo do resto da vida. Eu tinha saído de um lugar hostil "não confunda experimentar a vida com se colocar em perigo" e cheguei no universo paralelo que eu tanto falo. Foi isso tudo junto. Guardei um pouco da Villa Oscarlina no peito para quando eu não quiser mais fazer parte desse mundo eu lembrar dela.

domingo, 2 de junho de 2013

O grito

Eu vou saindo sem dizer nada e o seu silêncio gentilmente abre a porta para mim. E quando eu já estou lá fora esperando um trem passar eu ouço qualquer coisa que parece ser um grito seu. Mas eu já estou longe, longe demais quando percebo que é mesmo seu o grito. Eu nem sabia que você podia gritar.

where is my mind

Your head will collapse if there's nothing in it

eu ajunto a coragem

eu só quero o que desejo porque  há o seu abraço o seu tempero o seu tempo, temperamento  há tempos eu percebo  minha vida, meu sossego  bem...